A tentação - Gênesis 3.1-13

Prédica

20/02/1972

A TENTAÇÃO

Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do Jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu, e deu também ao marido, e ele comeu. Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira, e fizeram cintas para si. Quando ouviram a voz do SENHOR Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do SENHOR Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do Jardim. E chamou o SENHOR Deus ao homem, e lhe perguntou: Onde estás? Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo e me escondi. Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses? Então disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela deu da árvore, e eu comi. Disse o SENHOR Deus à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. - (Gênesis 3.1-13)


A história que acabamos de ler: descrição de fenômeno (acontecimento) humano. Enquanto existirem pessoas neste mundo, essa história vai se repetir continuamente. Porque é uma história que fala de culpa e castigo. Todos os homens falham ,erram, praticam o mal. E todos os homens colhem as consequências, os resultados do mal praticado. Se a gente quisesse dizer em poucas palavras o assunto da história que acabamos de ouvir, podia-se resumir da seguinte maneira: assim são as pessoas! Todas as pessoas!

E por que as pessoas erram, falham, fracassam? Por que é que aquele sujeito teve de fazer uma coisa dessas? Por que é que eu sou assim? Não só na minha função de pastor, mas especialmente nestes nove anos de pastorado, eu tenho tentado compreender as histórias de muitas vidas humanas. Algumas dessas histórias são verdadeiramente espantosas. No fundo, sempre a mesma roda viva: se não é o dinheiro, é o sexo; se não é sexo, é a língua que não pode parar: se não é a língua é qualquer vício. Mas voltando atrás no tempo e na recordação, ninguém queria causar prejuízo ao bolso do outro; ninguém queria mudar de cama e de casa; ninguém queria manchar a honra alheia; ninguém queria se tornar um escravo de ninguém nem de nenhuma coisa.

E se ninguém queria, como é que aconteceu? Aconteceu e acontece, minha gente, porque a vida é diferente das novelas de TV. O capeta nunca aparece na frente da gente, com rabo e chifres, dizendo :Como é que é, meu? Seja homem! 

Na vida, em geral, tudo começa com uma conversa macia, e simpática. Por exemplo: Mas, meu amigo, nós só o estamos convidando para uma reunião de oração. É claro que você não precisa deixar sua igreja. Nós estamos desejando que você enriqueça sua vida espiritual. Você vai ter grandes bênçãos. Venha ouvir os testemunhos inspiradores do missionário. Venha contar sua experiência com Cristo, — Todos devem reparar, no texto do Evangelho que o tentador só usa versículos bíblicos, para passar a conversa em Jesus. — Nenhuma tentação da vida é grossa, direta, boçal. Pelo contrário: a primeira máscara da tentação sempre é religiosa. 

Ou então o papo é lógico: Vamos pensar com calma, rapaz, afinal você é inteligente. O seu corpo é seu, você tem corpo é para usar; não vai deixar enferrujar, né mesmo? Quando seu sangue começa a esquentar nas veias, quem é que botou esse sangue em você, heim, heim? Não foi Deus? É uma coisa muito natural! Que é que você está esperando? 

Pois é: E quem é que não embarca num papo desses? Vejam e recordem estas frases: O pessoal que vai à igreja não é melhor que os outros, bem pelo contrário — Eu rezo em casa e Deus também está perto de mim — Eu acredito em Deus, respeito todas as crenças, acho que todas as religiões são boas — Aquela senhora muito simples, mas muito cem por cento, faz tudo em nome de Deus; quando ela me benzeu até falou em Jesus — Pois é. consultei mais de cinco médicos e nenhum me curou; fui duas vezes lá na dona Coisa e tal — sãozinho! — E por acaso Deus quer que a gente só pense nos outros? Deus também quer que a gente cuide um pouco de si, uai. Nós todos conhecemos esse tipo de conversa. É conversa fiada até o momento em que toca num ponto fraco da gente. A tentação nunca procura acabar com tudo de uma vez. A tentação sempre se fixa naquela uma fruta daquela uma árvore proibida.

E quando alguém pensa: Ora, uma vez só — só aquele tiquinho — começa a roda viva. 

Todos nós temos lugar para Deus em nossas vidas. Nós até é gostamos, em geral, de ver Deus, passeando no terreno de nossas vidas. Mas lá atrás de algum verde, sempre tem alguma. coisa escondida, só uma. E lá, naquele ponto, nós não queremos Deus. Deus pode exigir tudo de nós — menos aquilo.

Sim, e se aquilo fosse uma questão de vida ou morte? Se justamente aquilo pudesse arruinar minha vida ou a vida de outros? Afinal, com fogo não se brinca! É perigoso abusar de Deus! Mas para isso a tentação também tem resposta: Você leva as coisas muito a sério. Desse jeito você vai arruinar seu fígado! Vai pegar úlcera no estômago! Vamos lá, deixa de biscoito... Ninguém morre assim no mais! Tem tanta gente que ainda nem conhece o cavanhaque do pastor — e continuam vivendo por aí. 

E tem mais: Se Deus não permite mais nada de bom, nesta vida, então Deus também não pode ser bom! — Os irmãos percebem: Quando a dúvida se instala na gente, todo o resto e uma questão de tempo. E então alguém morre, depois de uma longa e cruel enfermidade. E alguém pergunta no velório: Se Deus é bom, como é que ele pôde permitir uma coisa dessas?

A dúvida é a segunda máscara da tentação. Porque a dúvida destrói a confiança. Quando alguém começa a levantar, a semear, a espalhar dúvidas, está matando a confiança. Por isso é que a Bíblia diz que a difamação é o mesmo que um assassinato. Tudo começa com um cochicho. Um Pequeno gesto. uma fruta só. Uma coisinha de nada. 

Sim, no começo era uma coisinha de nada. No fim, de repente, vem a, hora da vergonha e do medo. No começo, a gente achava que tinha o direito de fazer e deixar de fazer. No fim, de repente, a gente só pode ainda se esconder. A gente nota que está nu. Nu e descoberto, diante de Deus e diante dos outros. E sempre chega o momento da verdade, nesta vida. Aquele momento em que não adianta mais tentar tapar o sol com a peneira. 

Não adianta? Mas a gente pelo menos tenta. É uma técnica bem conhecida: a gente empurra a culpa pra cima dos outros. Na hora, do erro, do pecado, nós nunca queremos estar sozinhos. Nós procuramos cúmplices. A maldade precisa se espalhar, como erva daninha, como doença contagiosa, como o mau cheiro da coisa podre. Mas quando a bomba explode, quando começa o salve-se quem puder, um atira a batata quente pra cima do outro. 

E quando todos escapam, resta uma última acusação: A desgraça toda começou com esta mulher. E quem é que colocou esta mulher no meu caminho, na minha vida? Não foste tu, Deus? A história toda começou com aquela tentação, com aquela uma fraqueza. E quem é que me fez assim? Não foste tu, Deus?

O último jogo de empurra, em nossa vida, sempre acaba assim: Deus é o culpado. Deus tem de ser o culpado. Nós sempre queremos ser os pobres inocentes. As vítimas. 

Os irmãos notam; a história de Gênesis, cap. 3 não é só uma história besta e conhecida, de Adão e Eva, e a cobra e a maçã. No fundo; é a história da vida de todos nós. É a história de nossa vida aqui (em Juiz de Fora). 

Ainda precisamos perguntar por quê? 

(Juiz de Fora — 20-2-72)

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[Prédica publicada também em: Irreverência, compromisso e liberdade. O testemunho ecumênico do pastor Breno Arno Schumann (1939-1973). Escola Superior de Teologia e Koinonia. Presença Ecumênica e Serviço, 2004,p. 96-100.]


Autor(a): Breno Arno Schumann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Juiz de Fora (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Gênesis / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Esperança - Centro Ecumênico de Informações / Editora: Tempo e Presença Editora Ltda. / Ano: 1974 / Volume: Suplemento Número 7
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 22287
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