Prédica: Lucas 19.41-48
Autor: Martin Weingärtner
Data Litúrgica: 10º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 19/08/1979
Proclamar Libertação - Volume: IV
I - O texto
1. Versão
V.41: Pois ao aproximar-se e ver a cidade (Jesus) chorou por causa dela,
V.42: e disse: Se no dia de hoje também você reconhecesse o que (serve) para a paz! Mas, agora, (isto) está escondido dos seus olhos.
V.43: Porém, para você vão chegar dias em que seus inimigos erguerão trincheiras ao seu redor, fecharão o cerco e vão apertá-la de todos os lados.
V.44: Então deitarão por terra você e os seus filhos, não deixando em você pedra sobre pedra, porque você não reconheceu a oportunidade em que (Deus) a procurou.
V.45: Então, dirigindo-se ao templo, iniciou a expulsar os comerciantes,
V.46: dizendo-lhes: (Na Bíblia) está escrito: Minha casa será casa de oração, mas vocês a transformaram em esconderijo de assaltantes.
V.47: Depois ficou ensinando diariamente no templo. Enquanto (isso) os chefes dos sacerdotes, os professores da Bíblia e também os líderes do povo procuravam destruí-lo,
V.48: sem, porém descobrir (um jeito) de como fazê-lo, pois o povo estava apegado a ele para ouvi-lo.
2. Variantes
A tradição do texto é homogénea e não apresenta variantes que interferem na sua interpretação.
II — Análise
1. Contexto
A perícope em apreço integra-se no contexto maior do relato da paixão de Jesus. Antecede-lhe a narração da recepção triunfal de Jesus em Jerusalém. Nesta sequência sobressai o contraste entre a euforia do povo e o chorar de Jesus, que não me parece ser mero acaso e deve ser refletido na análise detalhada.
Os caps. 21 e 22 intercalam ensinamentos finais de Jesus na historia da paixão e podem ser encarados como desdobramento de Lc 19.47a.
Uma análise dos paralelos sinóticos revela que a maior parte da nossa perícope é material exclusivo do evangelista Lucas, sendo que apenas a purificação do templo (vv.45-46) e tradição comum a todos os evangelhos. Neste particular, porém, observa-se que Lc abrevia consideravelmente esta tradição. Isso nos leva a perguntar pelo seu interesse nela.
Por fim não podemos ignorar o fato de Lc ter escrito sua obra apôs a destruição de Jerusalém pelo exercito romano em 70 d.C.
2. Estrutura
Lc 19.41-48 subdivide-se em três cenas distintas, porém, sincronizadas: Os vv.41-44 enfocam a lamentação de Jesus por Jerusalém. Seguem-se-lhes as cenas da purificação do templo nos vv 45-46 e da atividade de Jesus no templo nos vv. 47-48.
As duas últimas cenas são mais sintéticas e o enfoque detalhado deverá ocupar-se com a intenção que levou Lc a esta composição.
3. Enfoque detalhado
V.41: Em consequência da popularidade alcançada na entrada triunfal em Jerusalém, o leitor esperaria da parte de Jesus uma reação eufórica. Justamente por isto sua abrupta lamentação é chocante: Ela questiona todo um mundo orientado no seu Ibope. digo, no seu sucesso.
A atitude de Jesus revela outro modo de ver: Jesus tem outro ponto de referência, outra escala de valores, pois vê da perspectiva de Deus E. por seu olhar perceber em profundidade - qual radiografia - a situação real da cidade perante Deus, Jesus chora, como Eliseu chorara ao ver o juízo veiculado por Hazael (2 Rs 8.10-12)
Jesus não chora por si mesmo. Não, ele não se lamenta porque seria traído. Lc 23,28 é explícito: Mulheres de Jerusalém1 Não chorem por mim, mas por vocês e pelos seus filhos. Jesus chorou por causa dela: Ele não é sádico! Não se alegra com o juízo. Também não é vingativo, pois não odeia. Chora, porque ama!
V.42: Jesus deseja que Jerusalém reconheça, que aceite o que (serve) para a paz: De maneira indireta Jesus convida para a fé no príncipe da paz, pois não é isto ou aquilo que serve para a paz. mas é o próprio Jesus o portador da paz abrangente e plena.
Este convite para a fé urgia ser aceito: hoje. Com muito acerto Lutero comparou a palavra e a graça de Deus a um aguaceiro, que não retorna para um lugar pelo qual já passou... Por isto pegue e segure, quem puder pegar e segurar o evangelho (WA 15,32).
E justamente nisso consiste a tristeza de Jesus: Jerusalém não pega e segura. A chuva passou: Mas agora-, (isto) está escondido dos seus olhos.
Vv.43-44: Por não aceitar o príncipe da paz, por não reconhecer o kairós; da visitação por Deus, Jerusalém expõe-se ao juízo que Jesus anuncia à semelhança dos profetas vétero-testamentários (cf. Jr 19,9: 29,3: Ez 4,1-3). valendo-se de figuras da dolorosa experiência bélica que a Palestina sofrera em sua historia milenar.
Nesta antevisão do juízo que Jesus anuncia, reside a dor de seu chorar. Jesus chora, porque vê Jerusalém sob o juízo de Deus a quem ama.
Vv.45-46: Já observamos que Lucas sintetiza a tradição da purificação do templo. Isso parece indicar que Lc não tem interesse primário nesse acontecimento. Contudo, ele o lembra em função da primeira cena desta perícope. pois na purificação do tempio ele identifica o kairós em que Jerusalém fora visitada. Os acontecimentos no templo desvendam o enigma do dito de Jesus referido nos vv.42-44, revelando que o que (serve) para a paz é o próprio Jesus.
O agir de Jesus no templo, assim confessa Lucas, e o agir do próprio Deus que procura seu povo perdido: Jesus expulsa os comerciantes do templo. Isso não sinaliza juízo, mas sim graça, pois a expulsão visa fazer do templo o que ele deve ser aos olhos de Deus: uma casa de oração.
Para entendermos as citações do AT no v.46, devemos lembrar a parábola do fariseu e do publicano (Lc 18,9-14): Nela Jesus explica O contraste entre esconderijo de ladrões e casa de oração.
Jesus desmascara a perversão da oração que garganteia a justiça própria, valendo-se do templo como garantia no seu caminho m;ui, tal qual o esconderijo dá segurança aos ladrões (Schlatter, p 101). Mas Jesus não desmascara apenas, pois ele transforma o templo em lugar de pedir a Deus o que os homens não têm por si mesmos (cf. as preces do Pai Nosso).
Vv.47-48: O kairós da visitação por Deus não se restringe à purificação do templo. Toda a permanência de Jesus na cidade, durante a qual ficou ensinando diariamente no templo, faz parte dele. A liderança do povo não o reconheceu como príncipe da paz e por isso procurou eliminá-lo. Mas também o povo, fascinado pela pregação de Jesus, não o aceitou como tal, pois em breve gritaria: Crucifica-o! Crucifica-o!
Assim, as duas últimas cenas desta perícope concretizam como e quando Jerusalém não reconheceu a oportunidade em que (Deus) a procurou, explicitando assim o porquê da lamentação de Jesus.
4. Síntese querigmática
Jesus chora pela cidade que não o aceita como portador da paz plena e abrangente de Deus. Jesus chora porque ama esta cidade, digo, este povo exposto ao juízo de Deus.
III — Meditação
Lucas compilou seu evangelho após a catástrofe do ano de 70 d.C. que por certo reavivou a lembrança deste episódio da vida de Jesus. O evangelista também faz uso dele em seu testemunho a Teófilo.
Para a pregação adequada sobre este texto é imprescindível observarmos que Lucas relembra este episódio no contexto de sua pregação dirigida a um cristão. Isto significa que esta tradição acerca de Jesus não quer levar o leitor a julgar a descrença de Jerusalém, mas pretende antes levá-lo à reflexão sobre a própria fé. No contexto de um evangelho esta perícope dirige-se justamente àqueles que aceitaram Jesus Cristo.
Ela questiona nossa cidade, nosso povo. As prédicas de Lutero sobre este texto exercitam este questionamento em seu tempo: O reformador relaciona a lamentação de Jesus a Wittemberg, sua cidade, e aos alemães, seu povo.
Jesus vê a cidade, sim a nossa cidade. Não a vê como o turista. A sua visão não tem ponto cego! Qual radiografia revela o âmago da vida de nossa cidade: A exploração grande (multinacional) e pequena (empregada sem carteira assinada), prepotência política, policial, social e familiar, a corrupção... Nada, mas nada mesmo lhe é estranho.
Jesus vê mais ainda: Não lhe passa despercebido que nosso povo, nossa cidade e - por que não? - nós mesmos usamos a sua igreja como álibi de nosso caminho perverso. Usurpamos o culto para tranquilizar nossas consciências, para encobrir a guerra do dia a dia, não reconhecendo assim o que serve para a nossa paz! Não apenas nossas lideranças deixaram de reconhecer o kairós da visitação divina, mas também aqueles que são ouvintes fascinados de sua palavra não o aceitam verdadeiramente. Enfim, Jesus vê que toda a nossa cidade está sob o juízo de Deus.
Jesus vê a cidade e chora: Jesus chora porque nos ama- Sim, ele ama esta cidade, este mundo explorador, prepotente e corrupto. Louvado seja Deus que Jesus chora por nós! Suas lagrimas são nossa única esperança. Plagiando o que um bispo dissera a mãe de Agostinho (Confissões 111,12) poderíamos concluir: É impossível que pereça a cidade, de tantas lágrimas. As lágrimas de Jesus nos revelam por quem ele morreu na cruz.
IV — Bibliografia
- BENGEL. J. A. Gnomon. Vol. 1. Stuttgart. 1853.
- DIEM, H. Meditação sobre Lucas 19.41-48. In: Herr, tue meine Lippen auf. Vol. 1. Wuppertal-Barmen. 1959.
- LUTHER. M. An die Ratsherren. In: D. Martin Luthers - Werke — Kritische Gesamlausgabe. Vol. 15. Weimar. 1899,
- LUTHER. M. Evangelienauslegung. Vol. 3. Göttingen. -1953.
- SCHLATTER. A. Die Evangelien nach Markus und Lukas. In: Erläuterungen zum NT Vol. 2 Berlin. 1952.