1 Pedro 4.7-11 - Cabeça fria - Coração quente

Prédica

03/02/1979

CABEÇA FRIA - CORAÇÃO QUENTE
1 Pedro 4.7-11 ( Leitura: Salmo 1) 

É uma afirmação realmente estranha, aquela que o apóstolo Pedro vai fazendo aí: «O fim de todas as coisas está próximo; sede, portanto, criteriosos e sóbrios a bem de vossas orações.» Com outras palavras: «O fim do mundo está perto. Por isso tenham juízo e vivam de cabeça fria para poderem orar.» À primeira vista, aí não parece ter nenhuma lógica. Quando alguém sabe que o mundo vai acabar, que tudo vai desabar mesmo, então parece mais natural que ele entre em pânico. Que perca a cabeça, fique confuso e amedrontado. Que adianta ter juízo, ser criterioso e tudo mais, se o mundo vai acabar mesmo? Se a situação for essa, não valerá antes o ditado: «Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos,»? Não será muito mais lógico, dizer: «Já que a humanidade não tem futuro, já que no horizonte estão aparecendo os sinais da Terceira Guerra Mundial, que necessariamente vai acabar com a humanidade — vamos tomar drogas, vamos embriagar-nos para não sermos lembrados a cada instante da situação desesperadora em que nos encontramos. Vamos falar de futebol, e de nada mais. Vamos pular o carnaval, vamos esquecer a realidade ao menos, o quando der!» 

O autor de nosso texto tem uma visão diferente. Para ele, «o fim de todas as coisas» não inspira pânico nem confusão mental. Para ele, o fim das coisas não é o fim da esperança. Pelo contrário: é o fim da perversidade, da injustiça, do sofrimento, o fim das potestades das trevas e dos poderes do mal. O fim de todas as coisas é o começo do Reino de Deus, é a vinda de Jesus Cristo em poder e glória. Por isso tal fim o leva a orar. Por isso tal fim o leva a servir. 

Você compreende, caro irmão, cara irmã, que uma tal visão do fim de todas as coisas realmente modifica tudo. Quem vê o fim do mundo, o fim da vida, o fim da história de tal maneira, ele poderá olhar o futuro com esperança. Ele deixa de ser paralisado pela incerteza e pela preocupação. Poderá agir sem angústia, de cabeça fria e de coração quente. Sim, é isso mesmo o que Pedro sugere: cabeça fria e coração quente: «Sede criteriosos e sóbrios» — isso é cabeça fria. E «tende amor intenso uns para com os outros» — isso é coração quente. É uma imagem muito boa que convém guardar na memória. Cristãos japoneses têm dito que o crente é como o monte de Fujijama no Japão: É um antigo vulcão que por dentro ainda conserva o seu calor de origem. Mas o topo da montanha está coberto de gelo e de neve. Cabeça fria e coração quente! Quem dera que pudéssemos viver e agir sempre assim! Quantas vezes é bem o contrário que acontece: Agimos de cabeça quente e de coração frio. Queimamo-nos e irritamo-nos com ninharias, e temos o coração frio e indiferente, quando deveríamos arder por dentro, em vista do sofrimento e da miséria que nos rodeia! 

«Sede mutuamente hospitaleiros, sem murmuração.» Isto é: «Mantenham suas casas abertas uns aos outros, sem reclamar, quando um irmão vem procurá-los para parar junto a vocês.» Não se isolem, não se fechem em suas casas, vivendo cada um só para si mesmo. Deus nos deu só pouco tempo para viver e servir. Os dias do mundo são contados, e os nossos próprios dias são contados também. Vamos aproveitar este tempo: Ele é a última oportunidade que Deus nos dá neste mundo para erguer sinais do novo céu e da nova terra — já neste mundo conturbado e condenado — sinais de fé, de amor e de esperança para os que vivem tateando no escuro! 

«Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.» O dom que recebemos: É o talento, é a capacidade que Deus coloca em nós. Não apenas o dom natural: o jeito para costurar ou para fazer funcionar uma máquina emperrada, o dom de falar ou de organizar. É também o dom espiritual, que os cristãos nem sempre tem «por natureza», Por sua graça, Deus vai criando, naquele que cré em seu Filho Jesus Cristo, os dons de que o seu povo precisa: O dom de anunciar o evangelho, o dom de confortar, o dom de profetizar, o dom de administrar, o dom de despertar outros dons — e quantos dons forem necessários para a edificação da comunidade de Jesus no mundo. Estes dons nos vão sendo dados para servir. Não nos são dados para nos engrandecermos ou nos exibirmos a nós mesmos, É como no corpo humano: A mão vai desenvolvendo o seu dom, vai crescendo junto com o corpo; ela existe para servir aos outros membros, assim como ela precisa do serviço dos pés, dos olhos, dos ouvidos, da boca. Se um membro tiver um crescimento anormal, acima das necessidades do corpo, então será sinal de alarme e de preocupação. Poderá ser um câncer que está crescendo aí, que torna o membro imprestável para o serviço e que põe em perigo o corpo inteiro. 

«Servi — como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.» O que é a multiforme graça de Deus, nós entendemos. A graça de Deus tem muitas formas e muitas maneiras de se manifestar. Ela não usa uniforme, nem está amarrada a batinas. Ela não vem bitolada nem bitola ninguém. Ela se manifesta de mil maneiras. Deus está livre de se manifestar como quer, e ele revela a sua luz em toda a escala de cores do arco-íris. Louvado seja nosso Senhor, por ser um Deus da plenitude, que derrama sua graça a sua luz em toda a escala de cores do arco-íris. Louvado seja nostransforma, mas que nos deixa ser nós mesmos, que não nos força a imitarmos outra criatura. 

Mas esta multiforme graça de Deus requer bons despenseiros. Que será um despenseiro, um bom despenseiro? Poderíamos dizer que é um mordomo, um bom mordomo. Mas essa palavra também é de difícil compreensão. Um capataz, então — um capataz honesto e responsável? O termo capataz seria bom, se a gente não pensasse logo em um homem que manda, que resolve o que os outros vão fazer. Um despenseiro, como vem sendo entendido no Novo Testamento, é, antes de tudo, um servidor de outros servidores. É uma pessoa que se sente responsável pela casa em que vive. Não se sente patrão da casa. O patrão é o Senhor, é Jesus Cristo. Mas, por outro lado, é sua casa, a casa do mordomo. É casa do despenseiro por ser casa do Senhor. Pois o despenseiro vive em comunhão com seu Senhor. Ele vive em constante contato com ele. Fala com ele sobre tudo o que acontece na casa. Não vive «por fora». Não é como um visitante que se hospeda na casa, hoje, para amanhã seguir adiante. Também não é como um criado que trabalha só pelo dinheiro. 

É algo abençoado, é uma graça mesmo, quando uma comunidade cristã conta com bons despenseiros. Com membros que não só estão por dentro das coisas, mas que também se sentem responsáveis por tudo o que acontece na casa de Deus. Que veem onde os trincos das portas estão soltos e onde as vidraças estão sujas. Que sabem dizer a um visitante quem é o dono da casa e por que lhe servem. Que sabem dizer o que o pessoal da casa está fazendo. Para usar uma comparação: Você se quer hospedar num hotel, numa cidade desconhecida. Entrando no saguão, você não enxerga ninguém e fica sem saber o que fazer. De repente aparece um moço com uma pasta na mão, e você, feliz da vida, se dirige a ele, perguntando, se há lugar no hotel e qual é o preço de um quarto. Mas o moço diz, encabulado: «Olhe, freguês, eu não sei informar, não. Eu paro aqui, mas é só para dormir. Sou apenas um hóspede.» — Se você tiver sorte, porém, vai encontrar um despenseiro mesmo, um homem que se identifica com a casa — seja o gerente, seja um funcionário qualquer. Ele se interessará por você. Saberá informar com exatidão; poderá dizer, quais são os quartos mais baratos e onde se escuta menos barulho, de noite. Ele dará uma mão para carregar a pesada mala, escada acima, e também vai ajudar-lhe a encontrar o endereço daquele amigo que você gostaria de visitar. O despenseiro gosta de seu serviço. Gosta do hotel, porque gosta do patrão. Ele não atende você de carranca, como se tivesse acabado de beber vinagre. Ele faz questão de que você goste da casa. É um despenseiro bom e fiel mesmo. 

Você conhece tais despenseiros, na casa de Deus? Houve um, quem sabe, que lhe ajudou a se sentir em casa — lá onde ele mesmo estava morando e servindo? E você mesmo se tornou despenseiro na comunidade de Jesus Cristo — ou você se sente apenas como visitante? Quantos assim chamados membros, nas comunidades cristãs, destinados a serem despenseiros fiéis e responsáveis. não passam de visitantes, de turistas de domingo! Fazem uma visita à igreja, frequentam o culto — mas não participam dele. Não se envolvem na vida da comunidade. Quando alguém lhes pede uma informação, dão de ombros, dizendo: «Desculpe, eu estou por fora, isso é com o pastor, ou com fulano e sicrano.» O que procura na casa e Deus, um homem que não quer nada com nada? 

Que Deus nos dê despenseiros aos milhares! Que ele transforme a multidão de turistas dominicais em mordomos fiéis, que realmente estão por dentro das coisas que acontecem na casa de Deus. Membros vivos, de coração quente, de cabeça fria e ventilada, de pés ágeis e de mãos prontas. Despenseiros que falam e agem conforme o Senhor fala e age, guiados por sua autoridade e por seu poder. Que assim seja, comigo e com você, como Pedro diz no último versículo de nossa passagem; «Se alguém fala, fale de acordo com as palavras de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus fornece, para que em todas as coisas seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio, pelos séculos dos séculos. Amém.» 

Oremos: Benigno e misericordioso Deus, nosso Pai por Jesus Cristo. Nós te agradecemos por já não precisarmos viver em tua casa como hóspedes e forasteiros, mas que podemos viver nela como membros de teu povo, como irmãos de Jesus, como teus filhos amados. Ajuda-nos a vivermos realmente como teus familiares. Dá-nos fé em teu poder e em teu amor para que possamos vencer toda a estranheza e timidez. Sim, faze-nos vencer aquela frieza e aquela indiferença que nos paralisam e que não nos deixam servir com alegria. Transforma-nos, cada dia mais, em despenseiros responsáveis. Quando tu vieres erguer o teu Reino de glória, Senhor Jesus, que nos encontres como servos fiéis que te aguardam com alegria. Amém.

 Veja:

Lindolfo Weingärtner

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

Editora Sinodal

São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Pedro I / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 11
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19698
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