Prédica*: 1 Coríntios 12.3b-13
Leituras: Números 11.24-30 e João 20.19-23
Autoria: Júlio Cézar Adam
Data Litúrgica: Domingo de Pentecostes
Data da Pregação: 31/05/2020
Proclamar Libertação - Volume: XLIV
Diferentes dons, diferentes pessoas, um mesmo Espírito
1. Introdução
Estamos celebrando Pentecostes, a festa do Espírito Santo. Por isso os textos bíblicos previstos no Lecionário Comum da IECLB falam sobre a ação do Espírito e do Espírito Santo. Falar sobre o Espírito e sua ação na vida de pessoas e na vida de comunidades e da igreja é algo fundamental, não só no dia de Pentecostes, mas na vida da igreja, por no mínimo três motivos: 1) O Espírito Santo é uma das pessoas da Trindade e entender o Espírito é arriscar perscrutar as pegadas de Deus. Tenho a impressão que falamos pouco sobre o Espírito Santo nas nossas comunidades, deixando o Espírito como algo “espiritual”, misterioso, espontâneo, inominável demais. Acho que o Espírito é tudo isso, assim como o é o próprio Deus Trino. Faz parte, porém, da vida de fé e da teologia comunitária entender e perceber o que ousamos chamar de Deus. 2) O tema do Espírito Santo é assunto abundante no contexto eclesial e religioso brasileiro. Há muitos “espíritos” circulando por aqui e muitas teologias sobre o Espírito e sua ação. Por isso faz-se necessário e até urgente discernir os espíritos e refletir sobre o que entendemos e como percebemos o Espírito Santo. 3) Não por último, cabe reafirmar que não existe igreja sem fé e não existe fé sem a ação do Espírito Santo. Logo, nada mais importante do que falarmos do Pentecostes de ontem e de hoje. Falar do Espírito é falar da igreja e da fé na atualidade.
No livro de Números 11.24-30, temos uma manifestação interessante do Espírito. Conta o texto que no arraial, Moisés, junto com o conselho de setenta anciãos, recebe o Espírito de Deus e profetizam enquanto o Espírito está sobre eles. Dois homens, Eldade e Medade, que não estavam entre os setenta, também recebem o Espírito e profetizam no arraial. A atenção do texto parece estar justamente nessa ação não prevista do Espírito. A força do Espírito se expande para além da organização e do controle humano. A ação do Espírito é livre e soberana.
O texto do evangelho fala da aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos no Domingo da Páscoa (escrevi um auxílio homilético sobre esse texto no PL 38). Aqui, Jesus sopra sobre os discípulos o Espírito, enviando-os para a missão de perdoar pecados. A ação do Espírito aqui está diretamente relacionada ao Cristo ressuscitado, algo importantíssimo para a teologia evangélica luterana: a pneumatologia luterana imprescindível está vinculada à cristologia. O Espírito é o novo sopro de vida (Gn 2.7), fortalecendo a comunidade dos discípulos, célula geradora da igreja, para sua missão de expandir o perdão gerado na cruz, por Cristo, ao mundo.
Na carta de Paulo aos coríntios, em 1 Coríntios 12.3b-13, por sua vez, texto previsto para a pregação do Domingo de Pentecostes, fala-se dos dons e carismas que o Espírito Santo desperta nas pessoas e na igreja, na reunião do povo de Deus. A diversidade dos dons é aqui resguardada. Os dons e carismas são diversos, mas o Espírito é o mesmo (v. 4). Há diversidade nos serviços e nas realizações, mas o Senhor é o mesmo (v. 5 e 6). A ação do Espírito gera efeitos diversos, amplos e abrangentes. E mais: a força do único Espírito age em cada indivíduo, pelo batismo e, ao mesmo tempo, congrega todos, na diversidade, em um só corpo.
Pentecostes, portanto, remete a uma variedade de manifestações de uma força que vai além daquilo que conseguimos prever e estabelecer (texto de Nm 11.24-30). O mesmo Espírito age em indivíduos e desperta dons e carismas individuais e diversos para serem usados em um mesmo corpo, a igreja. O que cria a unidade não é a mesmice de dons e carismas, mas a diversidade de dons proveniente das individualidades tocadas pelo Espírito (texto de 1Co 12.3b-13). A ação do Espírito está total e fundamentalmente vinculada à ressurreição de Cristo, ao evento da cruz, à Páscoa. A ação do Espírito tem a ver com Jesus Cristo. A partir dele, do seu sopro novo, uma nova realidade é criada: a igreja do perdão (texto de Jo 20.19-23).
2. Exegese
Corinto
Que cidade e que povo são esses onde uma comunidade cristã é criada? Corinto era uma grande cidade portuária, cosmopolita e próspera. Um centro de conexão na Europa (um hub, diríamos hoje), ligando comercialmente o Oriente ao Ocidente. Era também um hub de diferentes filosofias e espiritualidades, que disputavam clientela. Italianos, gregos, egípcios, sírios, judeus habitavam a cidade e traziam sua herança intelectual, costumes sociais, crenças e práticas religiosas. Exatamente por isso Corinto era conhecida por sua diversidade, cultura, comércio, paganismo, imoralidade e grande riqueza (2Co 1). A fama moral da cidade não era boa.
Além do comércio, a cidade se destacava por sua atividade industrial, como a fabricação de cerâmica. Destacam-se as construções majestosas, como o Templo de Apolo. A cidade era também sede administrativa do Império Romano. Do ponto de vista cultural, Corinto se equiparava a Atenas, Alexandria, Tarso. Estamos em uma cidade grande, rica, diversa e complexa. Ao mesmo tempo, uma cidade com elites econômicas, intelectuais e religiosas, em uma ponta, e operários, grupos marginalizados e subjugados, na outra ponta. Apesar dos desafios que Corinto representa, Paulo, contando com sua formação grego-helenista e sua fé, enfrentou a cidade. É provável que ele tenha permanecido em Corinto por cerca de dois anos, situados pela pesquisa entre os anos 51 a 53. Sabe-se que ele retornou à cidade em outro momento.
A comunidade e a primeira carta
Que comunidade é essa para quem Paulo escreve duas cartas? A Primeira Carta aos Coríntios deve ter sido escrita nos anos 55 a 56. Ou seja, a comunidade tinha se tornado cristã há não mais que cinco anos. Muitos eram cristãos por menos tempo, inclusive. Exatamente por isso Paulo lhes escreve para corrigir desvios da compreensão e vivência da fé cristã, principalmente tensões internas da comunidade. É provável que Paulo tenha escrito à comunidade respondendo a uma consulta (7.1) e a informações recebidas (5.1) que lhe fazem, pois ele sabe a situação que a comunidade se encontra. Importante ressaltar que Corinto é uma das mais conhecidads comunidades paulinas e as duas cartas enviadas à comunidade perfazem em volume quase a metade da correspondência incontestavelmente paulina. Encontramos informações sobre os inícios da comunidade em Atos 18.1-18. Paulo vem desolado de Atenas (1Co 2.1-5) e experimenta novos métodos missionários, aproximando-se de um casal (Áquila e Priscila) e trabalhando com eles na fabricação de tendas. Aos sábados, ele prega o evangelho na sinagoga local, contando com a ajuda da comunidade de Filipos (Fp 4.10-20). A boa nova baseada no escândalo da cruz, porém, não tarda a despertar a oposição dos judeus locais. O apóstolo é obrigado a abandonar a evangelização na sinagoga e a casa de Tício Justo, nas proximidades, é transformada em local de reuniões. O trabalho missionário volta-se, então, para os gentios. Judeus, como Crispo, líder da sinagoga, somam-se ao grupo. Importante lembrar que, em Corinto, Paulo escreve sua Primeira Carta aos Tessalonicenses e, durante uma visita posterior à comunidade, o apóstolo escreve a Carta aos Romanos.
Os dons espirituais
Paulo dedica um capítulo inteiro para falar dos dons espirituais. Uma olhada rápida no capítulo nos leva a no mínimo uma percepção: dons espirituais estão relacionados à unidade corporal da igreja. Ou seja, o tema dos dons não tem relevância em si, mas pensar dons só tem sentido como forma de entender e pensar a igreja, uma vez que havia facções na comunidade (cap. 1), elitismos e conflitos em torno dos dons espirituais (cap. 2; 12; 13), imoralidade sexual (cap. 5; 6; 10), objeções à autoridade de Paulo (cap. 9), uma heresia nascente sobre a ressurreição (cap. 15), práticas aberrantes no culto e na eucaristia (cap. 11).
Exatamente o assunto dos dons e da organicidade da igreja é posterior ao capítulo 11, onde Paulo retoma o ensino sobre a Eucaristia, texto fundamental para a compreensão do sacramento. Ali transparece o conflito entre os fracos e os fortes economicamente. O capítulo que segue à discussão sobre os dons é o conhecido capítulo 13, onde Paulo fala sobre o amor. Eucaristia, dons e amor não estão assim alinhados por acaso. Interessante observar que se no capítulo 12 Paulo fala dos mais diferentes dons espirituais, no capítulo 13 ele dedica um capítulo inteiro para um único dom: o amor!
O capítulo 12 pode ser entendido à luz do evento de Pentecostes, em Atos 2.17, que, por sua vez, está baseado na profecia de Joel 2.28ss: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos (At 2.17). A comunidade parece estar vivendo essa manifestação dos dons, mas com dificuldade de discernir e entender sua procedência, significado e função para a vida comunitária. Estavam na ignorância e confundidos no que se refere a esses dons (v. 1 e 2), a ação do Espírito e à essência da igreja, o amor.
Provavelmente os dons se manifestavam durante o culto e, supostamente, espelhavam experiências do passado pagão da comunidade, das religiões gentílicas, dos cultos de mistério, fenômenos extáticos, entusiásticos ou até mesmo orgiásticos. É para dentro desse “pentecostes descontrolalo e hierarquizado” que Paulo escreve. O mesmo Espírito opera e o faz com base na confissão básica da comunidade: Jesus Cristo é o Senhor.
Olhemos cada versículo mais de perto:
V. 3b – Por outro lado, ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo.
A relação entre cristologia e pneumatologia está evidente nessa introdução à perícope. Assim como não é possível falar e entender o Espírito sem Jesus Cristo, só podemos entender Jesus Cristo pelo Espírito Santo, porque só o entendemos na fé. O Espírito Santo é, então, o foco da mensagem.
V. 4 – Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo.
Falar de Jesus pelo Espírito Santo significa experimentar dons. A fé se manifesta e é experimentada nos dons diversos. Aqui Paulo dá o tom de todo o texto: a diversidade de dons e a unidade no mesmo Espírito, criador e dinamizador dos diferentes dons. É muito provável que havia na comunidade disputa sobre dons melhores e piores, dons mais espirituais que outros. Ou é provável que estivesse havendo certo regramento do que seriam dons do Espírito.
V. 5 – E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo.
A fé desperta os dons e a fé desperta serviços, na mesma dinâmica da diversidade e da unidade do mesmo Senhor.
V. 6 – E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.
Da mesma forma ocorre com as realizações. São três ações diferentes: dons, serviços e realizações. Interessante que, nesses três versículos (4, 5, 6), podemos ver destaque para a Trindade: Espírito (dons espirituais/carismas), Senhor, Jesus (serviços, diaconia), Deus (realizações, virtudes, milagres – o termo aqui é energēmatōn). Fica muito claro, assim, o ordenamento dado por Paulo. É o mesmo Deus, com seu Espírito, por meio de Cristo, que opera, energiza tudo em todos para o fortalecimento da fé da comunidade.
V. 7 – A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um fim proveitoso.
A ação do Espírito é dada a toda e cada pessoa e não apenas aos destacados, aos melhores. Não há proveito próprio nas manifestações do Espírito, pelo menos não do Espírito de Jesus Cristo. A finalidade da manifestação não se encerra em si mesma, mas visa a um fim proveitoso à comunidade. O fim proveitoso é o evangelho, que não prescinde da cruz.
V. 8 – Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento;
A partir desse versículo até o final de perícope, Paulo passa a falar sobre as diferentes manifestações dos dons, serviços e realizações, apontadas no início da perícope. E aqui algo interessantíssimo: o Espírito quer variedade! Paulo não contrapõe a variedade e a diversidade de manifestações (mesmo em se tratando de uma realidade diversa como o era Corinto e provavelmente a comunidade), mas organiza a diversidade sob a manifestação de um só e mesmo Espírito. Segue-se uma lista dos dons: a palavra de sabedoria; a palavra de conhecimento.
V. 9 – a outro, no mesmo Espírito, a fé; e a outro, no mesmo Espírito, dons de curar; a fé; e os dons de curas;
V. 10 – a outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las. Operações de milagres; profecia; discernimento de espíritos; variedade de línguas; capacidade de interpretá-las;
V. 11 – mas um só e o mesmo Espírito realiza todas essas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente.
O apóstolo cita nove dons do Espírito, o que não quer dizer que sejam todos. Poder-se-ia organizá-los em três grupos de três: a) palavra de sabedoria, de conhecimento e fé; b) cura, milagres e profecia; c) discernimento de espíritos, línguas e interpretação de línguas. Walter não sugere uma hierarquia entre eles, mas uma linha descendente, começando com a palavra de sabedoria e terminando com o dom de línguas. O tempo todo, de forma enfática e repetitiva, após cada dom, Paulo realça o no mesmo Espírito. Nesse versículo (11), o apóstolo reforça isso dizendo que o Espírito distribui como lhe apraz, individualmente.
V. 12 – Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo.
E aqui Paulo inicia sua metáfora da igreja como um corpo, com muitos membros, reforçando a ideia da corporeidade, da integralidade, da unidade da igreja em sua diversa, rica, complexa, estranha, assustadora diversidade e variedade. A unidade em torno de Cristo e por causa de Cristo se dá na diversidade.
V. 13 – Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.
E Paulo não deixa dúvidas de que diversidade se trata. É a diversidade de Corinto, diversidade de povos, de classes, condições sociais, profissões, crenças, compreensões de mundo e de vida... É a diversidade de judeus, gregos, escravos e livres, fortes e fracos, homens e mulheres, unidos e unidas no mesmo corpo, a igreja, por meio do batismo, o mergulho no Cristo, fonte da fé, esperança e amor.
3. Meditação
Estamos em Pentecostes. Como falei já na introdução deste auxílio, é um excelente momento para refletir com a comunidade sobre o Espírito Santo e Pentecostes. Além disso, outro tema encarnado no texto de 1 Coríntios 12 é o dos dons, carismas, serviços e realizações da vida de fé de pessoas e da comunidade. Nosso texto mostra o quanto essas ações espirituais diversas estão relacionadas tão somente à unidade, à organicidade da igreja, corpo de Cristo, a comunhão das pessoas santificadas, para a proclamação do Evangelho de Jesus Cristo no mundo. Um terceiro tema que deveria ser abordado é a questão da diversidade na igreja, tema candente na atualidade, no Brasil e no mundo.
Espírito Santo
Espírito Santo é a terceira pessoa da Trindade. Ele se manifesta de forma muito especial em Pentecostes (At 2), cumprindo a promessa feita por Jesus Cristo de enviar o Consolador, o Parácleto, que continuaria caminhando com a comunidade. Jesus Cristo, ressuscitado, nos envia para o mundo com e por meio do Espírito Santo. Vemos, assim, que o tema do Espírito Santo e de Pentecostes não se restringe a Atos 2. Esse Espírito Santo, em grego e em hebraico “vento”, está relacionado ao Espírito divino, presente ao longo de toda a história de Deus com seu povo, desde a criação. O Espírito Santo é um poder criador, dinamizador e vivificador. O Vento divino é uma força dinamizadora (uma dinâmica, como o termo grego que aparece no versículo 10 da nossa perícope), uma forma energizadora, presente na vida, na criação, no sopro, no álito de vida soprado nas narinas do ser humano no Gênesis.
O Espírito Santo está totalmente imbricado com Jesus Cristo, aquele que viveu e ensinou o evangelho e por causa do evangelho foi morto em uma cruz e ressuscitado por Deus, por meio do Espírito. Por isso o Espírito Santo está sempre totalmente relacionado ao Cristo. Separar a Trindade é sempre um risco! O texto do Evangelho de João 20.19-23 deixa isso muito explícito, quando o próprio Cristo ressuscitado sopra o Espírito Santo sobre os discípulos, enviando-os a perdoar pecados. Por isso podemos dizer que não existe fé sem a ação do Espírito Santo. O Espírito nos introduz num relacionamento com Deus.
O Espírito Santo sopra onde quer e da maneira como quer, em quem quiser (ver, p. ex., o texto de Nm 11.24-30). Nossas igrejas não são antenas para captar o sinal do Espírito Santo. O Espírito sopra também fora das igrejas, em outros ajuntamentos de gente, em outros movimentos, em outras expressões religiosas, na cultura, na natureza, na política, na sociedade, gostemos ou não. Paul Tillich trabalhou muito bem essa dimensão na sua Teologia da Cultura, usando o método da correlação.
Dons
Tudo é dado pelo mesmo Espírito. Os dons não são propriedade de pessoas nem resultados do seu esforço, talento ou poder. Dons são dados pelo Espírito, assim como a fé. Eles não servem para o engrandecimento da própria pessoa, mas servem para promover a Cristo e o seu evangelho. Não há dons melhores que outros. Sua efetividade está muito mais na diversidade e particularidade do que na sua função isolada. Como membros de um corpo, diferentes, mas organicamente integrados, assim devem ser entendidos os dons do Espírito Santo.
O texto não fala apenas de dons, mas também de serviços, realizações. O texto relaciona nove dons, usando termos não tão comuns no meio protestante histórico. São termos mais usados em igrejas pentecostais, como o dom da profecia, de cura, milagres, discernir espíritos, falar em línguas. Em igrejas históricas há outros nomes para a diversidade de dons, como o dom de pregar o evangelho, o dom da música, o dom de pastorear, o dom de servir as pessoas vulneráveis e pequeninas, o dom de ensinar e educar, o dom de visitar pessoas, fazer boa comida, zelar pelos bens da comunidade, o dom de administrar, o dom de conviver, respeitar, cuidar e reconciliar. Dons, serviços e realizações se misturam e confundem em nossa vida de fé comunitária. Quais seriam os novos dons que o Espírito desperta? Lutar pela igualdade e justiça social, proteger a criação de Deus, promover uma cultura de paz on-line e off-line, cuidar do sentido da vida, certamente poderiam entrar na discussão. Não esquecer, porém, que a fé, a esperança e o amor são dons supremos e que o mais importante de todos é o amor.
Diversidade
O Espírito Santo lida com a diversidade e a dinamiza. Não é um Espírito de padronização, engessamento, fixação, controle. Desconfio o tempo todo quando todas as manifestações do Espírito começam a ficar muito parecidas e muito padronizadas. Acho estranho que creiamos de jeitos tão padronizados, oremos do mesmo jeito no sul e no norte do planeta, celebramos culto quase com as mesmas liturgias, falamos as mesmas teologias etc. Até mesmo os pentecostais, de quem aprendemos sobre a dinamicidade gerada pelo Espírito, na prática eclesial e espiritual, há muita padronização, fixação e controle. Teria o Espírito ficado menos criativo e dinâmico?
Observemos que já no evento extraordinário de Atos 2 a diversidade está provocativamente presente, na maioria das vezes ignorada. Não é por acaso que o relato lista diversos povos e línguas que estavam presentes. A manifestação do Espírito não faz com que todos falem uma mesma língua, e sim permite e usa as diferentes línguas (culturas, costumes, crenças, jeitos etc.), usa a diversidade para falar. Todas as pessoas entendem, apesar da diversidade e das diferenças. Uma confusão babélica com efeito contrário porque conduzida pelo mesmo Espírito.
Paulo parece ir nessa mesma frequência no nosso texto, na medida em que explora as diferentes manifestações de dons, carismas, serviçõs e realizações sob o mesmo Espírito. Paulo aproveita a diversidade de dons e, eu diria, a diversidade de Corinto, de judeus, gregos, escravos e livres, homens e mulheres, ricos e pobres, adultos e crianças, para perceber a ação do Espírito. A diversidade de dons é semelhante à diversidade dos nossos corpos. Somos um corpo por causa dos membros diferentes que temos. Caso contrário, seríamos uma coisa amorfa, como o Geleia do filme Caça Fantasmas.
Falar de diversidade hoje, no Brasil, parece que é atentar contra a “ordem” e os “bons costumes”. Forças religiosas e políticas, nas igrejas e fora delas, tendem a ver a raiz de todos os problemas atuais, como a violência nas famílias e na sociedade, na diversidade. Acabem com a diversidade e as diferenças e todos nossos problemas estarão resolvidos! A diversidade, porém, assim como entendeu Paulo, não era um problema, mas sim uma solução. Diversidade é fruto da dinâmica do Espírito Santo. Estranho, então, que nossas igrejas sejam tão padronizadas, tão temerosas com a diferença de dons, carismas, serviços e realizações. O texto de 1 Coríntios 12 nos leva a pregar e libertar as diferenças. O Espírito Santo, a partir de Jesus Cristo, é o critério. O mesmo Jesus Cristo que não escapou da diversidade de pessoas pecadoras, prostitutas, publicanas, estrangeiras, samaritanas, mulheres, crianças, pobres, nuas, presas, famintas. Pregar esse texto significa denunciar toda forma de enclausuramento eclesiástico e social.
Como diz Welker, “O Espírito de Deus age persistentemente contra diferenças injustas. Ele transforma e relativiza diferenças naturais e culturais quando caracterizadas por injustiça, falta de amor e falta de esperança. Isso não significa, porém, que o Espírito Santo simplesmente elimine as diferenças. A unidade do Espírito é, antes, a unidade e a interação dos diferentes dons do Espírito”
(WELKER, 2008, p. 10).
4. Imagens para a prédica
Toda liturgia deveria ser uma liturgia de Pentescostes, começando com a decoração do espaço litúrgico, com panos e paramentos representativos, os hinos e cantos, a alegria litúrgica, uma grande festa. Poder-se-ia enumerar os dons da comunidade e colocá-los expostos, com palavras ou fotos, nas laterais do templo e durante a pregação retomá-los.
Para a prédica, especificamente, lembrei uma figura usada pelo estudante de Teologia Arthur Schiller quando pregou sobre a oração sacerdotal de Jesus (João 17.1a,20-26), tematizando a unidade na diversidade. Arthur usou a figura do quebra-cabeça para ilustrar essa desafiadora tarefa. Viver a diversidade dos dons do Espírito em nossos dias também é um desafio, um risco, inclusive. Um quebra-cabeça é feito de peças diferentes entre si. Graças à diferença entre as peças, conseguimos montá-lo, com dedicação, muita paciência e cuidado. Como um quebra-cabeça são os dons que recebemos do Espírito Santo. Como peças de um quebra-cabeça, todas fazem parte de um mesmo jogo, todas são necessariamente diferentes, todas, porém, formam a mesma imagem. A beleza do jogo, tanto do processo como do resultado, está em sua diversidade. É o mesmo Espírito, a mesma imagem, que dinamiza, orienta, guia a montagem. Assim como no jogo de quebra-cabeça, o processo é tão gostoso quanto o resultado. Viver a igreja é isto: o processo é parte do próprio sonho, o Evangelho de Jesus Cristo. Cruz e graça fazem parte do jogo. Paciência, dedicação e amor, muito amor, evitam que o quebra-cabeça seja um jogo e não um quebrar de cabeças de fato.
5. Subsídios litúrgicos
Bênção dos dons espirituais
Eu, o Deus da Vida,
o Cristo das Diferenças
e o Espírito da Diversidade,
Te abençoo com a vida,
e porque te dou a vida,
te abençoo com inquietação, perguntas, incômodos,
principalmente em relação à falta de vida,
e porque te causo distúrbio,
te abençoo com comida, água,
cama para dormir,
amigos e família,
para que tu encontres abrigo, consolo na caminhada,
e porque te abençoo com pessoas e com amor,
te abençoo também com sentimentos fortes,
paixões, desejos, vitalidade,
para que possas te relacionar com o mundo,
criar e gerar vida,
dar e receber carinho,
repartir cuidado...
e porque te dou impulso de vida,
te abençoo com coragem, indignação,
mas também com sonhos, visões,
possíveis lutas em nome de um mundo melhor, bem melhor,
mais justo, digno, pacífico,
para todo ser que respira e existe,
e porque te abençoo com senso político e ético,
te abençoo com Jesus Cristo,
pois, se nada der certo, se não te importares com nada,
se faltar o mínimo para viver,
se teus amigos te decepcionarem,
se tuas relações te frustrarem,
tuas lutas e sonhos derem em nada,
tu possas entregar tua vida inteira para Cristo
e ele te carregará.
E porque te dou Jesus Cristo,
te abençoo com o Espírito Santo,
para que ele, independente da situação,
apesar de tudo e de todos,
te dê dons
e te carregue
na fé,5 Subsídios litúrgicos
Bênção dos dons espirituais
Eu, o Deus da Vida,
o Cristo das Diferenças
e o Espírito da Diversidade,
Te abençoo com a vida,
e porque te dou a vida,
te abençoo com inquietação, perguntas, incômodos,
principalmente em relação à falta de vida,
e porque te causo distúrbio,
te abençoo com comida, água,
cama para dormir,
amigos e família,
para que tu encontres abrigo, consolo na caminhada,
e porque te abençoo com pessoas e com amor,
te abençoo também com sentimentos fortes,
paixões, desejos, vitalidade,
para que possas te relacionar com o mundo,
criar e gerar vida,
dar e receber carinho,
repartir cuidado...
e porque te dou impulso de vida,
te abençoo com coragem, indignação,
mas também com sonhos, visões,
possíveis lutas em nome de um mundo melhor, bem melhor,
mais justo, digno, pacífico,
para todo ser que respira e existe,
e porque te abençoo com senso político e ético,
te abençoo com Jesus Cristo,
pois, se nada der certo, se não te importares com nada,
se faltar o mínimo para viver,
se teus amigos te decepcionarem,
se tuas relações te frustrarem,
tuas lutas e sonhos derem em nada,
tu possas entregar tua vida inteira para Cristo
e ele te carregará.E porque te dou Jesus Cristo,
te abençoo com o Espírito Santo,
para que ele, independente da situação,
apesar de tudo e de todos,
te dê dons
e te carregue
na fé,
em mim,
o Deus da Vida.
Amém.
Bibliografia
HOEFELMANN, Verner. Corinto: contradições e conflitos de uma comunidade urbana. In: FERREIRA, Joel A. et al. (Orgs.). Sociologia das Comunidades
Paulinas. Petrópolis: Vozes; São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista; São Leopoldo: Sinodal, 1990. p. 21-33. (Estudos Bíbliocos, 25).
WALTER, Eugen. A primeira Epístola aos Coríntios. Petrópolis: Vozes, 1973.
WELKER, Michael. O Espírito Santo. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 48, n. 1, p. 5-17, 2008.
* Nota do editor: Conforme as Senhas Diárias, o texto bíblico previsto para a prédica é João 20.19-23. As demais leituras seguem as mesmas. Portanto a pessoa oficiante pode escolher se a prédica seguirá o texto do evangelho ou das cartas.
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