A REALIDADE DA IGREJA
1 Coríntios 1.4-9
Com este culto encerramos a Assembleia Geral do Sínodo Evangélico Luterano Unido. Estávamos reunidos nestes dias para deliberarmos sobre os caminhos a seguir, as medidas a serem tomadas, para que este Sínodo possa cumprir a sua tarefa, que é a tarefa de toda a Igreja, de levar ao mundo o Evangelho de Jesus Cristo. Creio que vimos nestes dias a nossa grande responsabilidade em face da situação em que nos encontramos no mundo e no nosso País, que exige nosso esforço e a colaboração de todos, para que a Igreja hoje e aqui não fique devendo ao mundo o que lhe deve: o testemunho de Cristo, por palavra e ação. Se o que nestes dias aqui nos reuniu foi a realidade da Igreja entre nós, então voltaremos para as nossas comunidades sabendo que tudo o que fizermos para a nossa Igreja e seu trabalho será apenas nossa resposta, resposta de gratidão pelo que Deus tem feito por nós. Sem essa gratidão pela existência da Igreja entre nós seria em vão tudo o que fazemos.
Durante três anos o apóstolo Paulo havia permanecido na cidade de Corinto pregando o Evangelho. Formara-se uma comunidade. E o apóstolo seguira para outras cidades e regiões. E agora, ao escrever-lhes esta carta, pensando na comunidade distante, a sua primeira palavra é palavra de gratidão. Sempre dou graças a Deus a vosso respeito. Sempre a existência da comunidade, seja ela como for, é para o apóstolo motivo de gratidão. Embora longe dela, ele participa de tudo que nela sucede, sabe-se ligado a ela como com todos que pertencem a Cristo.
Essa gratidão pela Igreja, por sua existência entre nós, nós e as nossas comunidades também a sentimos? Ou é antes assim que o fato de existir a Igreja e de pertencermos a ela, se nos tornou um hábito, ao qual nos acostumamos desde pequenos, assim que nem percebemos mais que em, verdade a, existência da Igreja no mundo é um milagre, e por isso nem tão pouco nos lembramos de agradecer por ela? Porque gratidão só se pode sentir por coisas que não se entendem de mesmas, mas que recebemos como dádiva, inesperadamente, como um milagre.
E assim de fato a primeira cristandade tinha experimentado a realidade da Igreja: que eles tinham sido chamados para pertencer ao Deus vivo como seus filhos amados, assim que podiam viver tranquilos e alegres e sem medo neste mundo, porque sabiam: não estamos sozinhos, conosco está o Senhor, poderoso e benigno — isso era para eles um verdadeiro milagre. Por que justamente eles tinham sido privilegiados de ouvir o Evangelho e nele encontrar a Cristo como seu Senhor e Salvador? Tantos outros também ouviam a prédica da cruz e da ressurreição, ouviam que Deus estava em Cristo e reconciliou o mundo consigo mesmo; mas essa mensagem era para eles sem sentido, uma verdadeira loucura. Eles, porém, a tinham aceito como palavra definitiva de Deus, e viviam agora com a certeza da fé: Cristo vive, e nós pertencemos a Ele, e nada nos pode separar do amor de Deus. E por isso só podem alegrar-se e dar graças a Deus.
E com eles agradece o apóstolo. E vejamos bem: o motivo de sua gratidão não é uma atitude ou qualidade especial da comunidade, que ela em tudo fosse perfeita e irrepreensível; ao contrário, justamente nesta carta o apóstolo tem duras verdades a dizer a respeito de costumes e fatos ocorridos que não estão em ordem, por serem indignos de uma comunidade que confessa Jesus Cristo como seu Senhor. Não, certamente não se trata de comunidade ideal, mas de uma comunidade real, com erros e faltas e toda a fraqueza humana. E no entanto, a primeira palavra do apóstolo é: Sempre dou graças a Deus a vosso respeito. O fato da existência dessa comunidade, e com isso a continuação da pregação do Evangelho é motivo suficiente para agradecer. Por quê?
Sempre dou graças a Deus a vosso respeito, a propósito de sua graça que vos foi dada em Cristo Jesus. COM a Igreja existe o lugar no qual pela pregação do Evangelho, Deus concede a sua graça aos homens, a graça que com Jesus Cristo veio ao mundo, e desde então não deixou o mundo, para que fossem salvos os que estavam perdidos. Cristo não se envergonhou de nos chamar irmãos, colocou-se ao nosso lado, para livrar-nos de todos os poderes do mal e de toda a nossa culpa. A graça de Deus, ela está sobre a nossa vida, e ela nos é dada por através do Evangelho. Qual poderia ser a nossa resposta senão alegre gratidão?
E o apóstolo continua a descrever a realidade da Igreja, pela qual agradece: Em tudo fostes enriquecidos nele, em toda palavra e em todo o conhecimento, assim como o testemunho de Cristo tem sido confirmado entre vós, de maneira que não vos falte nenhum dom.
Aqui é dito o essencial, aquilo que faz a Igreja realmente ser Igreja: o testemunho de Cristo tem sido confirmado entre vós, isso quer dizer: tem o seu lugar firme, central na vida da comunidade. Se há comunidade cristã, então por através do testemunho de Cristo. pelo testemunho de seus discípulos, pela pregação da Igreja que Cristo mesmo chama os homens a si, para nele encontrarem o seu Rei e Senhor. E não haveríamos de agradecer termos sido atingidos também nós por esse testemunho? E não haveria de ser dito também de nossa Igreja e nossas comunidades, o que aqui é dito dos Corintos: Em tudo fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e todo o conhecimento, de maneira que não vos falte nenhum dom? Ou, pensando em nós e na situação de nossas comunidades, talvez estejamos mais inclinados a falar de nossa pobreza, e não tenhamos coragem de afirmar que não nos falta nenhum dom! Mas o apóstolo fala aqui da Igreja, e isso quer dizer: não fala de nossas capacidades, nossas realizações, mas fala de Deus e de suas dádivas. E disso ele está certo: onde é pregado o Evangelho, não faltam dádivas de Deus. Pelo testemunho do Evangelho é concedido à comunidade tudo de que necessita, e nada podemos acrescentar. São mencionadas aqui em especial duas dádivas: a palavra e o conhecimento. Aos que ouviram o Evangelho não faltará a palavra para dizer o que ouviram, para confessar perante outros: Cristo é o Senhor, e não há salvação em nenhum outro! Assim, o ouvinte do testemunho torna-se testemunha para proclamar o reino de Cristo. Não pode haver membros passivos da Igreja, todos são chamados a ser testemunhas. E ao lado da palavra está o conhecimento: justamente hoje devemos saber, por que somos cristãos, por que ainda pertencemos à Igreja. O mundo nos pergunta, os homens em nosso redor, e talvez em nossa própria família. Não podemos ficar calados. Mas a nossa resposta será um testemunho somente, se for a nossa própria resposta, deixando bem claro que não cremos apenas por causa dos outros, nem por causa da tradição, mas porque nós mesmos temos ouvido e conhecido que Cristo é o Senhor. Deus mesmo nos dá esse conhecimento, conhecimento dos fatos da cruz e da ressurreição, da remissão dos pecados e da vida eterna. Certamente há diferenças entre as comunidades, e há diferenças entre nós. E sabemos da parábola dos talentos que são diversas as dádivas de Deus, e pode ser diverso o uso que nós fazemos delas. Pode alguém também enterrar o seu talento. Mas Deus quer que as empreguemos. É nossa a culpa, se não chegam a trazer fruto os dons que Deus concede à sua comunidade. Deus é um Pai rico, que dá em abundância, superfluamente mais do que pedimos e entendemos.
Embora enriquecida pelas dádivas do Senhor, de maneira que não lhe falta nenhum dom, a Igreja não vive somente no presente, satisfeita consigo e com sua situação atual. Ela tem por Senhor Aquele que sempre está diante da porta a bater, e sempre somos perguntados, se estamos prontos a recebê-lo, Paulo agradece pela comunidade, por ser uma comunidade que espera, com o seu olhar dirigido para a frente, aguardando a revelação de Jesus Cristo. Estamos em caminho, e sabemos para onde vamos: vamos de encontro ao dia de nosso Senhor Jesus Cristo. Nós, todos os homens, de todos os tempos. Este dia é o alvo e fim de toda a história. n o dia do grande julgamento. Como compareceremos naquele dia? Estaremos então somente perante o Juiz, ou estaremos perante nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo? Conhecemos o caminho, pois Ele nos disse: Eu sou o caminho (João 14,6) . Mas não estamos nós sempre em perigo de perdermos o caminho da verdade e para a vida, de nos entregarmos ao mundo, tão fascinante com suas riquezas e suas ilusões? Sim, olhando para nós e nossa força, certamente com cada passo que damos há essa possibilidade de errarmos o caminho. n bom não confiarmos em nossa própria firmeza.
Quanto aos Coríntios Paulo está cheio de confiança, sabendo: Cristo vos confirmará até o fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo. A comunidade cristã não está sozinha; vive no mundo, mas não está entregue aos poderes do mundo. como um pequeno barco que vai pelo mar que é grande e agitado. Mas não perecerá. Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. Ele não nos chamou para nos deixar perecer. Ele que iniciou a boa obra, também a levará a bom termo.
Deus é fiel. E por isso, meus irmãos, sempre e em toda a situação temos motivo para agradecer, ao pensarmos em nossa Igreja e suas comunidades. Não nos esquecemos de tudo que nos falta; sabemos de toda a nossa fraqueza, de nossos erros, nosso egoismo, nosso orgulho, sabemos de tudo que é humano também na nossa Igreja. Mas acima de tudo está esta palavra: Deus é fiel. Vemos a sua mão poderosa também sobre a existência da nossa Igreja. E ousamos repetir as palavras apostólicas: Sim, Ele confirmou também entre nós o testemunho de Cristo, e por Ele a sua graça está sobre nós, enriquecendo-nos em toda palavra e todo o conhecimento, fazendo-nos aguardar a revelação de Cristo. Não estamos sozinhos. Ele está conosco, está com a nossa Igreja, por mais fraca e pobre que ela nos pareça!
Pastor Ernesto Schlieper
13 de Outubro de 1963 (18º. Domingo após Trindade), Assembleia Geral Ordinária do Sínodo Evangélico Luterano Unido em Joinville, Culto de Encerramento
Veja:
Testemunho Evangélico na América Latina
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS