CARTA DE DEUS
2 Timóteo 3.10-16 (Leitura: Salmo 119.165-176)
Quantas bíblias há? Ora, há milhões, em centenas de línguas diferentes. E em realidade há uma Bíblia só. É a palavra de Deus. É a descrição daquilo que Deus fez, criando e mantendo o mundo, seguindo suas criaturas extraviadas para salvá-las, revelando-se em Jesus Cristo, abrindo por ele o caminho da salvação para todos os que o querem aceitar.
Sim, graças a Deus: Há uma Bíblia só. Não é verdade que há uma Bíblia protestante e outra católica. As pequenas diferenças de tradução, a inclusão de algumas páginas a mais, no Antigo Testamento — não têm importância alguma. Deus seja louvado por termos este tesouro em comum: a Bíblia Sagrada. Ela vai permanecer a base de nossa fé. Nela Deus explicou com clareza, qual a sua vontade e quais os seus planos. Católicos, protestantes, seitas crentes e descrentes: Todos precisam enfrentar esta realidade: Este maravilhoso livro é um só. Sua mensagem é uma só, e é uma mensagem dirigida a todos, por igual. Ninguém tem o direito de fazer com este livro o que bem entende. Deus é o Senhor deste livro. Cristo é o seu conteúdo. O Cristo, ainda encoberto no Antigo Testamento, e revelado no Novo. Assim, ao lermos a Bíblia com fé, vamos notando que já não são as letras dela que falam. É Deus mesmo que nos vai chamando, que nos vai orientando, consolando e fortalecendo. É por isso que o evangelista João chama Jesus de «Palavra de Deus», ou «Verbo de Deus». É importante que o compreendamos: A Bíblia não é nenhuma coleção de sabedorias religiosas ou de doutrinas a respeito de Deus. Nela se revela o próprio Deus pessoal. O Deus, que em Cristo se tornou homem.
Quantas bíblias há? — Uma só, como acabamos de dizer. E, no entanto, de certa forma podemos afirmar que há duas bíblias. Ou, ao menos, que há uma cópia viva da Bíblia Sagrada, um espelho, no qual se reflete o evangelho. Esta cópia, este espelho, esta explicação viva da Escritura Sagrada são os cristãos. O apóstolo Paulo chegou a escrever à comunidade de Corinto ( 2 Co 3.2-3 ) : «Vós sois a nossa carta, escrita em nossos corações e lida por todos os homens, estando já manifesta como carta de Cristo, escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivente.»
Houve quem disse que hoje em dia os descrentes não são mais convertidos com a simples leitura da Bíblia Sagrada Que eles são convertidos com a leitura daquela carta de Cristo, que é uma comunidade viva, criada e guiada por seu Espírito. Não vou dizer que aqueles que assim falam estejam com toda a razão. Eles só têm razão em parte. Porque ninguém deve separar estas duas cartas: A carta da Bíblia, documento dos grandes feitos de Deus no passado, e a carta viva de uma comunidade onde o mesmo Deus hoje vai realizando e cumprindo suas promissões e onde vai escrevendo sua vontade nos corações de seus filhos. Deus não tem duas vontades diferentes. Ele tem uma vontade só. A vontade de Deus revelada na Escritura Sagrada é a mesma que ele manifesta através de suas cartas escritas hoje, nos corações dos crentes, através de seu Espírito Santo. E sempre que estas duas cartas não combinarem, devemos ficar alertas. Então há algo errado, ou com nossas vistas, que talvez se tornaram fracas ou míopes e que não enxergam mais direito o que vem escrito na Bíblia, ou, então, a carta de Cristo ao mundo, a carta viva, que é a sua comunidade, foi sendo borrada, manchada e tornada ilegível pela descrença.
Vejamos o que o apóstolo Paulo diz em nosso trecho bíblico que temos lido há pouco. Talvez leiamos mais uma vez a passagem toda, bem atentos ao que ele diz das «duas cartas» de que falamos.
Notamos que na primeira parte de nosso trecho, Paulo fala de si mesmo, de seu ensino, seu procedimento, sua paciência, seu amor, sua fidelidade. Fala de seus sofrimentos e da perseguição que sofreu. Diz que todos os que querem servir a Cristo, sofrem contrariedades e perseguição. Quem não conhece bem as cartas do apóstolo, até poderia pensar que ele se vai pregando a si mesmo, colocando a sua própria pessoa como exemplo a ser imitado. Mas isto, em realidade, não acontece. Na mesma carta aos Coríntios (2,4,5), da qual já falamos, Paulo diz: «Não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor, e a nós mesmos como vossos servos por amor de Jesus.» Pois é isso mesmo que nós precisamos enxergar para entendermos bem esta passagem. Paulo não se prega a si mesmo. Ele apenas descreve um servo de Jesus Cristo. Nada mais e nada menos. Ele diz a verdade. Não exalta a sua própria pessoa. Ele exalta Jesus Cristo, seu Senhor. Exalta-o com sua vida e com seu testemunho. Paulo passou a ser uma carta viva de Jesus, que podia ser lida e entendida até por analfabetos. Porque quem via a sua fé, sua paciência, sua firmeza na perseguição — ele era levado a perguntar: De onde este homem tem tudo isso? De: onde ele recebe a sua força? Qual é o segredo de sua vida? Por que ele é diferente dos homens «perversos e impostores que irão de mal a pior, enganando e sendo enganados»? E se houver, na vida de Paulo, um passado escuro (e sabemos que houve mesmo), que aconteceu com ele? — E então os que liam esta carta, a saber, a vida de Paulo, daquele Paulo regenerado, nascido de novo pelo Espírito de Deus — eles iam sendo atraídos, puxados realmente, para junto de Jesus. Quer dizer que não ficavam agarrados ao servo de Jesus, que era Paulo, Eles não eram cegos! Viam bem que este homem, por natureza, era um pecador. Paulo mesmo não o negava que era um homem com defeitos e fraquezas, um homem como eles mesmos, Mas eles viam o que Cristo tinha feito dele e o que ele continuava fazendo dele e por ele. E assim eles liam nesta «bíblia», nesta carta manifesta de Cristo e passavam a procurar a fonte, da qual se alimentava aquele servo de Jesus.
E é o próprio Paulo, que lhes indica esta fonte. Ele escreve a seu jovem amigo Timóteo: «Desde a infância conheces as Sagradas Letras (isto é, a Bíblia, no caso, o Antigo Testamento), que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus.» .
Aqui temos a chave para a compreensão de nossa passagem bíblica. O servo de Jesus dá o testemunho de sua vida. Ele deixa ler os outros a carta que Jesus escreveu através do trabalho, do testemunho, do amor, do serviço obediente de seu servo Paulo. Mas não fica por aí. Ele leva os seus irmãos a beberem da mesma fonte, da qual ele bebeu, e da qual ainda está bebendo. Se não fizesse isso, se apenas convidasse as pessoas a beberem do copo dele, ele não iria longe. O seu copo ficaria vazio. Ele acabaria não tendo mais água nem para si mesmo.
Os que distribuem água em tempo de seca precisam ir à fonte mais vezes do que qualquer outra pessoa. Mas não basta que eles vão para matarem a própria sede e para irem buscar água para outros. Eles precisam mostrar o caminho para a fonte a todos os sedentos. Senão eles acabam se matando, de tanto correr para cá e para lá. Foi isto mesmo que Paulo fez com Timóteo, Ele lhe indicou o seu exemplo. Deixou que lesse aquela carta viva de Cristo. Mas não parou nisso. Indicou-lhe a fonte, a Sagrada Escritura, e o Senhor desta Escritura, o próprio Deus, revelado em Jesus Cristo. «As Sagradas Letras podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Jesus Cristo.» Entendamos bem: Ele não diz que a Bíblia salva. Diz que a salvação vem pela fé em Jesus Cristo. Mas a leitura da Bíblia nos torna sábios para esta salvação. E isso realmente não é pouco.
Tendo entendido isto, não nos vamos mais chocar com aquilo que Paulo continua dizendo que a Escritura é «inspirada por Deus e útil para o ensino e para a educação na justiça. . .». Ele não nos convida a brigarmos por causa de letras e palavras da grande carta de Deus. Não nos permite jogar uma passagem contra a outra, nem apoiar uma passagem com a outra, como se a Bíblia necessitasse de inspiração por parte de nós. Anuncia que Deus é o Senhor de toda a Sagrada Escritura e que importa acharmos, ouvirmos e obedecermos a Ele, que nos vai falando através da mensagem que inspirou. Quer que leiamos os detalhes da Grande Carta — mas não quer que nos fixemos em detalhes, perdendo de vista o centro da Bíblia. Pois o centro da Bíblia é a comunicação de que Deus nos ama. Que ele deu o seu próprio Filho para que nós, os perdidos, pudéssemos ser salvos. Essa é a mensagem resumida da Bíblia — é o todo dela. É a mensagem inspirada que ela contém. Mensagem que realmente é infalível, A gente se pode fiar nela. É palavra de Deus. Palavra de Deus, que não engana ninguém. Porque Deus é o Deus da Verdade.
E o que tudo isso tem comigo? Muito. Entendendo que a Bíblia é realmente a carta de Deus para o mundo todo, ela também o é para mim. Desprezando este livro, não abrindo e não lendo a carta de amor que Deus dirigiu a mim, estarei desprezando o próprio Deus.
E a carta de Cristo, escrita pelo Espírito Santo nos corações dos cristãos? Não a poderei desprezar tampouco. Será para mim uma questão de vida ou de morte — seguir ou não seguir o exemplo dos servos de Jesus, em cuja vida eu estou lendo, como se fosse uma carta aberta. Será decisivo para mim que eu aprenda a ler esta carta viva de Cristo, conferindo o resultado da leitura com o que Deus me diz na Bíblia Sagrada.
E afinal, o que importa, é que eu mesmo me torne uma tal carta de Cristo — uma bíblia viva — que, com seu exemplo e com sua obediência oferece orientação e apoio àqueles que estão tateando no escuro, Há pessoas que estão desejando ardentemente ler uma tal carta, não borrada, não falsificada, simples e clara — um comentário vivo da grande carta de amor de Deus, a Sagrada Escritura.
Oremos: Senhor, nós todos, que temos o nome de cristãos, deveríamos ser cartas abertas, em que o mundo pudesse ler com clareza a tua vontade. Temos de confessar-te, humildes, que muitas vezes somos cartas fechadas ou borradas. Perdoa-nos, Senhor. Santifica tu a nossa vida. Faze-nos viver de tua palavra. Dá-nos comunhão contigo e com teu povo. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS