Ação limitada...oração realizada - O chamado profético em tempos difíceis - Jeremias 11.18-20

16/09/2015

Ação limitada...oração realizada

O chamado profético em tempos difíceis

 Jeremias 11.18-20

Jeremias não era tudo aquilo que imaginamos. Não estou falando de sua vocação ou de sua conduta, mas do ideal heroico que as pessoas criam em torno da figura dos profetas do Antigo Testamento. Arrisco a dizer, que Jeremias era gente como a gente. Que assim como Jesus, viveu sua humanidade no dia a dia de seu chamado, como servo na Missão de Deus.

O Texto indicado, por exemplo, aponta para a desafiadora tarefa de comunicar a Palavra de Deus para dentro do contexto histórico e vivencial do qual fazemos parte.

A perícope levanta uma pergunta simples e profunda ao mesmo tempo, capaz de nos transportar para dentro de nós mesmos e nos questionar enquanto testemunhas do Reino de Deus:

O que fazer quando não há mais nada para fazer?

Essa é uma pergunta inquietante que Jeremias nos ensina a responder não com teorias, filosofias ou sabedoria humana. Mas, com figuras de linguagem e com oração.

O que fazer quando estou diante do meu próprio limite missionário? Quando ninguém houve mais. Quando meu ministério sofre oposição? Quando a Verdade se torna relativa a partir de interesses pessoais, políticos, econômicos, sociais? O que fazer quando não há mais nada para fazer, enquanto “profeta” de Deus?

 

Como o próprio tema do ano da IECLB nos lembra – somos chamados/as para comunicar enquanto andamos pelo caminho. E é nesse caminho que surgem as perguntas, as provações, bem como a vontade saber quem é o melhor e mais importante, tal como os discípulos de Jesus em Marcos 9.34.

É nesse caminho também que a oposição do mundo se revela contra a mensagem louca da cruz, contra a graça imerecida; nele somos confrontados, muitas vezes, com o sentimento de estarmos sozinhos em nossos dilemas.

Somos confrontados com os nossos limites missionários, ministeriais, evangelísticos, sacerdotais, pastorais, cristão. Limites estes que não nos cabe arriscar ultrapassar, pois trata-se do espaço onde Deus atua com Justiça e Graça. Invadir este espaço pode nos levar a julgamentos precipitados, violência, vingança, justiça com as próprias mãos. Desistir de tudo pode comprometer nosso chamado e a própria mensagem do Evangelho.

Se por um lado nos reconhecemos limitados, frágeis e humanos, por outro, incrivelmente, de algum modo, somos envolvidos/as em nosso chamado, inseridos/as na corrida que nos foi proposta, como testemunhas de Cristo.

Jeremias, como uma “sobra messiânica”, nos ensina o caminho da resistência diante da oposição e da confiança em Deus através da oração.
Como bem diria o Teólogo Claus Westermann e seu livro Fundamentos da Teologia do Antigo Testamento (AT), “a condição de sofredores dos profetas do AT, apontam diretamente para a pessoa do Cristo”.

E de fato, como reconhece o jornalista e pastor Antônio Carlos Ribeiro, “Jeremias é um caso paradigmático a provocar profunda reflexão, especialmente em espaços sagrados, vestidos de imagens religiosas, com vitrais visibilizando a história da salvação”.

Isso porque Jeremias não temeu olhar para a própria humanidade. Ele vivenciou na pele aquilo que mais tarde o messias vivenciaria. Ele percebeu a trama sendo arquitetada por aqueles que foram confrontados com a verdade, sentiu a amargura da traição, viveu a paixão de resistir até o fim em nome de Deus, e preferiu o sofrimento e a solidão do que a glória e a aceitação.
Jeremias,” resistiu.

Observando o contexto maior, vemos que Jeremias resistiu por mais de 40 anos em seu chamado. Ele viu Jeoaquim ser aclamado rei e ao passo que viu a perda de vigor das Reformas religiosas e sociais de seu antecessor, o Rei Josias.

Ele conheceu a ambição humana através da opressão dos governantes sobre o povo e dos acordos políticos duvidosos. Presenciou a decadência moral de uma “nação santa” e viu suas profecias sendo rasgadas e queimadas. Por fim, precisou revelar a ira de Deus sobre aqueles que depositam sua confiança no templo e nas muralhas de Jerusalém, ao invés de confiarem em Javé e sua aliança.

De fato, Jeremias pensou em desistir.

Mas, não o fez.

Pensou em se vingar de seus inimigos

Mas, não o fez.

Suportou rebeldia, oposição, perseguição.

Jeremias, o “profeta chorão”, ao reconhecer os limites de suas ações e a fragilidade de seu ministério, deixou sua causa nas mãos daquele que é Senhor sobre a morte e sobre a vida.

Jeremias, o “profeta relutante”, no final, deixou Deus ser Deus.

E a pergunta continua martelando....

O que fazer quando não há mais nada para fazer?

O que fazer quando não há mais nada para fazer?

Qualquer um que viesse questionar as injustiças, o abuso de poder, a maldade humana, a teologia da segurança, deveria ser cortado fora com seus frutos.

Qualquer um que viesse questionar as estruturas religiosas, a falta de amor, a teologia da prosperidade, da retribuição e do merecimento, deveria ser levado como cordeiro para o matadouro.

É assim que Jeremias se sente.

É nesse contexto de solidão, oposição e relutância que o nosso texto ressoa.

É nesse contexto de desistir da caminhada, de fugir da realidade e se esconder nas montanhas, que Jeremias se firma em seu chamado e ora.

É nesse contexto da possibilidade de agir com as próprias mãos, de ser um justiceiro da fé, de convocar os mais importantes para a guerra, que Jeremias se silencia e ora.

É nesse contexto de cruz, do qual Jesus conversou pelo caminho com seus discípulos, que somos lembrados de que Deus é Senhor da vida e da morte e cabe a Ele julgar, não a partir de nossos critérios de justiça e merecimento, mas a partir da justiça alicerçada na aliança de Deus com seu povo.

Afinal, o que mais Jeremias poderia fazer?

Enfiar goela a baixo a Palavra de Deus?

Pegar em armas?

Desistir?

Jeremias decide orar e entregar nas mãos de Deus o que ele não poderia fazer.

Afinal, o que mais Jesus poderia fazer?

Jogar-se do pináculo?

Cortar as orelhas de todos os soldados?

Desistir?

Jesus decide orar e beber o cálice da ira de Deus em favor de nós, mesmo sendo ainda pecadores.

Você consegue perceber a relação?

Você consegue compreender a Justiça e a Graça de Deus?

Para os que trilham seus próprios CAMINHOS, constroem suas próprias VERDADES e buscam em si mesmos o sentido da VIDA, nem Jeremias, nem Cristo e nem a mensagem do evangelho farão sentido, mesmo tendo Jeremias apontado para Aquele que viria ao mundo para ser o Caminho a Verdade e a Vida.

Por isso, a oração de Jeremias é a oração do angustiado, do revoltado, daquele que pede, se possível para passar o cálice da vocação, mas que ao mesmo tempo resiste por saber que há esperança no Deus Justo e Gracioso.

Sim, Deus não deixa de ser Justo por causa de sua maravilhosa Graça revelada em seu Filho. De igual modo, Ele não deixa de ser Gracioso por causa de sua Justiça cumprida em seu Filho.

Sim tal Justiça e Graça nós conhecemos, pois Cristo a manifestou ao mundo, revelando quem de fato é esse Deus de ALIANÇA, que chamou profetas e continua chamando homens e mulheres para serem comunicadores do seu Reino, de sua mensagem.

Entretanto, esse chamado não nos faz mais importantes.

Na verdade, esse chamado nos questiona todos os dias, sobre o que estamos conversando pelo caminho.

Esse chamado nos coloca a serviço do Reino, ele insere crianças entre nós e nos faz perceber nossos limites (Cf Marcos 9.36-37)

 

Jeremias foi um ministro da Palavra, que era diante de Deus.

Não desistiu por causa disso

Também não ousou ir além de sua missão.

Diante de suas ações limitadas, Jeremias fez da oração sua aliada.

Seu ministério, visto como sombra daquilo que mais tarde Jesus revelaria, nos ensina 2 coisas

• Ali onde somos levados a desistir da caminhada, a oração nos faz resistir na jornada.

• Ali onde somos levados a lutar por vingança, a oração nos faz ver o mundo com os olhos de uma criança.

Que assim possamos servir a Deus em nossa Igreja, levando conosco a mensagem da Lei e do Evangelho interpoladas.

Que possamos deixar nas mãos do Trino Deus o julgamento de todas as coisas e ao mesmo tempo chegar a ele e clamar Kyrie eleison, sabendo que sua misericórdia, seu amor e sua Graça se tornaram visíveis em Cristo Jesus, em sua morte e ressurreição.

Este sim, nos dá a certeza de que no Reino de Deus não há maiores e menores, mais importantes e menos importantes, mas sim, pecadores justificados pela graça, mediante a fé no Filho de Deus.

E é aqui que todos nós nos encontramos. Seja agindo ou orando, somos chamados/as para sermos Jeremias em nosso tempo.

Amém.
 


Autor(a): Marcus Ziemann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Área: Ministério / Nível: Ministério com Ordenação
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 34995
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