A emergência dos pobres

10/01/2007


Oneide Bobsin*

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência do Brasil, em 2002, assumiu uma dimensão que transcendeu a política em si e a própria política brasileira. Sua eleição teve influência nos processos eleitorais em outros países latino-americanos, cujos programas demonstraram sensibilidade com as demandas sociais dos pobres e com os setores organizados. O processo eleitoral brasileiro repercutiu na eleição de Kirschner, na Argentina, Tabaré Vázquez, no Uruguai, Michelle Bachalet, no Chile, Evo Morales, na Bolívia, além do apoio a Chaves, na Venezuela.Um dos impactos destas eleições afins residiu na contenção do avanço da Área de Livre Comércio das Américas, liderada pelos fortes interesses do governo estadunidense, que preconiza a liberdade para os seus produtos e barreiras para os nossos. Em contrapartida, o Mercosul ganhou um novo alento. Para o Brasil especificamente, a política externa de Lula ampliou as relações internacionais, reforçando os laços com a África e outros países pobres, e tematizou, em âmbito internacional, a luta contra a fome.Não é difícil perceber como uma eleição num país repercute para além de suas fronteiras geográficas, fazendo do voto do cidadão e da cidadã uma decisão pessoal com dimensão internacional, como se faz necessário em tempos de globalização com alto custo social para as maiorias empobrecidas.Com a reeleição de Lula, nas eleições de 2006, as tendências arroladas acima recebem um novo impulso, além de trazer novos aspectos que desafiam cientistas políticos. Pela primeira vez no Brasil, um programa de distribuição de renda, ainda muito tímido, através do Programa Bolsa-Família e o pequeno aumento real do salário mínimo, colou a imagem do presidente nas camadas pobres. Para a direita, isto é assistencialismo. Para os pobres e famintos, um prato a mais de comida é o início de uma utopia.Mais de 7 milhões de pessoas ultrapassaram a linha da miséria. A votação em Lula no Norte e no Nordeste, regiões pobres do país, com índices acima de 80, mostrou que há uma caminho para que pobres deixem de ser massa de manobra das oligarquias que governaram o Brasil por 500 anos. Imagino que isto esteja acontecendo em outros países da América do Sul.Contudo, a emergência dos pobres precisa de uma outra grande obra, segundo o historiador Felipe Alencastro, professor da Sorbonne, na França. Para ele, o governo Lula precisa desenvolver políticas que transformem as maiorias sociais em maiorias políticas, se quiser sustentar o protagonismo dos pobres rumo a um projeto emancipatório.Evidente que esse caminho não é linear nem destituído de contradições. Aos avanços na área social não corresponde uma nova política econômica que acelere o desenvolvimento. Também há fortes críticas ao lento processo da reforma agrária e à impotência do governo federal frente às questões ecológicas. Além disso, esses governos, sensíveis às demandas de grande parte da população excluída, sofrem pressão dos setores dominantes que defendem interesses contrários à emergência dos pobres.Além disso, as limitações da ação governamental são influenciadas pelos interesses dos grandes organismos internacionais. Votamos para presidente, mas não escolhemos os dirigentes do FMI. Escolhemos nossos governantes, mas não elegemos pessoas que lideram a Organização Mundial do Comércio.Mesmo com os limites impostos pelas classes dominantes nacionais vinculadas aos interesses dos organismos internacionais, a reeleição de Lula trouxe um novo aspecto político, bem exemplificado com uma metáfora: A era da pedra no lago acabou. Nestas eleições presidenciais brasileiras as camadas pobres deixaram de repercutir os slogans das classes médias, como se fossem ondas que se espalham para as margens. A constatação que virou metáfora é de Franklin Martins, um comentarista político de televisão.Se as políticas públicas, mesmo sob o garrote de uma economia ainda neoliberal, fazem de maiorias políticas maiorias eleitorais, espera-se que nos próximos quatro anos estas se transformem em maiorias políticas.Para as pessoas cristãs que pregam o amor ao próximo fica o aprendizado de que políticas públicas transformam o assistencialismo num sinal de emergência dos pobres.

* Oneide Bobsin é pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, professor de Ciências das Religiões e reitor da Escola Superior de Teologia, de São Leopoldo/RS/Brasil.

Fonte: ALC Notícias


Autor(a): Oneide Bobsin
Âmbito: IECLB / Sinodo: Vale do Itajaí
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 8278
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