A Cruz e o Churrasco

12/03/2012

Era domingo. O Culto tinha terminado. Eu me despedia das pessoas quando, com o “rabo do olho”, percebi a Odete, o Pedro e o Sérgio. Sua linguagem corporal me informava que queriam conversar. Dei-lhes atenção e logo fiquei sabendo do seu intento: Estavam nos convidando, a Valmi e eu para almoçarmos juntos. Aceitamos o convite. Quando chegamos à sua casa, logo vimos que a “carne de sol” já estava acomodada sobre o braseiro. Claro que a nossa conversa iria se desenrolar... Num dado momento o filho do casal me fez uma pergunta à “queima roupa”:

- Pastor! O senhor sempre faz o sinal da cruz na testa das crianças que batiza. O que significa este sinal?

A Maria Odete olhou pro seu menino e se antecipou na resposta dizendo que aquele sinal refletia a proteção de Deus sobre o batizando. O Pedro se deu por satisfeito e foi brincar com o amigo vizinho, mas o assunto ficou na pauta. O Sérgio virou o espeto com cuidado, porque carne de sol precisa estar perto do fogo. Depois de se envolver nesta breve “liturgia” se saiu assim:

- Muitos dos meus alunos fazem o sinal da cruz antes das provas. Outro dia percebi que uma moça agiu assim ao constatar a boa nota. Vê-se muito isto no mundo dos esportes. Tenho a impressão que ao fazerem o sinal da cruz, as pessoas estejam querendo expressar que estão em sintonia com Deus.

- Verdade Sérgio!

- Interessante! Desde menina, sempre reparo que até pessoas avessas à religião aceitam a cruz. A gente percebe isso quando viaja por aí. A cruz está no alto das torres das igrejas; nos altares dos templos cristãos; nos fóruns; nas escolas; nos restaurante; nas bibliotecas públicas e em algumas lojas de confecções aqui de Joinville...

- Você está certa Odete. A cruz faz parte da vida das pessoas. Alguns carregam este símbolo no pescoço. Outros tantos são capazes de até “fazer guerra” por causa dele.

Foi então que a Valmi, minha companheira de tantas horas, diácona por causa do chamado de Deus, decidiu entrar na conversa:

- Penso que hoje a cruz tenha se convertido num artigo da moda. Ela tanto pode ser vista pendurada ao pescoço de lindas meninas como também no de homens mais embrutecidos. Há as de bronze, as de prata, as de ouro, as de pedras e até as encravadas com tinta na pele.

- Concordo contigo Valmi. As cruzes tatuadas estão cada vez mais perceptíveis na nossa sociedade. Mulheres e homens carregam a mesma no peito como se fosse um talismã – atalhou a Odete.

O cheirinho da carne assada fazia acontecer “água na minha boca”. Enquanto essa experiência se desenrolava, pensei no fato de que muitos dos “carregadores de cruz” o fazem a partir de boa reflexão, mas outros não. Eu tinha certeza que aquela boa companhia da qual eu desfrutava era sabedora que, em tempos idos, se promovia extremo sofrimento para criminosos e insurgentes, a partir da cruz; dessa “máquina de tortura” pensada para machucar, para promover longo e exaustivo sofrimento que culminasse em morte. Mesmo assim, decidi me manifestar:

- Lembram dos dizeres da placa que colocaram na cruz por ocasião da morte de Jesus de Nazaré? Nela se lia a razão do Seu castigo. Crucificavam-No porque Ele se auto-intitulava Rei dos Judeus. Esse detalhe já era suficiente para que os líderes religiosos e os soldados romanos da época O julgassem como “terrorista político”. Aliás, o próprio fato de Jesus ter dito que era o Filho de Deus, já atiçou toda aquela trupe contra Ele. Espancaram-No; cuspiram-No; ridicularizaram-No e claro, depois disso Ele acabou morrendo morte dolorosa...

O Sérgio, pensativo, cortou minha linha de pensamento quando disse:

- Sempre, neste tempo da Quaresma, eu penso nesta cena. Nessas horas me vem à cabeça que, naquele momento, se “esvaia em fumaça” o sonho daqueles que esperavam a redenção de Israel; a libertação do povo israelita do jugo da ocupação romana e da miséria econômica vivida.

- Isso mesmo Sérgio! Tanto isso é verdade que os discípulos entraram em pânico e se espalharam no meio da multidão. A cruz tinha acabado com toda e qualquer esperança daquelas pessoas tão próximas de Jesus Agora, entre elas, reinava a confusão, o desamparo e a frustração. Parecia que tudo tinha acabado na cruz.

A Odete queria continuar o assunto. Serviu-nos com boa bebida. Ofereceu-nos uns beliscos e, enquanto isso, concentrando seu olhar nos alimentos, explicitou perguntas:

- Renato, mas então o que é que a cruz tem a ver com bênção; com confiança? Por que é que a cruz se tornou esta marca tão forte para a Igreja e a fé cristã?

- Simples Odete. Os primeiros cristãos creram que a morte de Jesus não foi o simples fracasso de uma idéia. Para eles, a morte do Filho de Deus na cruz tinha Lhe oportunizado uma nova relação com Deus e, por tabela, com as pessoas entre si. Sim, eles criam que todas as pessoas eram amadas por Deus. Entendiam que, a partir daquele momento, todas as culpas e regras não podiam mais impedir sua relação com o Criador.

Neste ponto a Valmi não se conteve e quebrou seu silêncio.

- Coisa boa! Foi a partir daquele momento que a fé se despertou como movimento dentro do mundo. Movimento este que acabou assumindo as proporções que conhecemos hoje. A morte de Jesus na cruz é um fato único, inexplicável e incomparável da história.

- E digo mais Valmi: Esta experiência de Jesus foi interpretada como “ressurreição”, a morte se transformando em vida. Estava ali, de uma forma bem plástica, a visibilidade da verdade que aquele rompimento promovia novo começo.

Neste instante o Sérgio tirou o espeto do fogo e, sobre a tábua, nos serviu finas fatias daquela iguaria oriunda de Minas Gerais. Mas o assunto não estava terminado e eu pensei que ainda deveria dizer mais uma palavra. Não só pensei, também disse:

- Gente! Estar vivo ainda não é sinônimo de viver. Para se viver há que se crescer física e psicologicamente dentro dos muitos conflitos propostos pela vida. Dificuldades e cruzes carecem ser vencidas; “crucificadas”. O “combustível” para se alcançar este intento é a esperança; são os fortes “braços do amor”; é a visão ampla que se encorpa em nós, mais a partir do exercício da “astúcia” do que da força. Astúcia que não pode se apresentar como “dura”, uma vez que está marcada pelo amor à vida, a partir de uma humildade alegre.

Claro que a Odete não poderia deixar por isto. Cabia-lhe colocar a “cereja” sobre aquele diálogo:

- Então tá! Cabe-nos a distinção entre as “cruzes” descartáveis e as que devemos seguir carregando. É a partir desta distinção refletida que o símbolo da cruz se converte num sinal de bênção...

Era hora de almoçarmos. Fiz uma oração. Daqui a pouco o Grêmio jogaria com o “River Plate” de Sergipe. Estávamos ansiosos pelo desempenho do novo treinador, o Luxemburgo...


Autor(a): Renato Luiz Becker
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 13090
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