A TV nossa de cada dia
• Attilio I. Hartmann •
Poxa, eu queria começar com algo assim... forte, envolvente, chamativo como comercial ou programa ou noticiário de televisão, que você olha e acompanha e não consegue desgrudar enquanto não termina. Sim, porque uma das características deste nosso tempo de fim/começo de milênio é exatamente esta: para que uma mensagem ¨passe¨ e ¨chegue¨, ela tem que ser forte, chocante, impactante, com suspense, tipo míssil da OTAN made in USA, que a gente sabe donde sai, mas não sabe onde vai bater, o que vai destruir ou a quem vai matar! Mas se cria o suspense, e o suspense vende. Assim como se criou o suspense de fim de século, fim de milênio. Fim de mundo?! Bom, se você está lendo, agora, este meu artigo, é porque a coisa/Terra/Mundo ainda não acabou, certo?! Pelo menos, não deu na TV..
Para entrar mais no nosso tema, vou citar um pensamento antigo, muito antigo, da idade de um certo filósofo chamado Aristóteles, que num de seus imensos tratados (de Anima) dizia, em latim ou grego, idiomas que ele dominava e que traduzo mais ou menos livremente: ¨Aquilo que é recebido é recebido conforme o recipiente¨ (Quidquid accipitur ad modum recipientis accipitur). Aí você pergunta: ¨E o que é que tem a ver o Aristóteles com as calças?!¨ Devagar que eu chego lá.
Há muita gente boa por aí que acha, pensa e diz que a televisão é o mal do século, invenção do diabo, separadora de casais e destruidora da família, culpada pela violência e por neuroses individuais e coletivas. E para comprovar a culpabilidade da TV, batem o martelo e mostram estatísticas: uma criança de oito anos já viu na televisão tantos e tantos milhares de assaltos, de assassinatos, de estupros, de sexo explícito, de cenas racistas, de corrupções oficiais. E muitos incluem nessa sistemática violência virtual tantas horas de música rock, tantos discursos de presidentes e deputados, tantas lutas de box ou ¨jogos¨ de futebol, tantos programas ¨religiosos¨, tantos acidentes de trânsito, tantos quilômetros de filas por um emprego de salário-mínimo.
Total inocência
Pois, se você é dos que assinam a culpabilidade da televisão em todas as tragédias da vida moderna e das relações entre as pessoas, desculpe, mas a televisão é absolutamente inocente daquilo que a acusam: ela é um meio de comunicação como outro qualquer (o rádio, o jornal, o telefone, a informática em geral), apenas mais envolvente e impactante porque é audiovisual, quer dizer, ¨entra¨ pelos nossos dois principais sentidos: a vista e o ouvido. E um outro ¨sentido¨, este não tão óbvio ou explícito. Falo do ¨endeusamento¨ que muitos fazem deste meio, da ¨sacralização¨ da televisão. Aí, sim, a coisa complica: quando a televisão é transformada num mito, ela perde a sua objetividade como meio de comunicação e passa a ser adorada, divinizando tudo e todos que ali aparecem. ¨Não fareis deuses falsos¨, adverte o texto bíblico.
Dizem alguns espirituosos mecânicos que o problema de muitos carros é a ¨pecinha atrás do volante¨. Com a televisão se dá algo semelhante: o problema — ou a solução — é, geralmente, a ¨pecinha¨ sentada diante do televisor. Em outras palavras: a televisão, como o carro, é uma magnífica invenção da capacidade criadora do ser humano; o problema é o uso que se faz dela.
E aqui voltamos ao nosso querido Aristóteles e à sua paradigmática frase: quando a ¨pecinha¨ sentada diante do televisor se liberta deste ¨endeusamento do meio¨ e recebe tranquila e objetivamente as mensagens, ela ou ele faz automaticamente a devida leitura critica destas mensagens e as utiliza de acordo com a serventia que elas têm para o seu agir e viver cotidiano. Em palavras ainda mais claras e abrangentes: a televisão é o que o telespectador faz dela.
Mas, e os donos dos canais, das grandes empresas de comunicação... eles não têm culpa/mérito pelo conteúdo e pela qualidade dos programas que são passados?! Não deveria haver uma censura oficial da programação de nossos canais de comunicação?
Sem censura
Pessoalmente, é evidente que sou contrário à censura que vem de cima. Por uma razão muito simples: sempre será uma cabeça ou algumas cabeças que vão dizer: ¨isso pode, isso não pode¨. Para mim, o conteúdo e a qualidade dos programas de televisão estão na proporção direta do maior ou menor consumo que o telespectador faz desses programas. A ¨censura¨ ou o ¨controle¨ está na outra ponta, na ¨pecinha consumidora¨ dos produtos televisivos. Se o telespectador deixar de consumir determinado produto, ele sai do ar, ligeirinho. Mas enquanto houver consumidor das chanchadas televisivas, de ¨ratinhos¨, ¨leões¨, ¨tiazinhas¨ e outros/as menos votados/as, elas, as chanchadas, continuarão aí pra brasileiro babaca ver. E babar...
Finalmente, a juventude que todos queremos é sempre menos uma questão de idade e sempre mais uma questão de convivência com o diferente, com o novo. O mundo do novo milênio será daqueles que forem capazes de acolher em suas vidas, criativa e participativamente, em velocidades cada dia mais assombrosamente rápidas, novas informações, novas mentalidades, novos direcionamentos, novas disposições legais, novas ocupações profissionais, novas descobertas científicas, novas formas de manifestação religiosa, novas expressões culturais. E entre estas novas expressões realmente brasileira, culturalmente identificada com nossa realidade. Mas repito e enfatizo: seremos nós, cada um de nós, que faremos dos meios de comunicação em geral, da televisão, em particular, aquilo que queremos para nós, para nossas famílias, para nossas comunidades, para nosso Brasil. Falei e assino em cima...
O autor é presidente da União Cristã Brasileira de Comunicação e reside em São Leopoldo, RS
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