Apresentação
Segundo a Constituição da IECLB, Artigo 36, I e V, cabe à Presidência zelar pela unidade e identidade confessional da Igreja, tarefa para a qual convoca e preside reuniões com os pastores sinodais e presidentes dos conselhos sinodais. Nesse sentido, conforme cronograma para o presente ano, realizou-se, nos dias 10–14/03/1999, em São Leopoldo/RS, um encontro entre a Presidência e os pastores sinodais.
A partir de uma análise da realidade atual marcada, entre outros, por um contexto multi-religioso, perguntou-se por nossa identidade confessional e nossa contribuição específica na busca e na promoção de vida mais digna e justa.
Com o objetivo de ajudar a clarear nosso testemunho evangélico de confissão luterana, compartilhamos, a pedido dos pastores sinodais, por meio do presente caderno, o que o referido encontro definiu e propôs.
Colocamos este material à disposição dos sínodos, das instituições, dos departamentos e dos setores de trabalho, das obreiras e dos obreiros e das lideranças comunitárias e paróquias da IECLB.
Esperamos que este caderno seja o primeiro de uma série orientadora e norteadora, para a tarefa missionária da IECLB. Rogamos a Deus que ele nos ajude a crescermos numa clara consciência da própria identidade confessional, para a contribuição significativa no contexto ecumênico em níveis local, nacional e internacional.
1. Aspectos da realidade atual
Querendo traçar um caminho para a frente, é preciso conscientizarmo-nos da realidade em que vivemos. Isso pressupõe considerar nossa origem, o contexto (sócio-econômico, cultural e religioso) e tendências ou metas que o contexto está indicando. Não temos a pretensão de fazer uma análise exaustiva e completa do momento atual. Contudo, o evangelho do trino Deus, o Senhor que liberta e caminha com seu povo e com ele faz história, nos obriga a enfocar alguns aspectos determinantes da história passada e presente. Somente assim vislumbraremos o rumo para o amanhã e poderemos dar, confiante e conscientemente, passos ao mesmo tempo ponderados e arrojados para o futuro.
1.1 - Embora saibamos que um certo número de evangélicos veio ao Brasil ainda no tempo do Império, particularmente da Suíça, sendo eles de confissão reformada calvinista, a grande maioria de nossos antepassados emigrou de diferentes regiões da Alemanha para o Brasil a partir de 1824, sendo majoritariamente luteranos. Sentiram-se atraídos, pela monarquia brasileira, por motivos políticos, econômicos e sociais. Foram desiludidos face a muitas promessas feitas mas não cumpridas. A cultura alemã, vivenciada em escola e clube, e a fé evangélica, baseada no Catecismo Menor de Martim Lutero, hinário, livro de orações e Bíblia, praticada em culto e ofícios, contribuíram decisivamente para que sobrevivessem em terra estranha e, até certo ponto, hostil.
A liberdade religiosa, limitada a princípio, foi concedida plenamente apenas após a proclamação da República em 1889, o que certamente contribuiu para o necessário processo da integração no contexto brasileiro. Esse processo recebeu outros fortes impulsos durante as duas guerras mundiais, com a proibição do idioma alemão, as discriminações e, mesmo, perseguições que colocavam em xeque a identidade eclesial das comunidades. Tornou-se imperioso que as comunidades da futura IECLB voltassem sua visão definitivamente da pátria-mãe dos antepassados de seus membros para a nova pátria brasileira.
1.2 - Desde o início, os evangélicos, que aos poucos foram definindo sua identidade como sendo de confissão luterana, reconheceram a necessidade de viver em comunhão, tanto em clube quanto em comunidade. Comunidades uniram-se em paróquias, e estas formaram sínodos.
Os sínodos criaram a Federação Sinodal em 26 de outubro de 1949, data que deve ser considerada de fato como constitutiva da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A Federação Sinodal de pronto estabeleceu a base confessional luterana. Muito logo ela veio a afiliar-se como Igreja à Federação Luterana Mundial (FLM) e ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Em 1954, acrescentou-se ao nome de Federação Sinodal o atual de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Finalmente, a união eclesiástica se formalizou em 1968, com a extinção dos sínodos existentes até então. A IECLB passou a estruturar-se em comunidades, paróquias, distritos e regiões.
Ao longo de quase 30 anos, essa estrutura serviu para fomentar a consciência de uma só Igreja em território nacional. Sua maior expressão numérica, contudo, permaneceu no sul, embora se deva registrar que o acompanhamento da Igreja a seus membros migrantes tivesse levado à formação de comunidades em grande dispersão por todo o território brasileiro.
1.3 – Destacam-se outras marcas decisivas na continuidade do processo de integração. Desde o “Manifesto de Curitiba”, em 1970, a Igreja passou a perceber com maior clareza a importância do contexto social e político, com vistas à sua missão. No tempo da ditadura agravou-se o desnível social. O êxodo rural e o galopante processo de urbanização provocaram uma acentuada expansão dos cinturões de miséria em torno dos centros urbanos. Grande número dos membros de nossas comunidades, até então pertencentes à classe média, começaram a empobrecer. Com o fim da ditadura e a volta ao estado democrático, deu-se também início ao processo de globalização, acompanhado do influxo e dos efeitos da informática.
Após a euforia inicial com a abertura de fronteiras e a aparente aproximação de pessoas e nações, começamos a perceber que a globalização, por enquanto, favorece apenas uma minoria, mas isola e marginaliza um número crescente de pessoas e povos. Ainda que o acesso a bens de consumo, em particular os industrializados, tenha sido facilitado, há um evidente deterioramento de todos os serviços sociais, como na educação, na saúde e na previdência. Embora a inflação tenha sido controlada, aumentaram a recessão, o desemprego, o endividamento interno e externo. Os mecanismos das relações de dependência se tornaram mais complexos e eficazes e a exclusão social é evidente.
1.4 - A teologia da libertação ajudou nossa Igreja a ensaiar a leitura contextualizada da Bíblia e a envolver-se com a causa da reforma agrária e os movimentos sociais. O Movimento Encontrão contribuiu para o avivamento de muitas comunidades, em particular dos leigos, e para que comunidades encontrassem, na leitura da Bíblia, na oração e nas reuniões, uma espiritualidade de cunho evangelical. O Catecumenato Permanente (Concílio Geral, Cachoeira do Sul, 1974), embora não tivesse uma continuidade direta nos programas da IECLB, contribuiu para criar em seu meio maior consciência do “sacerdócio geral de todos os crentes”. Tudo isso redundou em diferentes iniciativas de formação de líderes para todas as áreas de atividades comunitárias.
Tanto a teologia evangelical quanto a teologia da libertação levaram a IECLB a um maior envolvimento ecumênico e fizeram-na reler sua tradição luterana. Na busca de sua identidade e sua contribuição específica, perguntou-se pelo lugar da confessionalidade luterana no contexto latino-americano. Assim, aprofundando seu compromisso ecumênico, já expresso pela filiação à FLM e ao CMI, a IECLB participou do processo de formação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI). Também passou a ter participação ativa em outros movimentos e entidades ecumênicas. O movimento Pastoral Popular Luterana procura traduzir a atuação da IECLB e nossa confessionalidade para o nível popular.
Em termos de liturgia estamos percebendo a necessidade de encontrar formas que preservem a universalidade e expressem a contextualidade. Na formação da identidade de obreiros e obreiras estamos, pela primeira vez, em condições de atender a demanda de nossas paróquias, sem necessidade de apelarmos para a vinda de obreiros estrangeiros do hemisfério Norte. Pelo contrário, estamos hoje ensaiando formas de intercâmbio de recursos humanos com igrejas-irmãs do hemisfério norte. O Ministério Compartilhado contribuiu, decisivamente, para a criação da nova Constituição da IECLB; ela procura superar o que se convencionou chamar de “pastorcentrismo” e a centralização de poderes, criando uma forte representação leiga em todos os níveis e delegando poderes de decisão às bases, ou seja, às comunidades, paróquias e sínodos.
Segundo a nova Constituição, Artigo 36, incisos I e V, cabe à Presidência, entre outras tarefas, zelar pela unidade e identidade confessional da Igreja; para desincumbir-se dessa tarefa convoca e preside reuniões com os pastores sinodais e presidentes sinodais. A segunda reunião, realizada nos dias 10-14/03/1999, em São Leopoldo/ RS, esteve centrada no estudo de temas eclesiológicos, enfocando aspectos da realidade atual, com vistas a nosso ser Igreja no novo milênio. Transcrevemos neste caderno os principais assuntos tratados, resoluções e definições.
1.5 – À luz das facetas da realidade enfocadas, constatou-se que as Igrejas tradicionais parecem estar perdendo pessoas e lugar para novos movimentos religiosos de cunho pentecostal, sejam autóctones ou de proveniência norte-americana, mas também para a religiosidade oriental. Movimentos carismáticos procuram renovar as Igrejas tradicionais. Teologias do sucesso, da felicidade e da prosperidade encontram um campo fértil em pessoas excluídas e esquecidas, pessoas sedentas de experiência religiosa diferente e pessoas desinformadas sobre o testemunho bíblico e confessional.
Numa apreciação crítica, podemos observar que muitos desses movimentos, em particular os chamados neopentecostais, não parecem visar a criação de comunidade, mas apenas atender a necessidades imediatas de pessoas, seja em termos de saúde e emprego, seja de afeto e experiência religiosa. Assim, registram-se números fantásticos de pessoas que entram nos salões alugados para cultos. Contudo, não se fica sabendo quantas pessoas saem pelas portas dos fundos desses movimentos nem quantas acabam desiludidas por expectativas não atendidas. Ainda assim, sua proliferação e sua rápida expansão constituem um sério desafio e, quem sabe, um juízo sobre as deficiências de nossa própria prática eclesial.
Todos esses aspectos evidenciam que vivemos numa época que se caracteriza por uma intensa busca de sentido para a vida, busca do divino e libertação, busca de referências, critérios e valores que dêem direção e substância à vida. Isso tanto em termos pessoais quanto comunitários e para a sociedade como um todo.
Diante dessa realidade perguntamos: O que é Igreja?
2. O que é Igreja?
2.1 - A eclesiologia, a doutrina da Igreja, se ocupa com a compreensão e o significado da Igreja para a vida cristã em todos os níveis. Ela estuda e analisa os diferentes conceitos de Igreja que caracterizam as muitas confissões eclesiásticas da cristandade. Por exemplo: há uma compreensão de Igreja como constituindo uma sólida instituição com sua estrutura, doutrina e práticas bem definidas. Por outro lado, nota-se, igualmente, a erupção de grandes movimentos de espiritualidade que enfatizam acontecimentos especiais, interpretados como manifestação do poder do Espírito Santo.
2.2 - Também na IECLB podemos observar como de fato existente uma variedade de compreensões de Igreja. Por exemplo, ainda é bastante difundida a visão de Igreja como associação ou clube. Nessa compreensão não se pensa tanto numa comunidade voltada para a missão, mas antes numa prestadora de serviços religiosos para seus membros. Há também a tradição daquelas pessoas que têm a mesma herança étnica, cultural e religiosa, concepção que corre o risco de vincular a fé evangélica com costumes e valores culturais, às vezes políticos, de nossos antepassados. Encontramos ainda a compreensão de Igreja como movimento que congrega aquelas pessoas que comungam uma espiritualidade bem específica, definida e particular. Há, por fim, também compreensões místicas, por vezes com matizes quase mágicos, que buscam na Igreja, e em especial nos sacramentos, força e sanidade, recondicionamento e bênção para a vida. É neste contexto altamente diversificado que queremos restaurar e realçar as questões centrais da compreensão luterana de Igreja.
2.3 - O Espírito Santo a cria pela pregação do evangelho e pela administração dos sacramentos. Ele a coloca sob o senhorio de Jesus Cristo, que por nós morreu na cruz, pagando por nós o salário do pecado, que é a morte (Rm 6.23). Base para as afirmações doutrinárias luteranas é somente a Escritura Sagrada do AT e NT. A Confissão de Augsburgo resume isso, quando afirma em seu artigo VII, que a Igreja “é a congregação de todos os crentes, entre os quais o evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de acordo com o evangelho”. (Livro de Concórdia, p. 31)
2.4 - Por sua morte e ressurreição, Jesus Cristo nos reconciliou com Deus e nos oferece gratuitamente a salvação (2 Co 5.14-21). Justificação, salvação e santificação são obra exclusiva de Deus. Por isso, nem justificação, ou seja, salvação, nem santificação são propriedade nossa. Somos pessoas simultaneamente justas e pecadoras. Quando olhamos para nós mesmos, sempre vemos uma pobre pessoa pecadora que depende totalmente da graça de Deus; quando olhamos para Cristo, nos vemos e nos sabemos pessoas justificadas, salvas e santificadas perante Deus, por sua morte expiatória por nós (“pro nobis”). Assim, segundo Lutero, ocorre uma maravilhosa troca: Jesus Cristo assume nosso pecado e nós recebemos a sua justiça, de modo que podemos viver, alegre e gratamente, uma nova vida com Deus. Mesmo assim, após termos experimentado o ponto de apoio e a mão salvadora (“extra nos” = fora de nós), ainda fazemos parte do mundo em que somos tentados pelo campo de força do mal (Rm 7.18ss).
2.5 - Segundo esta doutrina, os membros da Igreja sempre permanecem pecadores. Não têm em si mesmos nenhuma justiça ou mérito que os torne agradáveis e aceitáveis perante Deus. O que nos justifica e torna agradáveis a Deus está fora de nós (“extra nos”), está em Cristo. Somos pessoas justas ou justificadas tão somente porque Cristo nos declara como tais, imputando-nos o mérito de sua morte expiatória. Somos justos no sentido forense, porque por Cristo fomos absolvidos de nossos pecados e libertados da morte e do poder do diabo. Assim, somos pessoas simultaneamente justas e pecadoras. Contudo, não devemos entender isso como porta aberta para a licenciosidade. Pelo contrário, quando em fé acolhemos a justificação, somos nova criatura e portanto também libertos para uma nova vida, caracterizada por gratidão a Deus e serviço ao próximo. Isso tem a seguinte conseqüência eclesiológica: concretamente, passamos a fazer parte da comunhão dos santos através do batismo, pelo qual somos incluídos no corpo de Cristo (Rm 6.4).
2.6 - O batismo é promessa e sinal escatológicos de salvação(*), dádiva que compromete com a fé. A pessoa batizada que não crer é condenada, porque rejeita a promessa de Deus proclamada no batismo(*). Crer significa, pois, viver com Cristo em sua comunidade, servindo-lhe pela prática do amor, no mundo em que vivemos. Já que nessa prática sempre ficaremos devendo a Deus e ao próximo, é igualmente indispensável o retorno diário à penitência, à confissão de pecados, ao amor pelas coisas de Deus e à missão(*). Martim Lutero é categórico ao dizer que “onde não existe ou não se consegue essa fé, de nada nos serve o batismo”.
O batismo acontece em nome do trino Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Dele fazem parte a palavra de lei e evangelho, a água e a comunidade de Cristo. Os elementos constitutivos do batismo são esses, nada menos e nada mais; em caso contrário não se trata de batismo cristão. A fé, por sua vez, acolhe a graça contida no batismo. Portanto, quando alguém foi batizado, por exemplo, com sangue de bode, não se trata de batismo cristão. Se tal pessoa, após o devido aconselhamento poimênico e ensino catequético, rompe com seu passado pagão e solicita o batismo cristão, deverá ser batizada nos moldes acima descritos. Nesse caso, não se trata de rebatismo, mas de batismo cristão, pela primeira e única vez, sinal de ruptura com os ritos de iniciação não-cristãos. Pois o Apóstolo é claro: há um só batismo (Ef 4.5-6).
Se, porém, uma pessoa, batizada sob os critérios cristãos, teve posteriormente envolvimentos que contradizem a fé cristã e reconhece a necessidade de renunciar a tal prática, solicitando por isso a realização de um rebatismo, ela deve ser instruída pela palavra, em forma de lei e evangelho, e aconselhada a buscar ajuda na confissão, na penitência e no mistério da santa ceia. De modo algum, porém, se deve efetuar um rebatismo, o que significaria bagatelizar a graça batismal já recebida. Em verdade, um tal rebatismo não seria batismo nenhum, mas abuso da prática batismal.
2.7 – O problema do rebatismo, muitas vezes, está ligado ao movimento carismático, que está se manifestando em quase todas as Igrejas tradicionais do mundo. Não nos é possível descrevê-lo nem avaliá-lo devidamente neste espaço. Tentativas nesse sentido estão em andamento, como, por exemplo, a carta às irmãs e irmãos do movimento carismático na IECLB – sob o título Um caso de amor – um diálogo com o movimento carismático – da autoria de Roberto E. Zwetsch, professor na Escola Superior de Teologia (EST). Conforme o autor, há pessoas que preferem o nome de Movimento de Renovação Espiritual.
O culto carismático proporciona experiências fortes e envolventes. Participantes confessam que sentem e experimentam o Deus que faz falar em línguas, que liberta e cura. Esse fato, por si só, nos faz perguntar por aquilo que nossas comunidades tradicionais porventura ficam devendo às pessoas que estão em busca de experiência religiosa. Como proporcionar participação e experiência concretas com o mistério da revelação de Deus em nossos dias? Ao mesmo tempo, também é necessário que nos envolvamos num diálogo crítico com o movimento carismático sobre a teologia dos dons do Espírito e sobre o critério do amor que cria e edifica comunidade, visto que a fé somente surge, cresce e se mantém pelo viver em comunidade. É assim – e não de outro modo – que age o Espírito de Pentecostes.
Que tipo de Jesus está sendo propagado quando a pregação se resume naquilo que dele se busca ou recebe? Onde fica o confronto com o Jesus Cristo da graça, da cruz e da ressurreição, que nos convoca para o seguimento sob a cruz e para a vivência em comunidade em que se pratica partilha e se promove justiça e paz, aqui e agora? Essas e outras perguntas mais se impõem, a seu modo, tanto para a comunidade tradicional quanto para o movimento carismático. Instituição e carisma são grandezas que não devem ser lançadas uma contra a outra. Ambas necessitam da complementação mútua. Queira Deus nos ajudar a reconhecer e praticar essa verdade!
2.8 - Estudo e meditação da palavra, em particular e em comunidade, penitência, confissão, arrependimento e santa ceia são os meios pelos quais se renova e se mantém a fé que atua pelo amor. Essa fé é dada e mantida pelo iniciador e consumador da fé, Cristo. Exclusivamente ele é origem e alvo da fé, e ao mesmo tempo é o caminho da fé (Jo 14.6). A caminhada da fé acontece na comunidade que Cristo cria pelo batismo, mantém pela palavra e pela santa ceia e conduz à consumação por sua promessa da segunda vinda, no final dos tempos. A caminhada da comunidade, portanto, acontece entre Pentecostes e a volta de Cristo. Neste ínterim, Cristo age, na comunidade e através dela, fazendo surgir sinais concretos de nova vida que é oriunda do Eterno e para o Eterno aponta e conduz.
2.9 - A doutrina da justificação liberta o cristão da preocupação com sua própria salvação. Essa lhe é assegurada pela fé, que é fruto do Espírito Santo e nasce através da pregação do evangelho. Assim sendo, o crente está habilitado para dedicar-se, com seus dons, talentos, forças e todo seu ser, ao serviço da missão de Deus no mundo. Seu servir a Deus e ao próximo, no dia-a-dia da vida, é o verdadeiro culto a Deus (Rm 12.1ss.). Somos Igreja disposta ao diálogo ecumênico com todos os que estão comprometidos com a vida. Estamos abertos para compartilhar e celebrar culto a Deus com todos aqueles que confessam Jesus Cristo como seu único Senhor e Salvador (Atos 4.12; cf. também a Constituição da IECLB, Art. 5º, § 2º).
2.10 - A Igreja, comunhão dos santos, isto é, os que pertencem a Deus, congrega pessoas diferentes entre si; todas elas, no entanto, são chamadas para viverem a justificação, concedida através do batismo. Isso se efetiva no seguir a Jesus Cristo em sua comunidade (discipulado). Aliás, o batismo comissiona ao “sacerdócio geral de todos os crentes”, pelo qual cada membro do corpo de Cristo desenvolve seu discipulado de maneira livre e destemida, na Igreja e na sociedade. A Igreja não é composta por pessoas boas e especialmente selecionadas, excluindo-se outras más, e, sim, por pessoas indistintamente carentes da graça de Deus (Rm 3.23). Por isso, a Igreja engloba toda a cristandade na terra. Por conseguinte, toda arrogância e toda prepotência espiritual ficam descartadas, pois as pessoas, olhando para sua condição humana, continuam pecadoras. A certeza da salvação, porém, acontece a partir do olhar voltado para Cristo e sua obra por nós. Assim, conscientes de que o evangelho verdadeiro é um só e Deus é um só, sabemo-nos irmanados numa única Igreja de Jesus Cristo. Logo, somos também conclamados a viver a unidade dentro da própria IECLB e a buscá-la com as demais Igrejas cristãs (Ef 4.1-6).
2.11 - A fé, que anima as pessoas, é dom que se experimenta na total entrega em confiança a Deus, independente de qualquer sentimento ou afirmação humanas. A confiança leva à obediência, mesmo contra todas as evidências negativas do cotidiano da vida, aparentemente irrefutáveis. Trata-se de uma vivência a ser renovada constantemente dentro das contradições humanas. A renovação e o fortalecimento da fé acontecem na comunhão da santa ceia, na prática da oração, no serviço ao próximo, na animação, admoestação e consolação mútuas entre irmãos e irmãs.
2.12 - Na Igreja, comunhão dos santos, experimenta-se a precariedade humana e, ao mesmo tempo, celebra-se a afirmação do perdão de Deus. A consciência de que as pessoas são simultaneamente justas e pecadoras reflete uma visão realista da vida e, ao mesmo tempo, esperançosa e confiante por estar alicerçada nas promessas de Deus. Esta perspectiva torna-se, portanto, libertadora, já que as pessoas não mais necessitam aparentar uma piedade perfeita, fruto de seu esforço próprio. Pelo contrário, por causa da graça e promessa de Deus, podem, esperançosos e confiantes, vencer as forças do pecado presentes em todos os âmbitos da vida.
2.13 - A Igreja existe e é real ali onde a palavra de Deus é pregada. Conforme a afirmação de Lutero: “Graças a Deus, uma criança de sete anos sabe o que é a Igreja, a saber, [...] os cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor.” (Os artigos de Esmalcalde, art. XII. In: Livro de Concórdia, p. 338). Como tal, ela é visível e é povo de Deus. Ao mesmo tempo, ela é uma grandeza invisível ou oculta, porque só Deus vê os corações e sabe quem são as pessoas vivificadas e renovadas pelo Espírito Santo através da pregação do evangelho. A estrutura da Igreja é parte de sua dimensão visível, sem constituir a essência da própria Igreja. Como tal, porém, pode e deve estar a serviço do evangelho, razão pela qual também deve ser sempre avaliada criticamente a partir do evangelho.
2.14 – Por sua graça e misericórdia, Deus, em sua ação salvadora, usa a Igreja como seu instrumento. Os sinais da Igreja são, entre outros: palavra, sacramento, confissão, oração, amor ao próximo e cruz. Da mesma forma, Deus pode usar qualquer meio ou outra instituição humana presente na sociedade e no mundo para concretizar seu desígnio e sua missão. Neste sentido, a Igreja assume uma postura de humildade. Reconhece que o próprio Deus é sujeito de sua missão. O crente luterano participa dela na qualidade de cristão e cidadão ao mesmo tempo. Ele é vocacionado a relacionar a fé com a vida do dia-a-dia. Em comunhão com a comunidade, testemunha, em forma de palavra e ação, a vontade libertadora de Cristo, que veio trazer vida em abundância. Isso possibilita ao ser humano viver em harmonia com Deus, consigo, com o próximo e também com a natureza, criação divina.
2.15 - Conforme o conceito luterano de Igreja, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo, conosco mesmos e com o meio em que vivemos, através de Cristo. Conversão, santificação e vida nova, quando autênticas, nunca são conseqüências de capacidades pessoais ou grupais, mas são frutos do Espírito Santo, em resposta à pregação do evangelho.
2.16 - O conceito luterano de Igreja abarca a dialética que Paulo define em Fp 2.12s.: “...desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” Pela pregação, a comunidade é desafiada a tomar uma decisão e a trabalhar em prol de sua salvação, santificação, renovação; contudo, logo que tocada e movida pelo Espírito Santo, ela percebe que na verdade foi Deus quem efetuou tanto o querer como o realizar.
2.17 - O Deus Criador, que cuida de nós e preserva a criação, como confessamos no primeiro artigo do Credo, também nos liberta e convoca a viver de acordo com sua santa vontade. A cruz de Cristo nos proporciona constantemente a salvação gratuita; ela, a cruz, é também o signo de todo discipulado. Por conseguinte, o Espírito Santo não anula nem supera a cruz de Cristo, mas é o poder divino que nos faz andar em comunhão e amor, nos conforta em nossas tribulações, nos anima e nos sustenta em nossa caminhada como Igreja sob o signo da cruz. Concluímos que, dentro de um contexto de mercado religioso, onde proliferam as mais diversas propostas esotéricas, nós, como IECLB, precisamos resgatar e testemunhar essa dimensão trinitária da eclesiologia.
2.18 – Conseqüências práticas
1. Como justificados por graça e fé, somos comprometidos com o ensaio da prática de gratuidade, na vida em família, em comunidade e sociedade.
2. A graça é vida, o legalismo mata. A graça barata inflaciona o evangelho, profana a santidade de Deus e ilude pessoas.
3. Já que existe um só batismo cristão (Ef 4.5), a IECLB não pode admitir um segundo batismo ou assim chamado rebatismo. Quem mesmo assim o pratica, está se afastando do fundamento bíblico e da confessionalidade luterana; e deve perguntar-se a si mesmo e deixar-se questionar se ainda faz parte da IECLB. Devemos ser uma Igreja aberta para todas as pessoas, mas não podemos estar abertos para tudo, por respeito às bases normativas.
4. Versículos bíblicos são portadores de verdades divinas. Alertamos para o perigo do uso indiscriminado e descontextualizado de versículos bíblicos para justificar idéias próprias.
5. O movimento carismático necessita da correção por parte da Igreja, e a Igreja necessita dos dons do movimento carismático. O convívio será tenso, mas poderá tornar-se uma bênção para ambas as partes, desde que reconheçam, humildemente, as próprias carências e a necessidade de complementação mútua.
6. Um significativo número de comunidades da IECLB se pergunta pela postura correta diante de casos de exorcismo. Trata-se de um assunto que ainda merece maior estudo e diálogo interno na IECLB, mas consideramos essencial a observância de alguns critérios. Quando, por exemplo, a comunidade detectar sintomas de possessão ou possível endemoninhamento, necessário se faz um criterioso e abalizado estudo, assessoramento de especialistas na área da saúde e envolvimento da liderança da comunidade para uma tomada de decisão a mais objetiva possível. Como em outras áreas, também nesse assunto decisões monopolizadas pelo pastor ou pastora e, mesmo, por um pequeno grupo exclusivo, abrem portas ao abuso e à arbitrariedade. Constatada a veracidade do caso, o exorcismo dar-se-á pela oração, com o envolvimento do pastor ou pastora e da liderança da comunidade. A cura requer também discrição, em respeito ao paciente e à sobriedade da atuação do Espírito. De modo algum, a oração deve ser desvirtuada, pelo exorcismo, em espetáculo público para a atração de novos fiéis.
3. Características do Ministério Compartilhado
O documento Ministério Compartilhado, aprovado pelo Concilio Geral da IECLB em 1994, de amplo conhecimento, serve de base para as considerações a seguir, que visam relembrar seus aspectos principais.
3.1 - Deus confiou à comunidade/Igreja o ministério da reconciliação. O ministério não é confiado a alguns poucos especialistas, mas sim à comunidade/Igreja como um todo. É isso que Lutero denominou, a partir de 1 Pe 2.9, de sacerdócio geral de todos os crentes. Desde nosso batismo, somos ordenados sacerdotes e sacerdotisas. Temos a incumbência de ser um pequeno cristo para os outros, na família, na escola, no lugar de trabalho, na sociedade e na política. Isso significa reconhecer e vivenciar o batismo, abraçar e vivenciar o amor de Deus. Esta é a irrenunciável base comum do ministério com a qual a Igreja foi incumbida.
3.2 - Para que a comunidade melhor pudesse reconhecer e abraçar o amor de Deus e servir a Ele, Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres. (Ef 4.11) Quantos ministérios específicos já havia na Ásia Menor, no tempo apostólico! Sua função não era outra do que ser instrumentalizadora e multiplicadora dos dons, ou seja, ajudar a comunidade a reconhecer e assumir a sua missão. Pois Deus os concedeu com vistas ao aperfeiçoamento dos santos (daquelas pessoas que pelo batismo pertencem a Cristo) para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo (Ef 4.12). Ministérios específicos, portanto, não devem desincumbir-se em lugar da comunidade do serviço que cabe à própria comunidade como um todo, mas têm sua finalidade em motivar, equipar e acompanhar a comunidade no reconhecimento e no exercício de sua missão. Essa é sua função instrumentalizadora e multiplicadora. O número e tipo de ministérios específicos dependem da necessidade e da possibilidade de cada Igreja.
3.3 - Embora Lutero tenha defendido como ministério específico somente o pastoral, devemos reler nossa tradição luterana, iluminados por exemplo por Ef 4, a partir de nossas necessidades e viabilidades. Na IECLB, temos agora reconhecidos oficialmente quatro ministérios específicos: o catequético, o diaconal, o missionário e o pastoral. Todos eles têm a mesma dignidade e responsabilidade teológica e eclesiológica. Por conseguinte, falamos em “Ministério Compartilhado”. Deus vocaciona e ordena cada qual, através da Igreja. Todos eles, repetimos, têm sua função instrumentalizadora e multiplicadora, a fim de que a comunidade melhor possa reconhecer e assumir sua missão.
3.4 - Conseqüentemente, a tarefa primordial dos ministérios específicos é a de capacitar os membros das comunidades para atuarem eles próprios. Reduzir o sacerdócio geral de todos os crentes aos ministérios específicos na IECLB seria uma negação do próprio sacerdócio geral.
3.5 - Igualmente importante é observar que o conceito de “Ministério Compartilhado” não se limita a ministérios específicos com vínculo empregatício em tempo integral, nem tem por objetivo ser usado apenas com o intuito de um ministério se igualar a outro em termos de direito. O Ministério Compartilhado inclui também ministérios com vínculo empregatício em tempo parcial ou mesmo ministérios voluntários sem vínculo empregatício. Quer dizer, alguém pode ser, por exemplo, professor e catequista e ter vínculos parciais de emprego para ambas as funções ou mesmo somente para a de professor. Mais importante ainda é lembrar que o Ministério Compartilhado não se limita aos quatro ministérios específicos, mas engloba o serviço de colaboradores leigos; com eles compartilha o respectivo ministério especifico.
3.6 - Essa visão de Ministério Compartilhado se evidencia por razões teológicas e eclesiológicas. Mesmo assim, ainda parece ser difícil para comunidades e obreiros abraçarem a idéia. Talvez a situação econômica, que está afetando as igrejas em todo o mundo, venha a contribuir para que nos convençamos de que o tradicional modelo de ministério e comunidade é bastante questionável, também por estar tornando-se financeiramente insustentável.
3.7 - Resumindo, podemos dizer que o Ministério Compartilhado parte da comunidade e para ela está voltado. Existe para que ela se torne instrumento da missão de Deus no mundo aqui e agora, a fim de que ela se torne cidade edificada sobre um monte (Mt 5.14), para que as pessoas “vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16).
4. A caminho da definição de competências no Ministério Compartilhado
4.1 – Quanto à compreensão do Ministério Compartilhado
A proposta da IECLB contida em suas definições do Ministério Compartilhado é antes de tudo uma afirmativa do “sacerdócio geral de todos os crentes” (1 Pe 2.9), como forma de ser Igreja. Esta forma, embora expresse seu aspecto particular pela dimensão universal e sacerdotal, aproxima-se daquelas que aparecem em Atos dos Apóstolos como “comunidade de irmãos e irmãs”, em Efésios como “corpo de Cristo” e no Credo Apostólico como “comunhão dos santos”.
Afirma-se, com isso, que o ministério de testemunho e serviço é da comunidade e de seus membros. Todas as pessoas crentes batizadas são sacerdotes e sacerdotisas, chamadas, dignificadas, enviadas ao mundo para testemunho e serviço.
Afirma-se ainda que há diversidade de funções no exercício deste ministério. Não existe um padrão único ou uniforme de exercício do sacerdócio geral de todos os crentes.
Ministério Compartilhado subentende, ainda mais, que os ministérios específicos, que na IECLB já têm uma expressão mais abrangente em várias dimensões, visam a instrumentalização da comunidade com vistas à missão de Deus, no mundo”. Conseqüentemente, a tarefa primordial dos ministérios específicos é a de capacitar os membros das comunidades para atuarem eles próprios.
Reduzir o sacerdócio geral de todos os crentes aos ministérios específicos, na IECLB, seria uma negação do próprio sacerdócio geral. Contudo, é necessário que se definam seus perfis e se identifique seu específico com vistas à sua formação e ao desempenho eficiente em servir melhor às necessidades diferentes da comunidade, a desenvolver seus dons e servir no corpo de Cristo, e participar na missão de Deus no mundo. Todos esses ministérios têm seu objetivo no facilitar o surgimento de uma comunidade mais acolhedora, solidária, terapêutica, aberta, integradora, enfim, missionária.
4.2 - Competências decorrentes do Ministério Compartilhado, especialmente em relação aos ministérios específicos.
4.2.1 - Os ministérios trabalham juntos em equipe e parceria. A equipe é coordenada, se for o caso, por alguém que tenha os dons para isto, independente do ministério que ocupa. Os ministérios em sua especificidade se inter-relacionam, sujeitando-se ao senhorio de Cristo.
4.2.2 – Com a criação, no currículo da Escola Superior de Teologia, do assim chamado “núcleo teológico comum”, a formação para os vários ministérios específicos na IECLB já está num processo de integração em nível de ensino superior.
4.2.3 - É necessário que se adote uma sistemática de definição de campos de trabalho e publicação de vagas para todos os ministérios especiais.
4.2.4 - O processo de consolidação dos documentos, relativos ao exercício público do ministério, definirá também normas de equi¬paração salarial. (Observação: obreiros catequistas podem ter hoje sua atividade registrada junto ao INSS como atividade de religioso equiparado a autônomo. Abre-se assim a possibilidade de estabelecer para o catequista os mesmos vínculos como, por exemplo, para obreiros pastores.)
4.2.5 - A partir dos referenciais do documento Ministério Compartilhado é necessário também rever a função de pároco. A ação missionária na comunidade é de responsabilidade conjunta, integrada por lideranças e obreiros. O pároco ou pároca integra-se numa coordenação comunitária/paroquial compartilhada. Coopera nessa coordenação como obreiro ou obreira vocacionada e desempenha, se for o caso, a representação de conteúdo dos demais obreiros. Elimina-se, desta forma, a figura do pároco como representação dos obreiros, centrada apenas nos obreiros-pastores; amplia-se a representação para todos os ministérios e se dá ênfase ao modelo comunitário de gestão da vida na comunidade/ paróquia. Esta mudança essencial, decerto, determinará que se altere a designação pároco. Assim, a perspectiva do Ministério Compartilhado traz como conseqüência, também, compartilhar o ministério dirigente.
4.2.6 - É necessário que definamos a tarefa de exercício de liderança, de função diretiva nas comunidades e paróquias. Não há diferença de qualidade entre a função diretiva e os demais “ministérios específicos, como tampouco a há em relação ao sacerdócio geral. Lideranças leigas e obreiros terão que se aperfeiçoar no exercício qualitativo de direção, de poder como serviço à comunidade. Esta função será qualitativa se for compartilhada e se ela, sobretudo, se fizer disponível para o crescimento dos indivíduos e da comunidade. Com certeza, esta maneira de entender a função diretiva proporcionará melhor compreensão e maior agilidade das estruturas da Igreja, bem como aprimorará o relacionamento daquelas pessoas que a exercem.
Há necessidade de desenvolver um processo de reflexão e de capacitação de todas aquelas pessoas que foram incumbidas de função diretiva, tanto membros leigos como obreiros, visando o aperfeiçoamento deste exercício qualitativo de direção.
4.2.7 - Na perspectiva do Ministério Compartilhado, a Conferência de Obreiros não é mais a reunião que centraliza o planejamento da ação missionária, na área das respectivas paróquias. A Conferência de Obreiros é oportunidade de equipar-se para o exercício de sua tarefa instrumental, de atualizar-se permanentemente na reflexão teológica e na práxis e de animar-se no apoio fraterno, na vocação e no exercício de seu ministério público. Em suma, a Conferência de Obreiros é oportunidade de capacitar-se para a ação missionária, realizada, conjuntamente, com as coordenações comunitárias e as comunidades e seus membros.
4.2.8 - As questões de ordem pessoal de obreiros e obreiras são acompanhadas e decididas em disciplina fraterna em nível sinodal. Cabe ao pastor sinodal, conjuntamente com o conselho sinodal, assistir os obreiros em suas questões pessoais. Dificuldades de ordem pessoal são tratadas em disciplina fraterna pelo pastor sinodal e, quando implicam relações funcionais de obreiros, serão deliberadas com a diretoria sinodal. A partir da idéia orientadora do Ministério Compartilhado, estas questões serão tratadas por todos que têm competência de assistir e decidir, com o compromisso de discrição, sigilo e espírito fraterno.
4.2.9 - A partir do “sacerdócio geral de todos os crentes”, cada pessoa batizada é vocacionada, legitimamente, para o testemunho cristão na família, no lugar de trabalho/estudo e na sociedade em geral, ou seja, para exercer a cidadania cristã. Além disso, as pessoas batizadas recebem dons para servirem como colaboradores nos diferentes níveis do serviço comunitário. Há nisso dois perigos: que esses colaboradores sejam usados apenas como “quebra-galho” de obreiros e obreiras ou que se tornem “mini-obreiros”, o que equivaleria a uma lamentável clericalização do laicato.
Para evitar tais perigos, é preciso valorizar os colaboradores leigos, em sua especificidade. Pois além de seu dom para visitação, por exemplo, necessitam de formação teórico-prática para aperfeiçoá-lo, com vistas ao ministério da visitação. Diante da comunidade precisam ser legitimados como visitadores autorizados. Necessitam, portanto, do devido credenciamento, do chamado público. Assim como obreiros necessitam de vocação interna e externa para o exercício de seu ministério em nível nacional, também estes colaboradores leigos necessitam de tal vocação para o exercício de seu ministério em nível local.
Esse credenciamento obedece a critérios da IECLB e é por ela oficialmente reconhecido. O ato litúrgico de instalação de “colaboradores/as leigos/as” deverá acontecer em culto da comunidade. Ele obedecerá a formulários litúrgicos da IECLB, dos quais fazem parte: definição e caracterização do serviço para tempo e local definidos, palavra de envio, oração com imposição de mãos, certificado do ato de instalação.
Assim como os obreiros dos ministérios específicos necessitam de acompanhamento e formação contínua, também os colaboradores leigos precisam de formação contínua e acompanhamento por parte da liderança da comunidade e da Igreja como um todo. Tais colaboradores/as leigos/as participam efetivamente, de forma definida embora limitada, de um dos quatro ministérios específicos, reconhecidos na IECLB, sem, no entanto, substituí-lo. Poderiam ser denominados, portanto, também de “obreiros e obreiras leigas” ou de “ministros e ministras leigas”.
Não somos nós que podemos preservar a Igreja. Também não o foram os nossos antepassados, nem a nossa posteridade o será. Foi, é e será aquele que diz: Eu estou convosco até o fim do mundo. M. Lutero.
Dessa maneira, o Ministério Compartilhado não mais se restringe aos quatro ministérios específicos, mas engloba os ministérios leigos, com igual dignidade teológica e espiritual, mas com funções e responsabilidades distintas.
Observação: Todas as citações foram extraídas do documento Ministério Compartilhado, com exceção das do item 3.2.6.
5. Culto/ Liturgia
5.1 - Culto é um encontro de pessoas que se reúnem em nome do trino Deus. Elas se colocam à sua disposição, para que ele as sirva através de palavra, sacramentos, perdão, comunhão, envio e bênção. Assim, Deus nos serve no culto, para que nós lhe sirvamos no mundo em que vivemos, ofertando nosso tempo, nossos talentos, dons e bens. Esse culto em nome de Deus requer formas e expressões litúrgicas que o identifiquem como culto cristão e culto da IECLB. Não basta, portanto, que simplesmente se traduzam liturgias da Itália, Alemanha ou dos Estados Unidos. Por mais que tais liturgias estrangeiras possam ter elementos cristãos, faltam-lhes, contudo, as características de nosso tempo e lugar. De igual modo, não contribui para o surgimento de uma liturgia que identifique o culto da IECLB, se cada obreiro/a cria liturgias de maneira individualista, desrespeitando o contexto da sua Igreja.
5.2 - Por isso a IECLB iniciou, nos anos 80, um movimento de renovação litúrgica. Um primeiro resultado foi a publicação do prontuário Celebrações do Povo de Deus. Nos anos 90, o processo teve uma segunda fase, em que houve a publicação das séries Colmeia, a realização de seminários de multiplicadores em liturgia e a criação de equipes de liturgia. Apesar disso e/ou por causa disso, comunidades se ressentem de uma liturgia que permita identificar o culto de sua IECLB, assim que possam sentir-se irmanadas como comunidades de uma mesma Igreja. Corresponder a esse anseio é um desafio urgente. Contudo, tal liturgia não poderá ser decretada de cima para baixo. Ela será resultado de um processo que envolve comunidades, líderes, obreiras e obreiros.
5.3 - Já que o evangelho sempre precisa encarnar-se, é justificada a necessidade de contextualizar nossa maneira de celebrar culto em comunidade. Essa contextualização é alimentada pelos elementos culturais de nosso tempo e de nosso lugar e é orientada pelos elementos universais e ecumênicos da liturgia cristã. Esses elementos identificam o culto como cristão. Em respeito à comunidade, ao contexto e à Igreja universal, inovações, alternâncias e repetições litúrgicas devem manter-se em equilíbrio.
5.4 - A reunião de pastores e presidentes sinodais recomendou que a IECLB convocasse o Fórum de Liturgia, aprovado no Concílio de 1998. Esse fórum, entrementes, já foi realizado nos dias 13 e 14/07/99 em Rodeio 12/SC, com representantes de todos os sínodos. Para agilizar o processo, o fórum elaborou diretrizes e metas concretas que serão compiladas e publicadas tão logo possível. Em virtude disso, não nos queremos antecipar.
6. Fé e dinheiro
6.1 - O tema “dinheiro” certamente não é o assunto mais importante na Igreja. Contudo, ele reflete algo sobre o tema central, ou seja, a fé. Se a fé não for relacionada com as coisas da vida concreta das pessoas, ela se torna algo distanciado e alienado. Fé espiritualizante não transforma nem liberta. O testemunho bíblico nos atesta o Deus que se encarna na realidade concreta. É por isso que o evangelho sempre nos desafia a relacionar a fé com nosso tempo, nossos dons, talentos e bens, ou seja, com a vida toda.
6.2 - Na IECLB houve, por muito tempo, uma realidade sócio-econômica mais homogênea, que talvez justificasse um sistema de contribuição igual para todos, a exemplo de clubes e sociedades. As comunidades contribuíam à IECLB por meio de cotas prefixadas pelo Concílio Geral ou pelo Conselho Diretor. Além disso, nas últimas décadas, até recentemente, foi relativamente fácil conseguir dinheiro do exterior para determinados projetos locais e de âmbito maior. Hoje, por razões diversas, essas fontes do exterior estão diminuindo. À medida que surgiram o êxodo rural e a urbanização, acompanhados do empobrecimento de muitos membros da IECLB, enquanto outros puderam prosperar, esse sistema de contribuição se tornou cada vez mais injusto, por não mais corresponder ao crescente desnível sócio-econômico dos membros.
6.3 – A partir de textos bíblicos, como por exemplo 1 Cr 29; Ml 3.10-12; 2 Co 8 e 9, muitas comunidades começaram a perceber que a maneira de contribuir e ofertar deve estar relacionada com a fé. A oferta e a contribuição, seja em forma de tempo, dons e bens, sempre objetivam ser um sinal de nossa gratidão ao que Deus já nos ofereceu, oferece e ainda nos oferecerá; objetivam ser um sinal visível de nosso amor recíproco. Nesse sentido, foram feitas valiosas experiências em muitas comunidades em relação a iniciativas tão diversificadas como contribuição escalonada, contribuição proporcional, contribuição percentual, dízimo e contribuição livre. Algumas ou muitas dessas experiências, porém, não perduraram, por falta de fôlego e continuação do trabalho de visitação aos membros, com vistas à renovação da motivação evangélica.
6.4 – A partir da nova estrutura sinodal e da nova Constituição, a IECLB decidiu por uma modalidade de dízimo como forma de contribuição das comunidades/ paróquias para a IECLB. Ainda é cedo para avaliar mais a fundo o resultado. De qualquer maneira, porém, a iniciativa representa um desafio, a fim de comunidades e paróquias reverem e adaptarem seu sistema de contribuição interna.
6.5 – O momento é muito propício para que, agora não de maneira isolada, mas em âmbito nacional, trabalhemos, em todos os âmbitos da IECLB, a questão “fé e dinheiro”. Nesse sentido, a IECLB lançou a campanha da contribuição proporcional, que iniciou com o Culto de Ação de Graças, no domingo 27/06/99, para o qual foi divulgado um programa de culto próprio. Prevê-se dar ainda os seguintes passos:
- A Secretaria de Economia da IECLB realizará o segundo Seminário com os Tesoureiros Sinodais, sobre esse tema, a ter lugar a 28 e 29/08/99, na Casa Matriz de Diaconisas em São Leopoldo/RS.
- Todos obreiros e obreiras serão convocadas/os para uma reciclagem sobre o tema. Serão enfocados aspectos bíblicos, teológicos, práticos e a questão de como lidar pessoalmente com o dinheiro.
- Paróquias e comunidades realizarão, em seu âmbito, seminários de presbíteros/ líderes sobre o mesmo tema. Neles será indispensável enfocar a questão do dinheiro em seu contexto maior, ou seja, no relacionar fé com tempo, dons e bens e informar sobre o que é feito com o dinheiro ofertado. Deverá ser motivada a formação de grupos de visitação a domicílio, talvez a exemplo da campanha da mordomia, efetuada há décadas atrás: líderes de área ou representantes de rua que serão capacitados e acompanhados, com vistas à visitação a domicílio e/ou reuniões de vizinhança, nas quais o tema será tratado à luz da Palavra, em comunhão de estudo e oração.
Obs.: Existem muitos materiais de conscientização e informação, como por exemplo: Estudos sobre Contribuição Proporcional; da autoria de Arzemiro Hoffmann. Temas atuais da IECLB – Contribuição Proporcional. Somos Igreja missionária – Dez exemplos para participar da missão da IECLB, São Leopoldo, 1996 - trata-se de dez propostas de projetos missionários da IECLB, a serem apadrinhados por comunidades e pessoas.
(*) Observação: Esse assunto pode ser aprofundado em WESTPHAL, Euler R. Algumas teses e reflexões de fundo sobre a questão do batismo. São Bento do Sul, 1998 (polígrafo). Além disso, convém lembrar a Carta Pastoral e a Carta à Rede de Apoio à Missão na IECLB, Nº 7679/97, da Presidência da IECLB.