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O FILHO MAIS VELHO - Lucas 15.22-30

Análise da Parábola do Filho Pródigo em diálogo com a obra de Rembrandt e Padre Nouwen

01/11/2020

Rembrandt - A volta do Filho Pródigo
Rembrandt - A volta do Filho Pródigo - recorte
Rembrandt - A volta do Filho Pródigo - recorte
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20201101 - Rio
Lucas 15:22-30 NAA

“O pai, porém, disse aos servos: 'Tragam depressa a melhor roupa e vistam nele. Ponham um anel no dedo dele e sandálias nos pés. Tragam e matem o bezerro gordo. Vamos comer e festejar, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado.' E começaram a festejar. — Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos empregados e perguntou o que era aquilo. E ele informou: ‘O seu irmão voltou e, por tê-lo recuperado com saúde, o seu pai mandou matar o bezerro gordo.’ — O filho mais velho se indignou e não queria entrar. Saindo, porém, o pai, procurava convencê-lo a entrar. Mas ele respondeu ao seu pai: ‘Faz tantos anos que sirvo o senhor e nunca transgredi um mandamento seu. Mas o senhor nunca me deu um cabrito sequer para fazer uma festa com os meus amigos. Mas, quando veio esse seu filho, que sumiu com os bens do senhor, gastando tudo com prostitutas, o senhor mandou matar o bezerro gordo para ele!’”

O FILHO MAIS VELHO

O ambiente é de festa. Lembramos que aquele homem, com seus dois filhos, acabara de rever o mais novo que se ausentara da casa paterna e viveu dissolutamente até ficar com fome. Este filho mais novo relembra que na casa de seu pai até os empregados têm o que comer. Por que não voltar? E o faz, arrependido!

Em meio aos alaridos e, certamente, o cheiro da carne gorda sendo assada e pingando sobre as brasas, o filho mais velho é surpreendido por uma cena alegre e festiva.

O filho que ficou em casa nunca fizera uma longa jornada a países distantes. No máximo, ficava horas ou mesmo dias na lavoura cuidando dos interesses de seu pai. E quando retornava, estava cansado. Em contraste com o que via e ouvia — a festa ficava cada vez mais alegre — estava tristonho e desconfiado. O contraste é tão marcante que alguns autores até suspeitam tratar-se de duas histórias distintas.

Como está representado o filho mais velho? Não sou expert em obras valiosas e nem sou chegado a fazer uma observação analítica de um grande quadro. Para mim, aquelas figuras quase invisíveis no fundo da tela escura de Rembrandt poderiam representar o filho mais velho e outro empregado. O Padre Nouwen não tinha a mesma percepção, mas também não tinha certezas. Um ano após ter estado no Hermitage, ao ler um estudo de Bárbara Haeger sobre o significado religioso da pintura de Rembrandt, “viu algo novo.

“Haeger mostra que, nos comentários bíblicos do tempo de Rembrandt, a parábola do fariseu e do cobrador de impostos e a parábola do Filho Pródigo estavam intimamente ligadas. Rembrandt segue a tradição. O homem sentado batendo no peito e olhando para o filho que volta é um servo representando os pecadores e cobradores de impostos…” (N. p.70). No fundo da cena permanecem as pessoas compassivas, as que entendem a atitude do filho que retorna ao lar. Pessoas que exercem a empatia e o cuidado pelo próximo não são colocados na ribalta das luzes do artista.

O filho mais velho, embora embasado em argumentos plausíveis e muito razoáveis, representa a face dos sem amor e sem compaixão. As efusivas manifestações de alegria e júbilo — simbolo da simpatia para com a obra de Deus — não encontravam eco no coração do jovem mais velho.
O velho jovem colocava de lado o amor e, a partir de um julgamento justo e legalísta, valoriza apenas a frieza dos direitos e deveres. Segue a reflexão de Haeger: “…enquanto o homem de pé, olhando para o pai de maneira enigmática é o filho mais velho representando os escribas e fariseus. Entretanto, colocando o filho mais velho como a testemunha mais importante…” (idem).

De repente, colocado na parábola e na cena de Rembrandt como testemunha principal da nova realidade que começa a cercar aquele irmão novo e desmiolado, o mais velho “fala da sua intranquilidade e desaprovação pela linguagem corporal. Esfrega as mãos enquanto olha para baixo e no vazio. Ali toma a decisão.

O filho mais velho resolve ir embora. “O principal expectador, observando o pai abraçando o filho que volta, parece muito afastado” (N, p.75). E se afasta ainda mais, tanto assim que seu pai precisa ir atrás. O filho mais velho se indignou e não queria entrar. Saindo, porém, o pai, procurava convencê-lo a entrar” (v.28).
Olhando para a proporcionalidade da obra de Rembrandt, fica agora mais fácil perceber que a volta do filho nào está no centro da tela. É um dos lados. Do outro lado, e com importância proporcional, está a figura do filho mais velho que expressa, não a alegeria e o acolhimento, mas viu ali a grande oportunidade de se queixar do pai amoroso. Raiva e descontentamento brotam de seu íntimo aos borbotões, dando a impressão de que estava represados há muito tempo.
Obediente que era, aprendeu da lei da convivência familiar como dar os passos certos para receber o máximo reconhecimento — a partir de suas ações. Mas nisto não estava seu coração. Tentava imitar o pai mas não tinha o coração do pai.

Nouwen chama a atenção para “a maneira como o filho mais velho foi pintado por Rembrandt [retratando-o] um tanto como seu pai. Ambos têm barba e usam largos mantos vermelhos sobre seus ombros. Esses sinais externos sugerem que ele e seu pai têm muito em comum e essa semelhança é sublinhada pela luz que incide sobre o filho mais velho — o que faz que haja uma ligação direta da sua face com a face iluminada do pai” (N, p.75). No entanto, um se inclina com amor, e outro fica impassível no alto de seus argumentos justos e legais.

Quem está perdido, e precisa retornar ao lar, é agora o filho mais velho. Aquele que nunca saiu. Aquele que nunca se alegrou. Aquele que sempre fez o que é correto. Aquele que se orgulha de cuidar bem dos bens do pai. Aquele que é impassível ao fazer o que é legal. Aquele que nunca causou mágoas ou vergonhas à sua família. Este precisa voltar — e começar a viver.

Perder-se em ressentimentos e afastar-se do amor da casa paterna é mais comum que se pode imaginar, justamente entre aquelas pessoas que se julgam acima de qualquer crítica porque sempre fizeram o que é certo.

O Pe. Nouwen acrescenta: “A vida regrada e correta de que tanto me orgulho ou pela qual sou elogiado se torna, algumas vezes, como um peso que foi colocado nos meus ombros e continua a me incomodar (…) Há muitos filhos e filhas mais velhos que estão perdidos enquanto ainda em casa. É esta derrota — caracterizada por julgamento e condenação, raiva e ressentimento, amargura e ciúme — que é tão perniciosa e prejudicial ao coração humano” (N, p.77-8).
De forma tão intensa e eloquente quanto o pai ansiava a volta e acolhimento do filho mais moço, deseja agora a volta do mais velho. Sua distância não era — nunca foi — geográfica, mas uma distância abismal de corações se fazem notar aqui.

“…esse teu filho…” (v.30) é a expressão que sai da boca do mais velho, desdenhando tanto pai quanto o irmão que retornou. A antipatia do mais velho assume cores e formas estarrecedoras.

Prezada comiunidade:

Na maioria das vezes, ao lermos esta parábola, centramos nossa atenção nas ações e reações daquele que sai de casa para viver dissolutamente, mas se arrepende e volta.

Hoje precisamos nos perguntar: “Será que o filho mais velho que existe em mim pode voltar para casa? Posso ser encontrado como o filho mais jovem foi encontrado? Como posso voltar quando estou perdido, prisioneiro da obediência e do dever que escraviza?” (N, p.84)
É certo que há espaço para a volta também do filho mais velho. Mesmo diante da aspereza da atitude do mais velho, o pai não se deixa abalar e nem reaje com julgamento. Apenas mostra o caminho da volta. Mas isso é assunto para o próximo domingo.

Ontem, 31 de outubro, lembramos os 503 anos da Reforma Luterana. A atitude libertadora preconizada pela iniciativa de discutir sobre uma teologia decadente e escravizante como era a católica da época, também promoveu o retorno ao lar, um retorno ao EVANGELHO libertador de Jesus Cristo.
A semente, pela qual os cristãos foram renascidos, é a palavra viva e permanente de Deus – que é o Evangelho – contraposto à corruptibilidade de tudo o que é terreno. Sejamos nós também — filhos e filhas mais moços ou mais moças, mais velhos ou mais velhas — que festejam a volta ao lar.

Amém! 


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 22 / Versículo Final: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 59747

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