1 João 4.18

Prédica

04/06/1972

1 João 4.18
1º. domingo após Trindade 

No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. 

Meus caros irmãos e irmãs: 

No amor não existe medo. Curioso, não? No amor. Como se o amor fosse um lugar, um recinto, uma casa, onde se pode estar e morar, sentar-se, ficar parado, andar. Existe uma série de expressões, semelhantes, na Bíblia. Por exemplo: na fé, no espirito, no Senhor, em Cristo. E sempre se trata de uma espécie de localização. Continuemos com a comparação: no amor - como se fosse uma casa. E nessa casa existe um regulamento, existem estatutos. E neste regulamento encontra-se a seguinte frase, como parágrafo 19: no amor não existe medo. Ou seja: nessa casa não há lugar para o medo. O medo está excluído. A gente quase poderia lembrar-se dos avisos nos ônibus: é proibido fumar. Ou então, dos cartazes à frente das construções: proibida a entrada de pessoas estranhas ao serviço. Mas o que nós ouvimos não é apenas uma proibição. No amor não existe medo. É uma constatação. O amor expulsa o medo; é como se uma janela fosse aberta e a correnteza do ar purificasse a atmosfera de uma sala. É como no teatro, quando se apagam as luzes, o pano se abre e os expectadores param de conversar. No amor não existe medo: um bom parágrafo 19 de bons estatutos de uma boa casa. 

Contudo, para se entender o significado dessa afirmativa, será necessário considerar o que subentendemos por amor. Na melhor das hipóteses, o amor humano é uma relação entre pessoas. Esse relacionamento faz com que as pessoas não se encontrem mais distantes, não sejam mais estranhas entre si, nem tampouco indiferentes ou desagradáveis. Pelo contrário, quando acontece o amor, é sinal de que seres humanos se conheceram, se entendem, sentem confiança mútua, se gostam. Gostam tanto uns dos outros que já não conseguem mais viver separados, existe uma atração, existe um desejo de aproximação. Amor existe quando seres humanos vivem uma existência comum, quando se oferecem um ao outro, mutuamente. 

Não é belo isso, o amor? Talvez seja até quase belo demais. Pois - não é mesmo - na vida real só existe amor parcial, só existe um pouco de amor, uma vez ou outra. A rigor, raramente. O amor que se conhece e vive tem pouca se-melhan9a com aquilo que poderia e deveria ser o amor. É uma espécie de fotografia ruim, na qual só com certo esforço se reconhece o retrato. E talvez haja entre nós quem desejasse dizer: isso que você descreveu como sendo o amor, não existe em minha vida. Ninguém me ama. E eu também não amo ninguém. Muito menos da maneira como foi dito. Eu me sinto só, totalmente sozinho em um mundo sem amor, onde as pessoas vivem afastadas entre si, são estranhas umas às outras, onde as pessoas vivem umas sem as outras, umas contra as outras. 

Uma coisa é certa: esse amor, ou seja, isso que nós entendemos por amor quando pronunciamos essa palavra, isso que nós conhecemos ou não, esse amor humano, não expulsa o medo. Na casa desse amor existe medo, também na melhor das hipóteses: medo de decepções e desilusões, medo de que um pudesse perder o outro, medo do próprio passado que acompanha nossos passos como uma sombra, medo do futuro que avança em nossa direção, medo das pessoas e medo de si mesmo, medo da morte. A casa desse amor, apesar disso, pode ser bonita, pode-se viver razoavelmente nela. Mas não é a casa com o regulamento que diz: no amor não existe medo. 

Nosso texto refere-se a uma outra casa, a um amor que é perfeito, que existe em abundância (não apenas em partes), um amor que permanece, que não é passageiro, um amor no qual não existe medo. Os mais tristes entre nós deveriam prestar atenção. Esse outro amor também é uma relação. Mais do que isso: é uma aliança, um pacto, um acordo permanente: Quem faz essa aliança, esse pacto? Deus, o Senhor — livre e soberano, que nada deve a ninguém, que de ninguém precisa. Ele faz e mantém essa aliança. Com quem? Conosco. Esse pacto foi feito entre Deus e você e eu e todos nós.
Por que, afinal? Terá Deus baseado sua decisão no fato de sermos pessoas tão finas, tão boas, tão barra limpa? Não, ninguém de nós é isso. Terá Deus necessidade de nós? Não. Deus não precisa de nós para alcançar Seus objetivos. Serão nossas boas intenções, então, a razão? Teremos nos tornado merecedores de um acordo, por uma razão ou outra? Não. Nós nada merecemos e nossas intenções nem são tão boas assim. Deus fez uma aliança conosco porque essa é a sua livre, espontânea, bondosa, misericordiosa, santa vontade. Deus age gratuitamente. Isso é o amor: não que nós tenhamos amado a Deus, mas sim, que Ele nos amou. E Deus provou-nos o Seu amor, justamente por não querer existir sozinho, para si mesmo, nas alturas, Deus provou que nos ama, vindo até nós, tornando-se igual a nós, nosso próximo, nosso ir-- mão. A criancinha na manjedoura de Belém, o homem crucificado no Gólgota - eis o perfeito amor. É assim que Deus estabelece relações conosco. É assim que Deus nos procura, — nos busca e nos acha. É assim que Ele se torna nosso Deus. Isso é a aliança, a casa do perfeito amor, do amor de Deus. Justamente porque Deus nos ama desapareceram todos os motivos para se ter medo. Você tem medo de alguém porque ele pensa mal de você, fala mal de você e poderia fazer-lhe ai go de mau. Mas por que ter medo? Que é que essa pessoa pode fazer contra Deus? E, se essa pessoa não pode agir contra Deus, como poderá agir contra você, se Deus está ao lado de você? Você tem medo de perder uma pessoa amada que lhe é indispensável? Para Deus esta pessoa não está perdida. E se não está perdida para Deus, você também não pode realmente perdê-la. Você tem medo do seu passado, do seu futuro, da morte? Então considere que, apesar de seu passado, apesar do que o futuro lhe trouxer, na morte e além da morte, você à a pessoa amada por Deus. Ou você tem medo de si mesmo, de suas fraquezas e maldades, das tentações que poderiam tornar-se muito fortes e, em geral, se tornam muito fortes. Momento! Deus é maior do que nosso coração. Deus à mais forte do que tudo isso que lhe mete medo. Deus oferece oposição à maldade deste mundo. Por que é que nós não haveríamos de mandar brasa também? For que não nos tornarmos aliados, amigos de Deus? Nós c podemos. Claro, existem muitas razões para sentir medo. Mas nenhuma delas tem lugar na casa do perfeito amor. Não existe medo algum, que não fosse expulso pelo perfeito amor. 

Mas é provável que alguém ainda esteja pensando que tudo isso está muito bem, que, afinal de contas, se pode ouvir tu do isso, pois é manhã de domingo e nós estamos na igreja. Contudo, resta a pergunta: será que eu estou nessa casa? Eu sinto medo, de dia, de noite, e talvez isso seja um sinal de que não me encontro ainda na casa do perfeito amor. Talvez eu esteja lá fora, no meio da rua, correndo o perigo de ser atropelado, forçado a olhar para todos os lados. Sim, eu gostaria de estar no amor e não sentir medo. Mas como se consegue isso? Será preciso algum esforço especial, alguma coisa nova, será preciso trepar pelas janelas? 

Não, meus amigos, não. Não somos nós que temos que invadir a casa do perfeito amor. Esse amor já veio até onde nos encontramos. Todos nós - sem exceção! - nem poderíamos estar em outro lugar que não fosse essa casa. Mas, então, por que é que ainda sentimos medo? Simplesmente porque ainda não percebemos, ainda não nos damos conta do lugar onde nos encontramos. Em vez de continuar dormindo e sonhando e tendo pesadelos de medo, o que nós precisamos é despertar, abrir os olhos e ver onde já estamos. Nós não estamos do lado de fora. Nós já estamos na casa do perfeito amor. Quem escutar o sinal do despertador do Evangelho, saberá que no amor não existe medo, porque o perfeito amor já expulsou o medo. Amém.

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Autor(a): Breno Arno Schumann
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Juiz de Fora (MG)
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 2º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: João I / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 18
Título da publicação: Auxílios para a Prática Pastoral - Seleção póstuma de prédicas e medit / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1974 / Volume: P - 2
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 23322
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Não somos nós que podemos preservar a Igreja, também não o foram os nossos ancestrais e a nossa posteridade também não o será, mas foi, é e será aquele que diz: Eu estou convosco até o fim do mundo (Mateus 28.20).
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