A cidade - ameaça ou oportunidade?

23/01/2004

A cidade - ameaça ou oportunidade?
por ensejo dos 450 anos de São Paulo

P. Dr. Rolf Schünemann*

Uma das características mais fortes da vida contemporânea diz respeito ao fato de que a humanidade se concentrou no espaço geográfico nos dois últimos séculos, graças ao processo denominado urbanização. No Brasil o fenômeno da urbanização/metropolização teve grandes impulsos há 50 anos atrás. O fruto mais visível deste fenômeno é São Paulo que neste final de semana completa 450 anos.

A vida das pessoas nas cidades evoca sentimentos muito contraditórios. Fala-se mal da cidade, mas, ao mesmo tempo, não se pode viver sem ela. Lamenta-se profundamente o seu caos (aparente), mas mergulha-se dentro dele diariamente. Esta contradição pode ser traduzida muito bem pela frase: Duas coisas o paulistano gosta de fazer: sair da cidade, voltar à cidade. - Vincenzo Scarpellini

Visões confusas e experiências muito antagônicas marcam as pessoas. Negação e aceitação, frustração e satisfação, pessimismo e otimismo, atração e repulsão se alternam e convivem no íntimo de homens, mulheres, jovens e crianças. Imagens bipartidas povoam a mente e os corações. O conhecido e o desconhecido, o visível e o invisível despertam sentimentos indefinidos, indescritíveis e indecifráveis. Como não se pode ter uma super-visão e um controle sobre tudo, sobrevém uma profunda insegurança e um temor inexprimível. O ser humano das metrópoles experimenta a sua pequenez e a sua limitação.

Outrossim, as cidades também representam e expressam o estágio ou a fase da humanidade no seu desenvolvimento social, econômico, político e cultural que aponta mais do que nunca a inter-dependência humana. A vida coletiva recebe uma conotação por demais complexa, mas, ao mesmo tempo, uma dimensão insubstituível e insuperável. A privacidade e a individualidade são reforçadas em paralelo ao fato de que produção-consumo e prestação de serviços acontecerem numa imensa teia de relações e conexões inter-humanas.

A fé cristã e, por sua vez, as Igrejas cristãs estão presentes neste contexto humano. Procuram a seu modo e segundo a sua peculiaridade assistir e acompanhar as pessoas que vivem a sua existência nas cidades. Com base no testemunho de fé e esperança de milhares de pessoas que encontraram na mensagem de Jesus Cristo razão e motivação para a sua vida, as comunidades cristãs procuram sinalizar e reforçar a dimensão da comunhão e da partilha como expressão e tradução mais sublime dos valores cristãos. Em sua espiritualidade reforçam e animam a fé e a esperança das pessoas em meio as grandes contradições e os enormes conflitos em que estão mergulhadas.

A cidade é, por excelência, o espaço em que as pessoas, orientadas pela fé cristã, podem traduzir exercitar os valores evangélicos na perspectiva da construção de relações humanas justas e fraternas. A cidade pode, de fato, tornar-se espaço do bem-comum na medida em que as pessoas vivem a fé, imersas no cotidiano, apontando a possibilidade e a perspectiva da superação da dor e do sofrimento. Uma das marcas da fé cristã é precisamente o desapego ao presente e à materialidade. A constante inconformidade com o atual estado das coisas leva os cristãos a se empenhar pela transformação da sociedade. O entendimento de que os bens se constituem em meios para a promoção da vida e não como um fim em si mesmo, (este entendimento) impulsiona para a partilha e distribuição justa dos bens na sociedade.

...não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir(Hb 13.14) aponta a relatividade da existência humana. A expectativa da nova Jerusalém que desce do céu, da parte de Deus(Ap 21.2) indica a direção e o rumo do projeto divino colocado para os cristãos. A cidade se torna a imagem e modelo da proposta de Deus para a humanidade.

Nos 450 anos da cidade de São Paulo, expressamos os votos de que o povo de Deus, que caminha segundo a perspectiva cristã, encontre sempre nas comunidades e igrejas locais o espaço da graça acolhedora de Deus e também a força motivadora para, no seu cotidiano, testemunhar a esperança que a anima na edificação da nova cidade.

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* Rolf Schünemann
Pastor sinodal do Sínodo Sudeste
2º Vice-Presidente da IECLB  


Autor(a): Rolf Schünemann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 21647
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