Amados irmãos, amadas irmãs,
estamos no Advento. A cor violeta e a coroa de Advento anunciam que este é um tempo de avaliação e de preparação. Agora, mesmo em meio à turbulência e às correrias de fim de ano, é tempo de avaliar a própria vida e o caminhar em comunidade no ano eclesiástico que passou – e terminou no Domingo de Cristo Rei.
Fazendo uma retrospectiva, como você avalia a sua jornada até aqui? O que mudou de Dezembro de 2022 para Dezembro de 2023? Que bênçãos você recebeu neste período?
Olhar para trás nem sempre é fácil. Temos a tendência de destacar os pontos negativos da nossa jornada. Hoje não! Hoje nós vamos olhar com entusiasmo para as coisas que Deus tem feito entre nós. Queremos ressaltar hoje as coisas positivas, não as negativas. E vocês vão ajudar!
Nos últimos dois cultos, as comunidades Vida Nova e Bom Pastor participaram ativamente assumindo um compromisso a partir de seus talentos e de atitudes para um tempo melhor. Esses registros já enfeitam a nossa Árvore de Natal neste dia. Não é um pinheirinho comum, mas um pinheirinho repleto de sonhos, expectativas, talentos e atitudes para um futuro melhor.
Hoje nós queremos refletir sobre isso não individualmente, mas coletivamente. Em outras palavras: comunitariamente. Temos aqui na frente um grande desenho de uma Igreja que representa as nossas comunidades. Aqui há lugar para diferentes dons, talentos e atitudes de cuidado, acolhimento, compaixão, solidariedade, assim por diante. Em outras palavras: aqui você tem lugar!
Na entrada do culto, cada um/a de vocês recebeu um adesivo. Hoje é o dia de lembrar das coisas boas. Neste adesivo que você recebeu, anote pelo menos um ponto positivo da sua comunidade (Vida Nova ou Bom Pastor). Muitas vezes é fácil criticar dizendo que nossa igreja é tradicional, acomodada... Hoje não! Hoje é dia de marcar apenas os pontos positivos. Vamos ter um tempo para isso. Acesse suas melhores lembranças da vivência comunitária para destacar o que há de melhor em ser Comunidade Evangélica de Confissão Luterana Vida Nova e Comunidade Evangélica de Confissão Luterana Bom Pastor.
(Canetas são distribuídas e as pessoas têm um tempo para fazer suas anotações).
Como ficou bonita essa nossa igreja! Quanto potencial há em nossa vida comunitária. E que bom que hoje você pode fazer parte disso! Que bom saber que mesmo nós sendo pessoas pecadoras, podemos ser usados/as por Deus para fazer diferença na sua vida!
O apóstolo Paulo escreveu sua carta à comunidade de Corinto por volta de 56 d. C. A cidade havia sido refundada por Júlio César, em 46. a. C. Mesmo sendo uma cidade “jovem”, contava com 500 mil habitantes, tornando-se uma importante cidade comercial, mas também marcada por grandes desigualdades sociais. Nesta cidade há uma comunidade cristã – que passa por apuros!
Havia vários conflitos na cidade de Corinto. Assim também na comunidade cristã da cidade. E, no fim das contas, a comunidade estava dividida porque Cristo deixou de estar no centro: “Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo. Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?” (1 Coríntios 1.12-13). Além disso, um se achava “melhor que o outro” e que tinha dons espirituais melhores que os outros. A Comunidade de Corinto estava marcada pela competição que também gerava desunião e divisão. Nada é mais mortífero para uma comunidade cristã que a descentralização de Cristo, a competição, a desunião e a divisão!
É a esta comunidade tão problemática que Paulo escreveu sua carta. E mesmo sendo uma comunidade com tantos problemas, Paulo conseguiu enxergar algo de bom nela. E começa não ressaltando os problemas e os pontos negativos, mas os pontos positivos. Eles foram enriquecidos no conhecimento da Palavra de Deus (cf. v. 5), tem confirmado o testemunho de Cristo (cf. v. 6) e usado os dons enquanto aguardam a volta de Cristo (cf. v. 7). E o principal: Deus permaneceu fiel (cf. v. 9).
Estas são as marcas que uma Igreja precisa ter conforme a primeira Carta de Paulo aos Coríntios: 1) Unidade em torno da cruz na diversidade: “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (1 Coríntios 1.18); 2) O amor como o maior dom espiritual: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.” (1 Coríntios 13.1-3); 3) A centralidade da mensagem da ressurreição de Cristo: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé”. (1 Coríntios 15.14).
Amados irmãos, amadas irmãs.
somos Igreja de Cristo rumo ao futuro, mas que vive a fé no presente. O Advento nos lembra do nascimento de Jesus no passado, mas também nos remete à esperança do retorno do Senhor dos céus. Como confessamos no Credo Apostólico em todos os cultos no seu 2º Artigo que diz:
E em Jesus Cristo, seu Filho unigênito, nosso Senhor, o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao mundo dos mortos, ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu, e está sentado à direita de Deus Pai, todo-poderoso, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.
Dietrich Bonhoeffer, um pastor e teólogo alemão que foi mártir do Regime Nazista por fazer parte de um plano para matar Adolf Hitler, escreveu um livro chamado “Ética” na qual o capítulo IV tem como título: “As últimas e as penúltimas coisas”. É um texto teológico bastante interessante para o contexto do Advento.
A ideia é essa: a volta de Cristo e o fim são as últimas coisas. O ser humano nada pode fazer para que as últimas coisas aconteçam. As últimas coisas pertencem somente à ação de Deus. Bonhoeffer diz: a realidade última “exclui, pois, qualquer método de consegui-la por caminhos próprios. Não há método luterano nem paulino de chegar até a última palavra”[1]. Contudo, como seres humanos, vivemos as coisas penúltimas, ou seja, aquelas que estão antes do fim. E esse tempo das coisas penúltimas é o tempo oportuno das nossas ações. É aqui que entram nossos talentos e as nossas atitudes enquanto não chegam as coisas últimas. Nossa esperança não nos faz ficarmos de braços cruzados esperando o fim acontecer; ao contrário, a esperança verdadeiramente cristã é aquela que nos coloca em movimento! Bonhoeffer diz:
Tudo isso não exclui a tarefa de preparação do caminho. Antes, é uma missão de enorme responsabilidade para todos quantos sabem da vinda de Cristo. O faminto precisa de pão, o desabrigado de moradia, o injustiçado de direito, o isolado de comunhão, o indisciplinado de ordem, o escravo de liberdade. Deixar o faminto com sua fome, alegando que na miséria o irmão estaria mais perto de Deus, seria blasfemar contra Deus e o próximo. Por causa do amor de Cristo, que tanto vale para o faminto como para mim, repartimos o pão com ele, compartilhamos o teto. Se o faminto não chegar à fé, a culpa recai sobre aqueles que lhe negaram o pão. Providenciar pão para o faminto é preparação para a vinda da graça.[2]
Martinho Lutero já dizia algo parecido. Na sua interpretação do 5º Mandamento – não matarás – ele diz:
Transgride esse mandamento não só quem pratica o mal, mas também quem pode fazer o bem ao próximo, antecipando-se, impedindo, protegendo e intervindo para que não sofra dano físico – e deixa de fazê-lo. Quando você manda embora uma pessoa que não tem o que vestir, quando poderia vesti-la, você a deixou passar frio. Se você vê alguém passar fome e não o alimenta, você o deixa morrer de fome. Se você vê uma pessoa condenada à morte ou em dificuldade semelhante e você não abrir a boca, quando conhece meios e formas para intervir, você a matou. E não adianta alegar que você não teve como ajudar, nem recurso nem meio disponível, porque você a privou do amor e do benefício pelo qual ela teria continuado a viver.[3]
E, claro, na semana passada lembramos as próprias palavras do Senhor Jesus, que disse: “Porque tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; eu era forasteiro, e vocês me hospedaram; eu estava nu, e vocês me vestiram; enfermo, e me visitaram; preso, e foram me ver”. (Mateus 25.35-36). Ou seja: não podemos antecipar as coisas últimas – a volta de Cristo –, mas isso não deve nos impedir de agir com nossos dons a favor das pessoas que sofrem. Advento é tempo também para pensar e agir nesse sentido da solidariedade, do amor ao próximo e da empatia.
Somos Igreja de Cristo! Vamos olhar para o que há de melhor em nossas comunidades Bom Pastor e Vida Nova. Esses adesivos que foram colados no desenho da igreja são os sinais evidentes de que Deus está agindo entre nós e por meio de nós.
Assim como foi em Corinto, Deus quer nos enriquecer com o conhecimento da sua Palavra; assim como foi em Corinto, Deus quer confirmar em nós o testemunho de Cristo; assim como foi em Corinto, Deus quer que não nos falte nenhum dom enquanto também aqui em Sapiranga aguardamos a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo!
Temos muitas pessoas. Temos muitas mãos. Temos muitos grupos. Mas somos uma só comunidade! Vivendo uma só fé! O que é de um grupo pertence também aos outros. Esse é o potencial comunitário da qual jamais poderemos abrir mão! Comunidade cristã não vive desunião ou privação de recursos, mas a oportunidade para a partilha amorosa e solidária. Se não for uma partilha amorosa e solidária, não é comunidade cristã!
Não podemos alterar as coisas últimas: “Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai.” (Marcos 13.32). Mas podemos agir nas coisas últimas, discernindo a nossa ação.
Em Cristo, somos pessoas livres para construir um novo futuro – até que as coisas últimas, de fato, aconteçam. Não agimos como “Deus”; agimos como humanos! Nossa tarefa não é trazer a volta de Cristo; nossa tarefa é agir com misericórdia e compaixão.
O Advento nos liberta do peso de completarmos o projeto histórico do qual Deus é o único sujeito. Ele o completará a seu tempo, no seu dia. Alimentados por esta grata esperança, lançamo-nos integralmente aos projetos provisórios, ocupados com o desmonte das contradições do convívio nos mais diferentes níveis.[4]
Também no Advento é preciso deixar Deus ser Deus para que sejamos seres humanos. Assim, Deus abençoe nossos talentos e atitudes para um novo futuro. Amém.
1º DOMINGO DE ADVENTO | VIOLETA | CICLO DO NATAL | ANO B
03 de Dezembro de 2023
P. William Felipe Zacarias
[1] BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 9. ed. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2009. p. 81.
[2] BONHOEFFER, 2009. p. 89.
[3] LUTERO, Martinho. Catecismo Maior do Dr. Martinho Lutero. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2012. p. 55.
[4] PORATH, Renatus. “1º Domingo de Advento”. in: KILPP, Nelson; WESTHELLE, Vítor (Coord.). Proclamar Libertação. v. XVI. São Leopoldo: Sinodal, 1990. p. 54.