A Celebração da Sabedoria - Provérbios 1.1-7

7º Domingo após Pentecostes - ANO A

14/07/2023

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

o que significa ser sábio hoje? Para alguns, ser sábio pode significar repassar os conhecimentos adquiridos ao longo da vida; para os jovens, ser sábio pode significar conseguir mexer no celular com facilidade; para outros, ser sábio pode significar “se dar bem na vida”. Mas, o que realmente significa ser sábio?

Nós vivemos na era da informação. Nunca antes a humanidade pôde ter acesso a um volume tão grande de informações em tempo real quanto nos dias em que vivemos. Se na nossa época de escola precisávamos recorrer a algum volume da enciclopédia Barsa na biblioteca para pesquisar sobre algum assunto, hoje bastam poucos cliques no celular ou no computador – e agora ainda mais com a novidade das Inteligências Artificiais.

A tecnologia revolucionou a distribuição da informação. Porém, informação não significa formação. Quem se lembra de todos os curtos vídeos assistidos no TikTok, Reels do Instagram ou Shorts do Youtube? Quem é capaz de lembrar tudo o que acessou no dia de ontem? Quem pode lembrar todas as postagens que foram vistas ontem no Facebook ou no Instagram? Sim! Temos uma abundância de informações. Mas, como já dito, elas não significam formação, pois esta última requer tempo, paciência e predisposição.

Hoje, há tanto conhecimento disponível na palma da nossa mão que não sabemos o que fazer com tudo isso. Na verdade, o conhecimento se tornou apenas uma distração, um novo tipo de entretenimento que tem como função acabar com o nosso tédio. E como o hábito de “rolar para cima” nas redes sociais pode ser viciante!

Diante de tantos conhecimentos e de tantas informações, surgem diversos problemas. Entre eles, um dos mais graves são as fake news. Há tanta informação disponível que se tornou difícil discernir a verdade da mentira. Informação sem a formação adequada gera um mundo confuso! Cada um se segura ao que acredita para sobreviver em meio ao caos informático do século XXI.

Aliás, hoje em dia não há “verdades universais”. Cada pessoa cria para si a sua própria verdade – legitimada, muitas vezes, por uma falsa interpretação da “liberdade de expressão”. A verdade deixou de ser absoluta e universal para ser algo que cada um fabrica para si mesmo a partir dos seus próprios critérios e do seu próprio ponto de vista. O ser humano não é apenas “uma fábrica de ídolos”, mas hoje ele também se tornou “uma fábrica de verdades”, cada vez mais “encurvado em si mesmo” e voltado apenas para as verdades do próprio umbigo!

Vivemos a era da pós-modernidade. Hoje, o que interessa não é a verdade da informação, mas a utilidade. Não interessa, portanto, se a informação é verdadeira ou falsa, mas se ela é útil para aquilo que eu quero e para aquilo que eu e meu grupo defendemos! Hoje, um conhecimento não é importante pela verdade que ele contém, mas pela utilidade técnica que provê. O filósofo Jean-François Lyotard (1924-1998) diz:

A pergunta (...) não é mais se isso é verdade, e sim: Para que isso serve? No contexto da mercantilização do conhecimento, esta última pergunta significa mormente: Isso pode ser vendido? E no contexto da escalada do poder: Isso é eficiente?[1]

 

Se antes o conhecimento era amado porque trazia à luz a verdade e a sabedoria, hoje o conhecimento só é importante se é útil. Se antes a humanidade amava o conhecimento por causa da curiosidade e da beleza nele contida, hoje o conhecimento só é válido se ele movimenta o mercado e faz ganhar dinheiro!

É comum hoje que estudantes das escolas perguntem aos professores: mas para que isso serve? Por que tenho que aprender isso? Onde vou usar isso? As crianças e adolescentes da nossa cultura já crescem acreditando que o conhecimento só é útil se puder oferecer algo em troca – dinheiro, posição, poder ou bens.

Em um mundo assim, os professores perderam totalmente a sua autoridade, pois, na visão dos estudantes, os professores são os repassadores de uma grande quantidade de conteúdos inúteis! Lyotard diz: “Ecoam os sinos fúnebres da deslegitimação e da primazia da performatividade da era do Professor: ele não é mais competente na transmissão do conhecimento do que as redes da memória”[2]. Os professores podem ter perdido sua autoridade dentro de sala de aula porque o conhecimento não é importante e sim a utilidade do conhecimento. E quantas escolas caem nessa armadilha de uma “educação voltada somente para o mercado de trabalho”. Essa não é uma educação que forma pensadores e sábios, mas máquinas que são úteis enquanto oferecem algo, mas que são descartadas assim que se tornam obsoletas diante da velocidade da transmissão de dados atual.

 

Diante disso, assumimos dois anos atrás a tarefa de estudar o livro de Provérbios versículo por versículo. Ainda estávamos no contexto da Pandemia. Confesso que muitas vezes duvidei que iríamos de fato chegar até o final. Mas chegamos! E foi um tempo muito abençoado! Cada vídeo nos impactou à sua própria maneira!

“O livro de Provérbios foi escrito entre os anos 950 a. C. e 400 a. C., ou seja, no tempo do rei Salomão até o período pós-exílio do povo judeu”[3]. Assim, o livro não foi escrito por apenas uma pessoa, mas é uma coleção da sabedoria popular judaica. No livro, encontramos conselhos, instruções e ditados populares. Salomão não foi o autor de todo o livro. A obra recebe o título de “Provérbios de Salomão” como forma de homenageá-lo e dar credibilidade ao texto.

Provérbios é um livro de Sabedoria, assim como os livros de Jó, Salmos, Eclesiastes e Cantares. Qual é a função de um provérbio? Ensinar! Um ditado popular é uma maneira simples, divertida e eficaz de passar conhecimento. Nós ouvimos o ditado e dificilmente esquecemos. Quem não lembra do provérbio que diz “Vai conversar com a formiga, ó preguiçoso?” (Provérbios 6.6); ou: “Melhor é morar no canto do telhado do que com uma mulher briguenta na mesma casa.” (Provérbios 21.9) Claro que vale o mesmo ao contrário! Ou: “Uns se dizem ricos sem terem nada; outros se dizem pobres, tendo muita riqueza.” (Provérbios 13.7). Ou ainda: “Ensine a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele.” (Provérbios 22.6). Não é difícil decorar essas palavras, pois além de simples, possuem uma lógica interna muito eficaz e que ajuda na hora da memorização. A gente ouve e a gente quase automaticamente já decora!

Assim, o livro de Provérbios tem como função ensinar a sabedoria. Sua função não é passar conhecimentos teóricos, mas práticos. A sabedoria de provérbios é uma sabedoria com pé-no-chão: parte da própria realidade da vida em direção à vida daqueles que leem essas palavras. Não é um conhecimento distante, mas profundamente prático e com verdades que fazem o ser humano pensar! Se a função de Provérbios é ensinar, então o caminho de fazer o leitor pensar é certamente um dos mais eficazes.

Provérbios deseja conduzir seus leitores à sabedoria. Em quase todo o livro há as distinções entre o tolo e o sábio como dois caminhos de vida completamente diferentes entre si – obviamente! Mas quem é o sábio? E quem é o tolo? O reformador alemão Martinho Lutero (1483-1546) responde muito bem a essas perguntas em seu Prefácio aos Provérbios de Salomão:

É da maneira do rei Davi nos Salmos, e especialmente do rei Salomão – pode ter sido a natureza da linguagem na época – dar o nome de tolo não àqueles a quem o mundo chama de tolos, ou que nascem tolos, mas a todos os tipos de pessoas frívolas, desatentas, e principalmente àqueles que vivem sem a palavra de Deus, agindo e falando de acordo com sua própria razão e propósito, embora geralmente, aos olhos do mundo, essas pessoas sejam consideradas as maiores, mais sábias, mais poderosas, mais ricas e mais santas. Por exemplo, no evangelho Paulo chama os gálatas de tolos, Cristo os fariseus, e até mesmo seus próprios discípulos. Portanto, você deve saber que quando Salomão fala de tolos, ele não está falando de pessoas simples ou insignificantes, mas precisamente das pessoas mais importantes do mundo.[4]

 

Ou seja, tolo não é aquele que não tem conhecimento. Lutero nos mostra que a pessoa tola pode ser alguém muito “inteligente”. Tola é aquela pessoa que vive sem a Palavra de Deus, mesmo que aos olhos do mundo seja considerada inteligente ou talvez até poderosa. O mundo as vê como as mais sábias, mais poderosas, mais ricas e mais santas. A sabedoria de Deus, porém, as enxerga como tolas! Os tolos, assim, não são as pessoas simples, mas aquelas consideradas as mais importantes do mundo.

São tolas porque “os planos e esperanças humanas falham constantemente - resultando em algo diferente do que se pretendia”[5]. Assim, “um homem sábio, então, é aquele que se orienta pela palavra e pelas obras de Deus; um tolo é aquele que se orienta presunçosamente por sua própria mente e noções”[6]. Sábio é aquele que antes de tudo cumpre o primeiro mandamento, pois “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, mas os tolos desprezam a sabedoria e o ensino.” (Provérbios 1.7).

Quem mais carece da sabedoria (temor do Senhor) são os jovens. Por isso, o público-alvo do livro de Provérbios são especialmente os jovens: “para dar prudência aos simples e conhecimento e discernimento aos jovens”. (Provérbios 1.4). Portanto, alguém que já passou pela longa experiência da vida está deixando agora a sua sabedoria disponível aos jovens para que aprendam o melhor caminho. Lutero diz que os jovens não serão sábios, “a menos que sejam instruídos na juventude. Este livro, portanto, deve ser impresso cedo nos jovens de todo o mundo e colocado em uso diário e prática”[7].

Amados irmãos, amadas irmãs,

e assim, concluímos a nossa jornada de dois anos por esse livro maravilhoso. Não lembramos de todos os estudos e de todos os versículos, assim como não lembramos todos os pratos de comida que comemos na vida. Assim como a comida nos alimentou – ainda que não lembremos tudo o que foi comido, da mesma forma a Palavra de Deus nos alimentou – ainda que não lembremos de todos os versículos.

Como todos os livros da Bíblia, Provérbios precisa ser lido em seu contexto histórico e em diálogo com os outros livros das Escrituras – especialmente do Novo Testamento. Eclesiastes, por exemplo, faz grandes contrapontos a Provérbios (deixo essa dica a você: leia Eclesiastes agora!).

Assim, concluo fazendo uma lista sobre o que Provérbios nos ensina:

·       O temor ao Senhor é o princípio da Sabedoria (cumprir o primeiro mandamento);

·       A humildade é o caminho do aprendizado;

·       A paciência é necessária, pois aprender dá trabalho;

·       O importante não é decorar, mas viver o que está dito;

·       Provérbios não é o Evangelho, mas está no âmbito da Lei: o livro não nos dá salvação, mas traz orientações para as nossas vidas.

Continuemos lendo e estudando esse livro. Em Provérbios temos ensinamentos sobre:

·       a sabedoria;

·       a justiça;

·       a honestidade;

·       a família;

·       amizades;

·       o trabalho;

·       a generosidade;

·       a compaixão.

 

Portanto, faça desse livro seu amigo, seu professor. Quando precisar de sabedoria para alguma decisão em alguma área da sua vida, recorra ao livro de Provérbios para buscar ajuda e orientação. Os vídeos continuam disponíveis no youtube para serem acessados e revistos quando quiserem.

Que Deus nos abençoe,

amém.


7º DOMINGO APÓS PENTECOSTES – AÇÃO DE GRAÇAS | VERMELHO | CICLO DO TEMPO COMUM | ANO A

09 de Julho de 2023

 


P. William Felipe Zacarias

 


[1] Cf. LYOTARD, Jean-François. Das postmoderne Wissen. 3. ed. Viena; Colônia: Passagen-Verlag, 1994. P. 140-156. apud: WESTPHAL, Euler Renato. O Oitavo Dia: Na Era da Seleção Artificial. São Bento do Sul: União Cristã, 2004. p. 21.

[2] LYOTARD, 1994. p. 156. apud: WESTPHAL, 2004. p. 23.

[3] COSTELLA, Ana Isa dos Reis. A sabedoria e o bem viver. São Leopoldo: Sinodal, 2022. p. 5.

[4] LUTHER, Martin. Preface to the Proverbs of Solomon - 1524. in: BACHMANN, Theodore; LEHMANN, Helmut (ed). Luther's Works. Volume 35,1. Philadelphia: Muhlenberg Press, 1960. p. 261. Disponível em: view=theater>. Acesso em: 14. jul. 2023.

[5] LUTHER, 1960. p. 262.

[6] LUTHER, 1960. p. 262.

[7] LUTHER, 1960. p. 263.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Testamento: Antigo / Livro: Provérbios / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 70818
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Que todo o meu ser louve o Senhor e que eu não esqueça nenhuma de suas bênçãos!
Salmo 103.2
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