Amós 5.4-15 – 17º. DOMINGO APÓS TRINDADE
Prezada comunidade!
Por volta de 760 antes de Cristo, um homem simples, criador e pastor de ovelhas, deixa seus rebanhos no interior da Palestina e dirige-se a Betel, capital e centro religioso do Reino de Israel. É Amós. Um dos profetas mais impressionantes e vibrantes que Israel conheceu. Dono de uma honestidade insubornável e de uma linguagem violenta e impiedosa, Amas ergueu-se contra as instâncias mais poderosas de sua terra com um destemor sem par. Chegado a Betel, Amós encaminha-se ao santuário nacional, onde profere um inflamado discurso, diante dos sacerdotes e peregrinos embasbacados. O texto da prédica de hoje é parte desse discurso:
Pois assim fala o Senhor à Casa de Israel: Buscai-me a mim, e vivereis! Porém, não busqueis a Betel, nem venhais a Gilgal, nem passeis a Berseba, pois Gilgal sem dúvida será deportada, e Betel irá à perdição. Buscai o Senhor e vivereis, para que ele não irrompa na casa de José como um fogo que ninguém consegue apagar. Vós que converteis o direito em alosna e deitais por terra a justiça! Aquele que faz as Plêiades e o Órion, aquele que transforma as trevas em manhã e escurece o dia, fazendo-o noite, aquele que chama as águas do mar e as derrama sobre a face da terra - Senhor é o seu nome! Ele desencadeia súbita destruição sobre o forte e ruína contra a fortaleza. Eles odeiam aquele que se empenha pelo direito no tribunal e abominam aquele que diz a verdade. Assim sendo, visto que pisais o pobre e dele arrancais tributo de trigo - construístes casas de pedras lavradas, mas não habitareis nelas; plantastes parreirais desejáveis, mas não bebereis seu vinho. Pois eu sei que são muitas as vossas transgressões, e numerosos os vossos pecados - vós, que afligis o justo, aceitais suborno e oprimis os pobres no tribunal. Por isso, o que for prudente, calar-se-á naquele tempo, pois é tempo mau. Buscai o bem e não o mal, a fim de viverdes; então, sim, o Senhor, Deus dos Exércitos, estará convosco, assim como afirmais. Odiai o mal e amai o bem, e estabelecei o direito no tribunal - talvez o Senhor, Deus dos Exércitos, se compadeça do restante de José.
Se hoje de manhã, ao entrarmos na igreja, tivéssemos deparado lá fora com um homem simples de fala violenta gritando: Busquem a Deus, mas não aí nessa igreja!, talvez ficássemos um pouco chocados. Mas o incidente não nos impressionaria demais. Afinal de contas, sabendo de tantas seitas existentes por ar, com seus hábitos que frequentemente estranhamos, a gente de certa forma até estaria preparada para tanto.
Mas, procurem os senhores imaginar a situação reinante em Israel, quando Amós proferiu seu discurso. O culto a Javé, o Deus de Israel, era a religião oficial, a qual todos pertenciam, sem exceção, e da qual todos participavam. E isso não só nominalmente. Do nascimento até a morte, em todos os momentos importantes, nas alegrias e nas desgraças, o israelita se dirigia ao templo central de Betel, para lá manter contato com seu Deus, fazendo penitência, implorando seu auxílio ou trazendo-lhe louvor, através dos diversos ritos estabelecidos. Era no templo nacional de Betel - e só lá - que o fiel encontrava seu Deus. E note-se uma coisa: os tempos de então não estavam marcados pela secularização que caracteriza nossos dias atuais. Ao contrário do que acontece hoje, o israelita relacionava toda ocorrência boa ou má, no campo civil e militar nacional, comercial ou privado a um ato de Deus. Batalhas vencidas ou perdidas, pragas, incêndios, secas, boas ou más colheitas, doenças, sofrimentos ou ocorrências felizes eram para ele consequência de uma decisão e ação divina. E a resposta do individuo a essa ação negativa ou positiva era dada no templo central, e só lá.
Imaginem, então, sob esse pano de fundo, o furor provocado pelas palavras de Amós, ao dizer, em nome de Deus: Buscai-me a mim, mas não busqueis a Betel; procurai-me a mim, mas não através das cerimônias e dos ritos do vosso santuário nacional.
Por que esse absurdo? Por que não buscar Deus em Betel, onde gerações sem conta o buscaram?
A resposta do profeta é clara: Vocês deturparam e falsificaram o culto. Vocês vem aqui trazer sacrifícios e holocaustos, mas sua relação com Deus fica por ar mesmo. Vocês querem um Deus que seja encontrável e esteja -a disposição dentro das quatro paredes do templo, mas que não se atreva a sair de lá, imiscuindo-se na vida privada, na vida profissional. E fora do templo, o que acontece é o seguinte (eu cito Amós): Vós que converteis o direito em alosna e deitais por terra a justiça! Eles odeiam aquele que se empenha pelo direito no tribunal e abominam aquele que diz a verdade (isto é, como testemunha). Assim sendo, visto que pisais o pobre e dele arrancais tributo de trigo (isto é, vós que extorquis o pobre) ... Pois eu sei que são muitas as vossas transgressões, e numerosos os vossos pecados - vós, que afligis o justo, aceitais suborno e oprimis os pobres no tribunal.
O que Amós quer e não encontra em Israel é o culto integral, de domingo a domingo, do levantar ao deitar, na mesa do café, no ônibus, no trafego das ruas, na escola, no escritório, na fabrica, no bar, na mesa de jantar, no seio da família. Isto é, o culto em cada ato de contato com os semelhantes. E se esses atos não refletirem a oração, o louvor, a súplica, proferidos nos rituais do templo, da igreja, esses rituais estão deturpados. São mera formalidade sem sentido. O culto legítimo a Deus é culto diário, integral, em cada movimento, em cada palavra. E só enquadrado neste culto é que o culto dominical na igreja adquire sentido, deixando de ser mera formalidade.
E nesse contexto, eu gostaria de chamar a atenção para um importante detalhe: Amós não esta fazendo um apelo bem intencionado, não esta alertando simplesmente. Ele esta proclamando o juízo implacável de Deus sobre uma tal situação: Buscai o Senhor e vivereis, para que ele não irrompa na casa de José como um fogo que ninguém consegue apagar. Porque esse Deus não admite ser encarcerado nos recintos do templo. Ele é o Criador de tudo o que existe e quer que sua presença seja sentida e respeitada em cada palmo desta sua criação: O que faz as Plêiades e o Órion, o que transforma as trevas em manhã e escurece o dia, fazendo-o noite, o que chama as águas do mar e as derrama sobre a face da terra - Senhor é o seu nome!
II
Até aqui, prezados irmãos, a explicação propriamente dita do discurso de Amós. Imaginem se esse Amós aparecesse por aqui. Será que ele não diria: Derrubem esta igreja, acabem com tudo, pois tudo é farsa. Vocês só usam essas instalações e seus rituais para acorrentar Deus; para que ele não saia a averiguar o que se passa dentro desses edifícios, nessas ruas, nas malocas. Igreja e vida cotidiana são para vocês dois mundos diferentes.
E no caso da maioria, talvez até de todos nós, Amós teria razão. É certo que os dispositivos legais e jurídicos vigentes hoje provavelmente não permitem mais um abuso tão desmedido como o que imperava nos tribunais do Israel de então. Digo provavelmente! Mas Amós também fala de pisar o pobre, afligir o justo, aceitar suborno, odiar aquele que se empenha pelo direito do despossuído, arrancar tributo de trigo do pobre - isto é, mantê-lo na dependência econômica dos poderosos.
Não vou largar do púlpito um discurso subversivo, nem penso em enumerar categorias de culpas e culpados por essa miséria, na qual tropeçamos a cada passo nesta cidade, neste Estado, neste País. Ou será que já nos acostumamos, já deixamos de ter olhos para essa miséria? Acho que se não estivéssemos endurecidos por dentro, não conseguiríamos andar dez minutos por aí sem chorar de vergonha pelo que se vê. E cada um de nós tem sua parcela de responsabilidade por tudo isso, seja por participação, seja por omissão. Seja porque contribuímos ativamente para que a situação piore, seja porque deixamos de erguer a voz na hora certa.
Cada qual tem sua parcela de culpa e responsabilidade. E eu peço que aqui dentro e ao saírem daqui, os senhores tomem um tempinho e meditem sobre isso, sobre a sua parcela. E ajam de acordo! Buscai o bem e não o mal; então, sim, o Senhor estará convosco, assim como afirmais. Façamos o bem e não o mal, um culto legítimo. Então não estaremos encerrando Deus, mas permitindo que aja por meio de nós. Então, diz Amós, talvez o Senhor se compadeça.
Até aqui, prezados irmãos, nos deixamos conduzir por Amós. Mas agora, finalizando, precisamos desviar-nos dele, pois Amós não sabia de uma coisa que nós sabemos. Ele nada sabia de Jesus Cristo. É claro que como cristãos subscrevemos inteiramente o que ele diz. No entanto, o nosso ponto de partida é outro. Amós e os seus ouvintes sabiam que Israel se comprometera, no pacto firmado com Deus, a proteger os desamparados, as viúvas, os órfãos. Por isso é que ele podia exigir que se odiasse o mal e se amasse o bem, por isso é que ele podia arremeter contra a opressão aos desamparados. Nós, porém, já não partimos do pacto. Nós partimos de Jesus Cristo, e como pessoas que vivem depois de Jesus Cristo, temos muito mais do que os contemporâneos de Amós, motivos para odiar o mal e amar o bem, para fazermos o que esta em nossas condições a fim de que amaine ou cesse a opressão ao desamparado. Como reconhecimento e agradecimento pelo que Deus fez por nós em Jesus Cristo, o cristão precisa empenhar tudo por realizar esse culto Iegítimo na lida diria em favor do irmão que pode menos. Porque Deus deu seu sim a nós, porque Deus já demonstrou que nos ama, por isso nos podemos e devemos tornar-nos continuadores deste amor, ainda que nas mais modestas proporções. É uma oportunidade que Deus nos clã. Não a percamos! Saiamos daqui para afinar nossas vidas com o que é dito, cantado e orado nesta igreja. Amém.
Oremos: Senhor, nosso Deus e Pai, agradecemos-te por mais esta oportunidade que nos deste de meditarmos sobre a tua palavra. Faze com que sejamos praticantes da mesma e não meros ouvintes. Ajuda tu, para que não deturpemos e falsifiquemos este culto, ajuda-nos a afinar nossas vidas com o que é dito, cantado e orado nesta igreja. Nós, sozinhos, não o conseguimos. Mas com teu auxílio somos capazes de tudo. Por Jesus Cristo, teu Filho e nosso Salvador. Amém.
Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS