Prédica: 2 Coríntios 12.2-10
Leituras: Ezequiel 2.1-5 e Marcos 6.1-13
Autoria: Claiton André Kunz
Data Litúrgica: 7º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 08/07/2018
Proclamar Libertação - Volume: XLII
1. Introdução
Paulo provavelmente escreveu a Segunda Carta aos Coríntios na Macedônia, em 55/56 d.C. A carta foi escrita para a igreja de Corinto, formada por cristãos gentílicos, que tinha sido fundada por ele em 49/50 d.C., em sua segunda viagem missionária. Ela era constituída em grande parte por gentios pouco familiarizados com o Antigo Testamento e seus costumes morais e religiosos eram o oposto dos princípios cristãos. Por isso era preciso muito trabalho e ensino para levá-los à maturidade espiritual (1Co 3.1-3). Corinto era a capital da província da Acaia, cidade portuária aberta ao mundo. Seus moradores eram provenientes de todas as camadas sociais, culturais e religiosas.
Antes da Primeira Carta aos Coríntios, Paulo já tinha lhes escrito uma carta (conhecida como “Carta Perdida” – 1Co 5.9). O conteúdo total dessa carta não é nem será totalmente conhecido, visto ela ter se perdido, mas sabe-se, pela própria citação de Paulo, que condenava a prostituição que existia no meio deles.
Timóteo leva a primeira carta de Paulo a Corinto com o objetivo de regularizar a situação o quanto antes. Parece que isso não aconteceu. Por isso Paulo viaja para colocar as coisas em ordem. Conclui-se de 2 Coríntios 12.14; 13.1 (onde Paulo anuncia sua terceira viagem a Corinto) que essa tenha sido uma viagem intermediária, que Atos não menciona. Essa visita não foi feliz (2Co 2.1ss). Há um incidente lamentável, em que Paulo é injustiçado. Levanta-se forte oposição contra ele (2Co 1.15ss; 3.1; 5.11; 6.3-4; 7.2; 12.16; 10.10s; 11.6; 12.12; 13.3).
Paulo lhes escreve, então, uma carta severa, que é chamada de “carta de lágrimas” (2Co 2.3-4; 7.8) que, como a primeira, se perdeu. Provavelmente foi Tito quem levou essa carta (2Co 7.14ss). Tito volta e traz notícias de Corinto, dizendo que a igreja está arrependida (2Co 7.6-16). Mesmo assim, nem todos os problemas tinham sido resolvidos. Por isso Paulo envia a segunda carta, novamente através de Tito (2Co 8.16s) e nessa carta anuncia a sua terceira visita.
Todo aquele que precisa de motivação e novo ânimo para o trabalho vai achá-los nessa carta. Mas Paulo não esconde o fato de que o ministério traz sacrifícios, privações, hostilidades e sofrimentos. A Segunda Carta aos Coríntios foi escrita para se defender, não só contra as críticas ocasionais da igreja de Corinto, mas também contra as calúnias e acusações que os seus inimigos lhe dirigiam onde quer que pregasse. Especialmente os capítulos 10 a 13 são uma defesa de sua autoridade apostólica.
2. Exegese
Algumas observações exegéticas do texto de 2 Coríntios 12.2-10.
v. 2: Faz parte do estilo rabínico colocar uma palavra impessoal, como, por exemplo, “homem”, no lugar da primeira pessoa quando o autor fala de si mesmo. Quando fala que aconteceu há 14 anos, é provável que tenha acontecido no período em que esteve em Tarso (At 9.20; 11.25), do qual não temos muitas informações.
v. 3: Paulo fala sobre sua visão e declara que não sabe se de fato aconteceu.
v. 4: A expressão paraíso é o equivalente ao terceiro céu (v. 2). A expressão deve designar o céu mais elevado, onde está a presença de Deus. A expressão “palavras inefáveis” (arreta remata) é um antigo adjetivo verbal que ocorre somente aqui no Novo Testamento e era usado com o sentido de “segredos divinos”, ocultos aos seres humanos.
v. 5: Nesse homem me gloriarei, mas não em mim mesmo... Fala-se como se houvesse dois Paulos: aquele que teve o privilégio de ter uma experiência com Deus há 14 anos, e aquele que reconhece as suas fraquezas (cf. 11.30).
v. 6: A expressão não seria insensato (tolo) parece uma contradição aos versos 11.1 e 11.16, mas aqui em 12.6 está falando do Paulo arrebatado. O termo grego aphron significa falta de sanidade e sobriedade mentais, um hábito mental sem controle.
v. 7: “Um espinho na carne”. O termo grego skolops é uma palavra antiga e pode significar lasca, estaca ou espinho. Em papiros e inscrições antigos aparece tanto com o significado de lasca como de espinho, mas na LXX aparece normalmente como espinho. Ainda há quem defenda que a tradução possa ser uma estaca para torturas ou vara de madeira pontiaguda. Muitos irão defender de que se trata de uma enfermidade física persistente, aparecendo todo tipo de teoria (malária, problemas de visão, epilepsia, insônia, dores intensas de cabeça etc.). Parece confortante não sabermos exatamente qual a aflição em particular que assolava a Paulo, pois muitos cristãos também têm seus “espinhos” particulares. Quando Paulo afirma que era um mensageiro de Satanás (angelos Satana), deixa claro que era uma aflição personalizada. Esse espinho/mensageiro de Satanás foi enviado para o atormentar/golpear (kolaphizei). O tempo presente do verbo refere-se a um acontecimento constante e recorrente. Essa palavra não é frequente no Novo Testamento e deriva de kolaphos (punho). Pode ser comparada com textos de Mateus 26.67 e 1 Coríntios 4.11. O mensageiro de Satanás persistia em golpear Paulo no rosto, mas parece que ele entende que era a vontade de Deus que assim fosse.
v. 8: Na expressão “que o tirasse de mim” (hina apostei aph’ emou), o verbo aphistemi está na voz ativa do segundo aoristo do subjuntivo, e a ideia é “que o aparte de mim definitivamente”.
v. 9: A expressão “Mas ele me disse” está com o verbo eireken, na voz ativa do perfeito do indicativo, como se fosse a última palavra de Deus sobre o assunto. Mas, ao mesmo tempo, deve ser entendida como uma palavra permanente de consolo e segurança (minha graça é suficiente para você). O termo para “aperfeiçoar” é teleitai e está no presente do indicativo passivo, ou seja, o tempo presente enfatiza a ação contínua de forma que o poder está sendo aperfeiçoado na fraqueza. Paulo fala então que o poder de Cristo “repouse” sobre ele. Para isso utiliza o termo episkenosei. Pode ser uma referência à glória de Deus habitando na tenda ou no tabernáculo. Paulo poderia estar dizendo que o poder de Deus desceu sobre ele e fez sua morada no frágil tabernáculo de seu corpo físico.
v. 10: Por isso... regozijo-me. Os inimigos de Paulo terão dificuldades na sua intenção de atacá-lo, pois mesmo nos insultos, perseguições e angústias, Paulo se alegra.
3. Meditação
O apóstolo Paulo, ao escrever aos cristãos coríntios, diante das críticas e oposições recebidas, passa a defender o seu apostolado. Ao fazê-lo, nos ensina como Deus lida com o ser humano em diferentes situações. Podemos perceber neste texto três formas de Deus agir conosco.
a) Um Deus que exalta (v. 2-6): Em meio à série de argumentos da defesa de Paulo, ele avisa que passará agora às visões e revelações que Deus havia lhe dado (v. 1). Pelo contexto todo das cartas paulinas e também dos relatos sobre sua vida, no livro de Atos, sabemos que Paulo não buscava honras humanas. Entretanto, deixava que Deus o honrasse. E Deus fez isso dando-lhe visões e revelações. Conforme o livro de Atos, podemos ver que em sua conversão havia visto o Cristo glorificado (At 9.3; 22.6), teve a visão de Ananias ministrando a ele (At 9.12), a visão de Deus chamando-o a pregar aos gentios (At 22.17), a visão do chamado para ir à Macedônia (At 16.9), além de várias visões de encorajamento (At 18.9; 23.11; 27.23).
Mas aos coríntios, entre os quais muitos o criticaram e menosprezaram, ele compartilhou uma experiência especial dada a ele por Deus. Foi uma experiência tão especial e maravilhosa que o apóstolo nem sequer tinha conhecimento se havia sido levado fisicamente ao céu ou se seu espírito havia deixado o corpo físico. Ele afirma duas vezes se foi no corpo, ou fora do corpo, não sei; Deus o sabe (v. 2 e 3). Um contraste no mínimo interessante: uma vez foi descido numa cesta como fugitivo; outra vez é arrebatado ao terceiro céu.
É interessante que Paulo guarda essa informação para si durante 14 anos sem compartilhá-la. Deus o honrou e exaltou, levando-o ao paraíso, permitindo que ouvisse “palavras inefáveis”, coisas que ao ser humano não é permitido falar. Parece que Paulo ouviu segredos divinos compartilhados no céu; coisas proferidas por Deus e pelos seres celestiais, mas impronunciáveis pelos seres humanos. Uma honra como essas teria enchido a maioria das pessoas de orgulho. Dificilmente alguém conseguiria fi car 14 anos calado, sem espalhar algo assim imediatamente para o mundo todo. Mas Paulo prefere não se vangloriar. Apenas fala a verdade e deixa os fatos falarem por si mesmos.
b) Um Deus que humilha (v. 7-8): Deus sabe como equilibrar as coisas em nossa vida. Se tivermos apenas bênçãos, poderemos nos tornar orgulhosos. Assim, ele permite que também tenhamos algumas lutas. A maravilhosa experiência de Paulo no céu poderia arruinar o seu ministério na terra. Por isso Deus permite um espinho na carne de Paulo a fim de evitar que se orgulhasse.
O sofrimento também pode ser um instrumento de Deus para construir o nosso caráter (Rm 5.1-5). Como Deus havia feito no caso de Jó (Jó 1 e 2), agora também permite que Satanás afligisse a Paulo. Apesar de não entendermos plenamente a origem do mal no universo nem os propósitos de Deus ao permitir que o mal viesse a existir, sabemos que Deus controla o mal e que pode usá-lo inclusive para glorificar a si mesmo. Satanás não pode afligir um cristão sem a permissão de Deus. Assim, qualquer coisa que Satanás tenha feito a Jó ou a Paulo estava dentro da permissão divina.
Não temos condições de determinar exatamente o que era o “espinho na carne” de Paulo. O termo pode significar uma estaca afiada usada para tortura. Parece que se tratava de uma aflição física de algum tipo que causava dor e agonia ao apóstolo. Desta forma, Satanás recebe permissão para “esbofetear” Paulo. A expressão significa “bater, acertar com o punho” e o tempo verbal indica que era algo constante e repetitivo.
Há quem pregue hoje em dia afirmando que quem tem fé em Deus nunca ficará doente. Há quem acredite inclusive que alguém que está doente ou aflito envergonha o nome de Deus. Entretanto, quando lemos sobre a vida de Paulo, entendemos que Deus não promete tornar os cristãos imunes a enfermidades e sofrimentos.
Que contraste entre as duas experiências de Paulo! Ele passou do paraíso à dor, da glória ao sofrimento. Provou as bênçãos de Deus no céu e os golpes de Satanás na terra. Aprendeu que as duas coisas podem andar juntas.
c) Um Deus que sustenta (v. 9-10): Quando Paulo pede a Deus que tire o espinho de sua carne, a resposta do Senhor é contundente: minha graça te basta (é suficiente). O tempo verbal da expressão ele me disse denota que a palavra de Deus era definitiva, de uma vez por todas. Em meio a toda aquela situação de sofrimento, a graça de Deus era suficiente para o apóstolo. Se a sua graça é suficiente para nos salvar, também será suficiente para nos guardar e fortalecer em meio aos sofrimentos. Muitas vezes Deus nos permite enfraquecer, para que possamos receber a sua força. Deus não remove a aflição, mas nos dá sua graça, de modo que a aflição trabalhe em nosso favor e não contra nós. Assim, Paulo descobre que o espinho na carne era uma dádiva de Deus.
Deus sabe equilibrar em nossa vida as bênçãos e os fardos, o sofrimento e a glória. Nem toda enfermidade é causada pelo pecado. Na verdade, a maior enfermidade que temos é o pecado e o pior pecado é o orgulho. Por isso Deus precisa dosar algumas coisas em nós para que aprendamos a nos submeter a ele e desfrutar de sua graça. É uma grande ironia Deus ter usado Satanás, o mais orgulhoso de todos os seres, para conservar a humildade de Paulo.
4. Imagens para a prédica
“Usa-me, meu Salvador, para qualquer propósito, em qualquer terreno, conforme a tua vontade. Eis aqui meu pobre coração, um vaso vazio; enche-o com tua graça. Eis aqui minha alma pecadora e aflita; desperta-a e refresca-a com teu amor. Toma o meu coração para tua morada; a minha boca para divulgar a glória do teu nome; meu amor e todos os meus recursos, para o progresso da obra cristã. Não permitas que minha fé jamais se enfraqueça ou diminua, de modo que, seja quais forem as circunstâncias, eu possa dizer: ‘Jesus precisa de mim e eu dele’” (Dwight L. Moody).
“A melhor maneira de veres a luz divina é apagar tua própria vela” (Francis Quarles).
“As partes mais baixas da terra são quentes e férteis; as montanhas imponentes são frias e estéreis” (Spiros Zodhiates).
(Apud Blanchard, 1993.)
5. Subsídios litúrgicos
“Foi o orgulho que transformou anjos em demônios; é a humildade que faz homens serem como anjos” (Agostinho).
“Deus pensa mais no homem que pensa menos em si” (J. Blanchard).
“Se aprendêssemos a humildade, ela poderia poupar-nos da humilhação” (Vance Havner).
“Da mesma forma como o primeiro requisito de uma conversão sadia é o pecador perder a esperança de qualquer ajuda que possa prestar a si próprio, a perda de toda confi ança em si mesmo é o primeiro elemento essencial para que o crente cresça em graça” (A. W. Pink).
“Quanto mais elevado estiver o homem na graça, menor ele será a seus próprios olhos” (C. H. Spurgeon).
“Humildade é aquela virtude que, quando você percebe que a tem, já a perdeu” (Andrew Murray).
“Da mesma forma como o orgulho foi o princípio do pecado, a humildade deve ser o princípio da disciplina cristã” (Agostinho).
“Para os que desejam aprender os caminhos de Deus, a humildade é a primeira, a segunda e a terceira lição” (Agostinho).
“Não acredite que a religião lhe tenha feito algum bem, a não ser que você tenha um conceito elevado dos outros e inferior de si mesmo” (Jeremy Taylor).
“Erra quem pensa que fé e humildade são incompatíveis; não somente combinam como não podem ser separadas” (Robert Traill).
(Apud Blanchard, 1993.)
Bibliografia
BLANCHARD, John. Pérolas para a vida: pensamentos para sermões e palestras. São Paulo: Vida Nova, 1993.
ROBERTSON, Archibald Thomas. Imágenes verbales en el Nuevo Testamento. Barcelona: CLIE, 1989. (Tomo 4 – Las epístolas de Pablo).
WIERSBE, Warren W. Comentário bíblico expositivo: Novo Testamento 1. Santo André: Geográfica, 2006.
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