A escolhida
A raposa, sempre matreira, convidou todas as galinhas do galinheiro para uma grande festa de casamento, o seu casamento. As galinhas, no entanto, nem sequer pensaram ou cogitaram aceitar o convite da raposa. Rapidamente a raposa foi até onde estavam as patas e convidou todas para sua grande festa. Aceitaram e foram. Cuidadosamente a raposa observava suas hóspedes. Logo percebeu que entre todas patas, estava uma que se sobressaia pelo seu tamanho. Lisonjeiro se aproximou dela e lhe falou: Minha querida amiga. Muitas são chamadas mas poucas são escolhidas”. A pata, suficientemente tola e se sentindo desmesuradamente enaltecida, gaguejou cheia de júbilo: “Eu estou sendo a eleita para contigo me casar?” De forma a se esgueirar enquanto explicava, a raposa diz: “Gosto de você, minha querida, só para te devorar”.
Querida comunidade:
Lemos o texto de Mt 22.1-14.
O Reino convida para a festa de casamento. Seus primeiros convidados, além de não aceitarem o convite, ainda matam os emissários. O evangelista Mateus coloca esta parábola, da qual somente ele tem conhecimento, em um contexto onde Jesus já tinha se adentrado de Jerusalém — de forma triunfal — e vivia seus útimos dias antes do julgamento, morte e ressurreição. Faz parte das parábolas que tem como epígrafe aquele “…o reino dos céus é semelhante a…”
Tudo pronto
Sempre ouviremos o ensino de que o reino dos céus unicamente dádiva de Deus.O reino de Deus é totalmente dádiva. Deus prepara tudo. Este reino é aqui comparado a uma festa onde os convidados não precisam contribuir com nada. O rei prepara toda a festa. A distribuição dos convites é farta. A preocupação é encher a sala do banquete sem nenhuma preocupação com distanciamento social.
Mateus faz questão de dizer que o povo de Israel foi escolhido primeiro, não pelos seus méritos, mas pela liberdade que Deus tem. Porém, como já ouvimos na semana passada na pregação do texto de Isaías 5, Israel não só desperdiçou displicentemente o reino, mas o rejeitou consciente e agressivamente. Por isso o convite de Deus deixa Israel de lado, esquece Israel. Agora outros povos se tornam privilegiados. O convite é universal. Quando num lugar ele é rejeitado, recusado, é estendido a outros, a quantos encontrardes (v.9), a maus e bons (v.10).
Ou seja, Israel e todo o povo de Deus — que é o que nós também queremos ser — precisa se enxergar, precisa reconhecer quem é Deus, quem é Senhor, quem é Salvador. O evangelista ainda crê na possibilidade de conversão do povo de Deus.
A salvação universal
Com a universalização da salvação e da aliança de Deus, todas as diferenças entre homens e povos se tornam nulas. Todas as tribos, povos e raças são alvo da misericórdia divina, são alvo de Seu convite amoroso para a festa. Onde está a causa do problema da agressividade, das mortes, dos conflitos ou dos interesses matreiros — como o da raposa — entre a humanidade? Unicamente na recusa ao convite de participar da festa do Rei. A humanidade, ao recusar o convite do rei, perde todas as oportunidades de paz e justiça, de alegria e comunhão. Além de a humanidade não aceitar o convite do Rei, ainda maltrata aqueles que lançam o convite para a vida com Deus, a adotar um novo conteúdo de vida, a viver a vida em outra direção.
As pessoas cristãs acreditam que sua vida e a de toda humanidade tem um alvo bem claro. Sim, acreditamos que as coisas são como são porque tem um objetivo; nada é sem sentido. Mas até agora permanece aquela pergunta enjoada: Quando os escolhidos serão beneficiados. Quando acontecerão as últimas coisas? As respostas continuam sendo apenas balbucios, aquela fase linguística sem muitos significados. “Todavia, como está escrito: 'Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam’” (1Co 2.9).
...sai o semeador...
Jesus mesmo não falou mais do que em figuras daquilo que virá: “…o reino dos céus é semelhante a…” Vemos o semeador a semear em passos largos esperançoso de que a colheita seja farta (Mt 13.3); vemos os pescadores lançarem as redes na expectativa de uma grande pescaria (Mt 13.47); vemos o homem que tropeça no tesouro escondido no campo, vende tudo para comprar este campo e com ele o tesouro escondido (Mt 13.44)…
Porém, não há melhor imagem do reino de Deus que esta aqui, da festa de casamento. Essa imagem atravessa todos os tempos e todas as culturas. Quantas lembranças temos de festas de casamento!
O reino de Deus é festa. É um privilégio pertencer a ele e participar dele. É (…) uma realidade, onde reina amor e graça. É me dado amor e graça sem que se imponham condições, sem que precise fazer ou dar algo em troca. Eu posso distribuir amor e graça também, sem precisar esperar ou pedir algo de volta de outros, sem me sentir superior ou credor de alguém. Como é difícil na vida dar algo a outros sem esperar retribuição ou receber algo sem querer retribuir. O reino de Deus oferece esta possibilidade”. (W.Buchweitz)
Mas onde a graça e o entendimento parecem prosperar, imediatamente vem o inimigo e semeia a discórdia, a perseguição e a morte. É um absurdo que se repete sempre de novo, e o rei ficou irado e, enviando o seu exército, destruiu aqueles assassinos e queimou a cidade deles”. (v.7)
O rei, que é Deus, ordena então que nas esquinas seja anunciado o convite para a grande festa (v.9) tudo porque os privilegiados primeiros convidados eram indignos.
Não sei se sou digno, se todos nós somos dignos, mas no batismo Deus me inclui em seu reino e posso optar por viver neste reino. Você eu somos convidados e aceitos tal qual somo, com todos os nossos limites e falhas e omissões. Apenas somos convidados a participar desta grande festa.
Novas roupas
Nesta festa somos todos convidados a entrar com roupas novas porque o mundo do amor e da graça de Deus tem uma base e conteúdo todo próprios. Ali não cabe mais gente com a velha roupa de uma vida voltada para si mesmo. Faz parte da sala de banquete a roupa do amor a Deus e do amor a todos os outros convidados, da comunhão com Deus e todos os outros convidados, por mais diferentes e estranhos que estes sejam. Não querer por roupa nova, na sala de banquete, significa [não] querer aceitar a graça de Deus, mas ao mesmo tempo querer continuar a viver a velha vida voltada para si mesmo. E isso é contra-senso. São duas coisa, onde uma exclui a outra. Por isso este convidado precisa ser lançado fora”. (Idem)
Se nossas imagens do fim dos tempos vem associadas a acerto de contas, saídas forçadas, separações, elas estão corretas. Onde deve estar o bem, o amor, a justiça, o que não se torna congruente com esses valores, será jogado fora como não escolhidos, como não dignos. Pode parecer muito trágico, mas é assim o reino dos céus (Mt 13.41-41, 22.11, Ap 20.15). Infelizmente as imagens fortes das pessoas que não serão aceitas no Reino de Deus fazem parte do contexto da festa, das bodas. Jesus aparece na condição de quem inclui pessoas na sua festa das bodas, mas também exclui. Pesou muito para Jesus o não reconhecimento de parte de fundamentalistas e justiceiros que o Reino é uma festa (Mt 11.19).
Escolhidas? Incluídas ou excluídas?
Pois muitos são chamados, mas poucos são escolhidos” (v.14) Aquelas pessoas rejeitadas na festa das bodas do reino de Deus eram a favor da rigidez da lei, da ordem e da falta de espaço para amor e entendimento. Não admitiam que o outro pode ser diferente e igualmente amado por Jesus.
Prezada comunidade!
Velhas raposas podem querer fazer passar seus planos traiçoeiros. Algumas nos consideram pessoas escolhidas e nos enchem de orgulho. Cedo se descobre que é traição. Outras raposas nos excluem da comunhão, sem razão e sem compaixão. Mas hoje o Evangelho está aberto, ainda pode ser anunciado com liberdade, para que as rejeições ao Reino sejam suplantas pela aceitação dos valores de Reino de Deus. Jesus mantêm aberto o ciclo renovador do Evangelho de maneira que a obra de Deus seja concluída.
Diga sim ao convite de Jesus para as suas bodas. Vista uma roupa nova e aceita participar destas bodas. Termine o propósito que Deus iniciou em sua vida.
Amém!
(Com citações do texto de P. Wilfried Buchweitz — PL IV — https://www.luteranos.com.br/textos/mateus-22-1-14)