A mulher tem que ser pérola

01/04/2014

Como é ser mulher na política? É preciso ser joia rara. É preciso ser pérola. A pérola é fruto do desconforto de uma ostra. Um dos tantos livros de Rubem Alves tem como título: Ostra feliz não produz pérola.

Para fazer pérola, a ostra tem de ter um grão de areia lá no seu meio, incomodando. Ela sofre, vai secretar, secretar ... uma coisa que vai virar pérola. A pérola, portanto, é fruto de uma ação cotidiana que transformador (desafio) em joia.

Assim é ser mulher na política, é aprender a arte de secretar e transformar em pérola a dor de enfrentar um universo que, para a mulher, é estranho. Sim, as poucas mulheres na política precisam, estranhamente, fazer política com sabedoria, sendo muito mais exigidas, embora tendo a seu favor a histórica capacidade as mulheres de fazer da vida a arte de inventar e superar.

Estranho, por tratar-se de um universo em que o contingente masculino é preponderante e numericamente superior. E é claro que esta realidade não é indicação da falta de capacidade política das mulheres. Nós temos potencial e condições de exercer qualquer atividade, não só a política. Trata-se de uma questão cultural, já que as mulheres foram, por muitos anos, impedidas de participar da vida política e econômica do País, demorando inclusive a ter direito a voto. É um retrato histórico sociológico do Brasil. A timidez das mulheres era participarem dos pleitos eleitorais é fruto de uma longa história e também de uma gama de atribuições que nos foram delegadas como tarefas femininas. Aliás, talvez a política seja o último lugar ao qual estamos chegando!

Quando surgiu minha candidatura a prefeita, ouvi muitos questionamentos de adversários e de parceiros. Mas o que mais ouvi foi: 'Será que a muié vai dá conta?. Com certeza, tal questionamento não seria dirigido a um homem. A credibilidade para apostar o voto numa mulher ainda é um desafio.

De fato, além da questão cultural já mencionada, para ser mulher na política é preciso dar conta de muitas coisas. Apesar de. todos os avanços sociais ainda nos cabe, entre tantas tarefas, a função de domésticas, guardadoras do lar, zeladoras do esposo, cuidadoras da família, mães ... Eu agrego a tais atividades domésticas ainda as funções profissionais de professora, micro empresária, palestrante como pastora licenciada da IECLB, prefeita e, nas horas de folga, sitiante. Coisas que fazem parte da minha vida de prefeita e mulher.

Ser mulher na política é ter a capacidade de administrar os diferentes universos que nos são colocados como desafios. O maior desafio é o aprendizado e a disponibilidade de entendimento desse universo não-doméstico e tradicionalmente desempenhado por homens. É vislumbrar o universo macro e, sobre ele, colocar essa diferente perspectiva de visão, forma e voz. Com certeza não será igual ao jeito masculino de administrar, e isso pode causar estranheza e desconfortos.

Transformar grãos de areia em pérola é tarefa grandiosa, desafiadora, meio doída e que exige muita paciência. Mas, o resultado vale a pena. Ainda que a jornada de trabalho adentre noites ou inicie nas madrugadas, vale romper barreiras e vencer paradigmas.

Saber dizer sim e não. Ter a coragem de implantar modos mais silenciosos e mesmo assim às vezes impor-se com dureza, Resistir aos modelos implantados. Ter capacidade de lidar com os novos tempos, que exigem criatividade, cortes e decisões firmes. Fazer como em qualquer família: trabalhar com limites, escolher prioridades, deixar certas coisas para depois, sentir a dor por não conseguir fazer tudo, aguentar a intolerância de posições desconectadas da comunidade; ouvir críticas e saber diferenciar o que é justo do que vem temperado com a malidiscência e ir adiante!

Ousadia, criatividade, paciência e disponibilidade são ingredientes imprescindíveis para essa missão de ser mulher na política, mas o desafio maior é a missão divina que nos acompanha nesta tarefa. Sou desafiada pela vocação das sagradas escrituras: E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm 12.2). É assim que eu venho cruzando fronteiras, rompendo barreiras pra poder chegar. Meio joia rara, meio pérola, mas acima de tudo mulher.

Sisi Blind é pastora da IECLB e prefeita de São Cristóvão do Sul/SC

Publicado na coluna “Concorda comigo?”
 


Autor(a): Sisi Blind
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense
Área: Missão / Nível: Missão - Mulheres
Área: Missão / Nível: Missão - Sociedade
Título da publicação: Jornal O Caminho / Ano: 2014 / Volume: abr/2014
Natureza do Texto: Artigo
ID: 27615
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