Quando a saúde financeira vai mal, o remédio aplicado, de imediato, é o corte. A prática dos cortes acontece, há muito tempo, nas ações governamentais. Razões, com certeza, existem muitas; não cabe demonstrá-las neste espaço. Verdade é que uma administração austera e prudente manifesta atitude responsável, em especial, quando se trata de evitar desperdícios, sobretudo dos recursos públicos e comunitários..
A lógica dos cortes gera descontentamento e decepção. A medida do corte não se refere tão-somente à realidade governamental; ela também afeta outros segmentos da sociedade, como, por exemplo: as famílias, os clubes, as instituições formadoras, escolas, universidades, assim como as igrejas. A aplicação da política dos cortes atinge em cheio as comunidades religiosas, sobretudo, as que dependem das doações voluntárias e que não dispõem do acesso a outras entradas de recursos materiais. Essa realidade tem trazido angústia e incertezas diante do planejamento de investimentos em favor da formação de lideranças comunitárias, da edificação de comunidades e em favor dos investimentos que permitem o engajamento missionário de grupos comunitários.
Austeridade tem se observado, igualmente, no jeito de fazermos teologia e desenvolvermos a prática da piedade. É sabido que enunciados procedentes da ciência e da pesquisa teológica sempre foram considerados complicados, por serem demasiadamente teóricos ou adaptados ao mundo secular. Não poderia ser a exegese bíblica ingênua, que desconsidera a história dos textos e dos contextos e que avalia a Bíblia sendo letra inspirada, por isto imexível, um reflexo da austeridade teológica?
A teologia da comunidade cristã articula a presença reveladora de Deus. Ela faz essa articulação observando a doutrina da Trindade. Vale a confissão monoteísta em Deus único que se manifesta como criador, salvador e santificador. Observamos na história da piedade que o conceito teológico da Trindade é passível de críticas por ser um desperdício teológico. A presença reveladora de Deus de uma só maneira não seria o bastante? Trindade, por quê? Não deveríamos aplicar a lei do corte? E como se não bastasse, aceitar Jesus Cristo, a presença de Deus manifestada em pessoa humana, sempre foi uma tarefa complicada! Em razão de seu tipo de vida e da pregação utópica do Reino de Deus, que benefícios pessoais Jesus teve? Nenhum.
Aos olhos da razão humana, Jesus fracassou. Suas idéias não tiveram maior aceitação, a estratégia aplicada por Jesus, a sua vivência humilde, caracterizada pela renúncia e pela solidariedade, em especial com as pessoas marginalizadas, não logrou muito êxito. Pelo contrário, foi motivo de irritação, razão para a crucificação! A pessoa do Espírito Santo que, sopra onde ele quer, também não possui tamanha força para provocar convencimento, a não ser nos entusiastas rotulados de carismáticos. De acordo com a lógica da austeridade teológica, quem sobra mesmo é o Deus todo-poderoso, onisciente e forte. É Senhor que fala e as coisas acontecem! Neste Deus, revestido de glória e de força, Senhor que satisfaz os desejos e os sonhos humanos, é viável aplicar os investimentos religiosos. É dele que os humanos aguardam recompensa em forma de bênção como benefício particular.
Aliás, a fraqueza e a humanidade de Deus, a sua oferta de paz e de misericórdia ainda não promoveram o desaparecimento da violência e o fim das estruturas hierárquicas que dominam a comunidade humana, também a religiosa. Neste Deus-força, Senhor que não decepciona, investem, prioritariamente, os que colocam a lei acima do espírito da fraternidade e, por isto, se consideram donos da verdade, ontem e hoje também. Ao ser humano insatisfeito com suas próprias fraquezas e limites, interessa um Deus forte, cúmplice de seus propósitos, na realidade, projeção humana e é moldado, aos desejos humanos. Este, porém, não é o Deus manifestado em Jesus Cristo, e presente no mundo, através do Espírito do Amor. O projeto da vida nova continua inacabado e na espera. Jesus Cristo é totalmente diferente das projeções humanas! Aplicar a lógica dos cortes aos valores que Ele viveu, é tolice!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal ANotícia - 13/02/2004