Alocução para Bênção Matrimonial - 1 Coríntios 13.1-8

12/02/1988

ALOCUÇÃO PARA BÊNÇÃO MATRIMONIAL

Ambos os noivos da IECLB

1 Coríntios 13.1-8

João Guilherme Biehl

l — Preliminares

É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia...
E fosse aparecendo aos poucos nosso amor...
                                                   Gilberto Gil

Pois bordar e rebordar o dia-a-dia com cores de paixão não é tarefa das mais fáceis. Quem sabe até das mais difíceis. Ainda mais nestes tempos tão nublados, tão revestidos de solidão e individualismo. A cerimônia do casamento, um rito de passagem já infelizmente tão desgastado, não quer, não pode, oferecer falsas garantias de felicidade. Mas pode — e muito — evocar, tanto nos nubentes, como nos amigos, a possibilidade de continuar na luta pra bordar um cotidiano de mais sol, mar e amor. Por isso me valho nessa liturgia e alocução matrimoniai de uma linguagem o máximo possível poético. É prá dar espaço pros sonhos e desejos dos que participam desta cerimônia. Quer e tem a pretensão de ser ar inspirador. Por isso fantasia o real e talvez queira realizar fantasias. Nesse sentido, na alocução conto a história dos nubentes como se fosse um conto de fadas. O esquema é bem fácil. Basta começar com era uma vez e narrar alguns fatos pitorescos da vida dos dois.

No exemplo abaixo, o noivo é agrônomo, trabalha com a terra; e a noiva é professora de geografia. A parte da reflexão pós-estória pode ser acoplada e adaptada aos mais variados contextos. E por aí se vai, como canta o Gil, os nossos sentimentos loucos, nosso amor, o zig-zag do tormento, em cores de alegria!

II — Liturgia de Bênção Matrimonial

1. Saudação

Além da terra, além do céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental, essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

E é com estas palavras do eterno poeta Carlos Drummond de Andrade que quero saudar a vocês, NN e NN, aos pais, padrinhos, madrinhas, demais amigos e familiares. Que, de fato, possamos juntos, como uma grande família em festa, conjugar este verbo sempreamar, pluriamar, razão de ser e de viver, que traz ao altar o NN e a NN! E nós realizamos esta cerimônia em nome de Deus, que é tal pai amoroso e mãe carinhosa; em nome de Jesus Cristo, que tendo amado, amou até ao fim; e em nome do Espírito Santo, fonte de toda energia, criatividade, vida e fé. Amém!

2. Oração

Senhor, nosso Deus, invocamos a tua bênção para este momento marcado por tanta alegria e festa; e que foi aguardado com tanta expectativa. Que possamos todos juntos nos regozijar e nos energizar deste amor que traz o NN e a NN ao altar! E que auxiliados por nós eles possam no dia-a-dia continuar multiplicando e repartindo este amor que jamais acaba com todos os necessitados e sobrecarregados que os cercam. Pois nós sabemos que não há tempo consumido, nem tempo a economizar. O tempo é todo vestido de amor e tempo de amar! Em nome de Jesus Cristo, Amém!

3. Leitura bíblica: 1 Coríntios 13.1-8

4. Alocução

Pois eu estava um tanto quanto preocupado sobre o que iria lhes falar neste dia tão especial. Afinal, muita amizade, papos, memórias comungadas unem a gente. Fui, então, procurar inspiração na minha estante. Ah, velha estante amiga. E aí encontrei um livro muito antigo, escrito para crianças, jovens e adultos... Folheei e acabei me deparando com uma estória que me chamou bastante a atenção. E é justamente esta estória que quero agora repartir com vocês. Só que, de antemão, aviso que qualquer semelhança com a vida real «ao ê mera coincidência!

Era uma vez, lá no Reino-que-não-se-faz-de-conta um príncipe alto, garboso, que gostava muito de mexer na terra, brincar com animais, colocar sal nas coisas. E também havia uma princesa, de enormes olhos esverdeados, que tinha grande prazer em rabiscar mapas, colorir sonhos dalém mar e, assim, viajar para terras nunca vistas. Os dois eram muito prestativos. Estavam sempre aí para ajudar a quem precisasse. Por isso também tinham muitos amigos. Inclusive alguns em comum. Mas, apesar disso, e de se encontrarem seguidos nos bailes do castelo e também das vilas circundantes, os dois raramente se falavam. Arriscavam alguns olhares furtivos, mas sofriam mesmo era do mal da timidez. Comenta-se que uma bruxa os havia enfeitiçado, fazendo-os tímidos e leves, magros, tão leves, que qualquer vento os faria levantar voo. Os pais e amigos se preocupavam muito... O que seria deles caso viesse uma grande tempestade ou um minuano batesse forte por aqueles pagos??? E não é que uma noite, enquanto o príncipe dormia, lhe apareceu em sonho um pássaro encantado, lhe dizendo que o feitiço da bruxa não haveria de durar para todo o sempre. O príncipe deveria se perfumar e se arrumar para o próximo baile na vila e dançar a noite toda com a primeira princesa que seus olhos vislumbrassem... E não deu outra! Foi ao baile e ao entrar no salão seus olhos logo se encontraram com os esverdeados, cor do mar, desejo de amar, olhos da princesa. E o salão se tornou pequeno ante toda a alegria do encontro, das mãos finalmente dadas, dos sonhos em início de construção. O coração dos dois cantava tão alto que fez dormir o feitiço da timidez. Quanto ao outro feitiço, o da leveza e magreza, os dois descobriram que juntos passavam mais. E que enquanto permanecessem unidos, não haveria tormento, terremoto que os pudesse afastar e os levar para longe... O tempo foi passando até que chegou o dia em que não viram outra alternativa do que juntar suas trouxas, esperanças, sonhos e escovas de dente e casar. E comenta-se, naquele Reino, que viveram até agora, muito felizes!

Não, não se preocupem! Dragões e outras bruxas não mais entraram nesta estória. E os personagens principais não se chamam nem joãozinho nem mariazinha; mas sim NN e NN, o príncipe e a princesa, pelo menos desta história... Quem diria, heim?, de uma tímida amizade de bailes na adolescência, para a celebração maior do amor de vocês aqui neste altar, perante amigos e familiares...

Mas a estória de vocês não termina aqui. Pelo contrário, hoje, agora, nesta celebração, ela procura força, energia, para continuar, venha o que vier, seja o que for. E Deus, de quem vocês estão agora a pedir a bênção para o matrimônio, não é mero personagem coadjuvante nesta história toda. Ele não quer só fazer uma aparição especial neste sábado festivo. Quer, isso sim, ser o poder que sempre de novo renova o relacionamento de vocês consigo mesmos, um com o outro, com os que vos cercam, com a natureza. Porque o amor é fundamental em Deus, a fonte da vida, conforme o texto lido de 1 Coríntios, não se alegra com a injustiça, tudo crê, tudo espera, tudo suporta, é amor que jamais acaba...

E vocês certamente têm experimentado isso. As coisas, as situações, os feitiços mudaram. O amor se renovou, mas não acabou. Diferentes pedaços de vocês afloraram. Muitas caminhadas, né? Peregrinação que tantas vezes se assemelhavam ao êxodo no deserto. E não mais se sabia ao certo aonde se estava indo. Mas o bonito de todo esse processo da vida é que no fundo a gente descobre que somos sempre mais alguém e mais além. Não houve gaiola que conseguisse aprisionar vosso canto. E hoje vocês estão aqui, crescidos, talvez um pouco mais tristes e desiludidos, menos idealistas, mas também muito mais conscientes de que a vida se desenrola aqui e agora, e não em esferas extra-terrestres. Não há mais tanto medo da noite. Sóis parecem nascer em cada esquina e os mapas já não mais permitem tantas fronteiras e limites. Afinal, só o infinito nos cerca...

E apesar de guerras nas estrelas, fomes etíopes, farsas constituintes, vocês estão na luta da vida, construindo pontes, fazendo pirraça, ousando sonhar juntos um novo tempo quando não haverá mais choro nem ranger de dentes, mas sim paz com justiça. E vocês sabem muito bem, NN e NN, que sozinhos é muito difícil sobreviver, quanto mais ainda viver. O ser humano nasceu para a relação. Vem dela e a ela é remetido. Por isso Deus criou homem e mulher iguais, à sua imagem e semelhança, para juntos representassem a possibilidade do eterno novo que surge no dar de mãos, no repartir o corpo e o pão, na solidariedade...

NN e NN, este amor que quer durar até que o sol seque o mar, não pode ficar enclausurado nas paredes de vocês mesmos. Ele precisa chegar às ruas, aos campos, às escolas, às igrejas... E um dia a semente há de ser tanta que a mesa de todos será farta... É certo que virão dúvidas, sofrimentos, mais desilusões. Mas é também certo que Deus estará do vosso lado, acompanhando e acontecendo em todo esse processo de pulsação por vida. Porque assim como o tempo não pára no porto, também Deus não é inerte e não nos acomoda. Ele é força viva que vem e diz: Levanta-te e anda!

E cabe aos pais, padrinhos, madrinhas, familiares e amigos, enfim, a toda a comunidade, dar todo o apoio possível, para que o relacionamento do NN e da NN receba água e luz e possa crescer como uma árvore frondosa que, depois de tantos invernos da vida, ainda continua fazendo sombra, florescendo e dando frutos. Cabe a nós todos ajudar, para que o amor dos dois não seja somente eterno enquanto dure, mas que seja, de fato, um amor que jamais acaba, ou como diz o mestre Drummond: um amor que mesmo morrendo, não morre todo, e fica no ar, parado! Amém!

5. Declaração mútua do amor... o sim

6. Troca de alianças: Aceitai agora estas alianças, como símbolo do amor sem fim, conjugado em todos os tempos e espaços. Que elas vos acompanhem sempre e vos lembrem de que o amor que jamais acaba está inevitavelmente em processo e sempre comprometido em promover vida abundante a todas as pessoas que vos cercam.

7. Bênção

8. Oração: Senhor, nosso Deus, pedimos que tu acompanhes unidos ao NN e à NN, em todos os seus caminhos. Dá-lhes corações cheios do amor que não procura os seus próprios interesses, do amor que tudo sofre, tudo crê, tudo suporta. E dá com que nós todos possamos aprender deste amor, bem como ajudar a regá-lo, a fazê-lo crescer e a saborear dos seus frutos. Te agradecemos, em especial, pelos pais, familiares e amigos que nunca mediram esforços para que este amor pudesse chegar à sua celebração maior aqui neste altar. Nós te pedimos tudo isso em nome do teu Filho Jesus Cristo que nos ensinou a orar... PAI NOSSO.

9. Bênção final


Autor(a): João Guilherme Biehl
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1988 / Volume: Suplemento 2
Natureza do Texto: Liturgia
Perfil do Texto: Alocução
ID: 18405
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