A dose da confiança

Artigo

01/07/2005


Na quarta-feira, o esporte brasileiro foi brindado com a conquista da Copa das Confederações. O jogo foi disputado no Waldstadion, na cidade de Frankfurt, Alemanha. Foi uma partida vistosa que resultou na vitória da equipe de futebol nacional. Quando do encerramento do jogo, a comemoração pela conquista do título foi intensa e contagiante. O ritmo protagonizado pelos pandeiros nas mãos de alguns jogadores eletrizou os amantes do pagode e alegrou os aficionados da cadência do samba. A grande festa final revelou o espírito solto e alegre, bem típico do jeito de ser em terra brasileira..

Em meio às comemorações, chamou-me atenção o fato de que jogadores do time brasileiro exibiam sobre as camisas oficiais camisetas brancas distintas. Via-se estampadas nelas a gravura de um coração complementada por dizeres: Jesus, eu te amo! A frase estava escrita na língua alemã, em inglês e francês. A manifestação caracteriza a existência do grupo conhecido por Atletas de Cristo. O desejo do grupo é testemunhar em público sua fé, demonstrar fidelidade a Cristo e expressar a adoração diante do Filho de Deus.

Sinto-me motivado a repartir comentários sobre o visual da atitude, durante as comemorações em campo. Participo e sou co-responsável por uma instituição eclesial que soma no rol das igrejas históricas. O jeito de testemunhar Jesus Cristo em comunidades integradas na Igreja Evangélica de Confissão Luterana é diferente. Observo que o perfil do testemunho desenhado na Igreja Luterana pode até mesmo contrastar com aquele visto nas telas, ao final da vitória brasileira.

Testemunhar a vida e os feitos de Jesus Cristo, declarando-lhe fidelidade e obediência, é de fato postura condizente de seus seguidores. É atitude coerente com a confiança nele depositada, no passado e no tempo presente. Trata-se de uma prática que acompanha a história da Igreja, desde seus primórdios. Nesse sentido, o Mestre deu instruções a seus discípulos. Com a prática do testemunho, pessoas promovem o processo de aprendizagem da confiança no Cristo, enviado por Deus ao mundo.

A qualidade da fé, no entanto, nos permite fazer uma leitura questionadora do entusiasmo religioso, aliás, uma marca da pós-modernidade e característica do fenômeno conhecido por neopentecostalismo. Não somariam os dizeres nas camisetas dos Atletas de Cristo, no mosaico colorido e entusiasta em favor deste fenômeno religioso crescente da atualidade?

A partir do Evangelho, bússola orientadora da fé cristã, somos lembrados do jeito diferenciado de Deus para encarar a humanidade. A teologia bíblica nos remete à palavra de Deus. É palavra especial, um tesouro oferecido em vasos de barro, visível na forma dos sacramentos e presente na mediação das palavras humanas. A palavra de Deus se revela na forma de lei e de Evangelho. O entusiasmo provocado por uma espiritualidade contagiante, a tal ponto de inflamar pessoas e massas humanas para espaços aéreos, traz o risco de fuga da realidade.

As experiências espirituais, a expressão do louvor que embala e inspira as massas reunidas, as orações por mais enfáticas que sejam, assim como os pregadores e suas pregações vibrantes, estão sujeitas ao juízo de Deus. Nem toda a palavra humana é palavra de Deus, nem toda manifestação da espiritualidade resiste aos desafios da lei e do Evangelho de Jesus Cristo. Em meio ao assédio espiritual, nos dias de hoje, permanece a autoridade de Deus. Ele se manifesta como Deus da graça. Subsistirá sempre Jesus Cristo, o rosto humano de Deus. É Ele, o autor da fé e da salvação. Jesus Cristo encarna a bondade imerecida de Deus repartida com a criação e com suas criaturas. Nada nos pode separar do amor de Deus. É certeza que nasce longe dos mananciais do entusiasmo arrebatador nas praças esportivas ou nos grandes salões e templos. O Deus da família cristã é maior do que a expressão das emoções particulares e também não se submete às experiências sentimentais humanas. A certeza da fé no Cristo, salvador e senhor, vem de fora.

O aprendizado da fé nos remete ao absurdo da cruz do Calvário, instrumento para anúncio do juízo humano e testemunho do perdão libertador de Deus. A confiança no Cristo crucificado nos faz colocar os pés no chão da realidade deste mundo, objeto do amor de Deus. Quem aprende a confiar em Jesus Cristo, deixará que Deus seja Deus e aceitará a vida como um presente gracioso do Criador. Por isso, não faz sentido fugirmos desse mundo criado por Deus, muito menos travestidos das máscaras do entusiasmo espiritual.

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC

Jornal A Notícia - 01/07/2005

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