A reunião anual do Fórum Ecumênico ACT Brasil (FE ACT Brasil), que ocorreu entre 20 e 22 de agosto, em São Paulo, dedicou boa parte de sua agenda a análises da conjuntura atual brasileira que nutriram o trabalho de construção de uma pauta comum de incidência pública a ser adotada pelos membros do fórum.
Num painel formado por representantes de movimentos sociais, organismos internacionais e cientistas políticos, dia 20, foram apresentados diversos diagnósticos do quadro político-social brasileiro após as manifestações populares de junho passado.
Carla Bueno, do Levante Popular da Juventude, um espaço que envolve vários movimentos de jovens ligados a partidos políticos e tem como objetivo a construção de lutas e ações comuns, lembrou que as principais manifestações ocorreram na cidade e não no campo, setor que, por muito tempo, concentrou as principais lutas do país. “Nossas principais contradições hoje estão na cidade: as jornadas de trabalho e de locomoção. As manifestações de junho serviram para mostrar que o povo está esgotado, mas, como não houve muita organização, as mobilizações, assim como se formaram, também se diluíram”, afirmou Carla.
Para Raul Amorim, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “as mobilizações mostraram uma mudança no ânimo que acaba trazendo nova disposição para as lutas”. Seu ponto de vista foi aprofundado pelo sociólogo Silvio Caccia Bava, do Instituto Polis.
Para Silvio, as manifestações no Brasil ecoam particularidades das mobilizações latino-americanas recentes. “Temos um cenário em que a vida foi mercantilizada. Tudo o que se precisa para viver é necessário pagar para se ter. Atualmente, 30% da população de SP anda a pé porque não tem dinheiro para pagar transporte. Neste cenário dá para ver o que significam 20 centavos: a vida tornou-se insuportável”, afirmou.
O sociólogo indagou ainda acerca do espaço de participação dos cidadãos na política. “A rua está trazendo peso político forte, mas que já está em disputa. Para conseguir elementos de bandeiras comuns é necessário politizar o debate, senão alguém vai tomar conta deste espaço”, ele disse. “Vivemos um novo período, mas o resultado político das mobilizações dependerá das redes atuarem junto e trabalharem no fortalecimento das redes de mobilização e trabalho de formação”, concluiu.
Para Arne Dale, coordenador dos programas no Brasil da Ajuda das Igrejas da Noruega (AIN), o Brasil é visto lá fora como um país em crescimento. “O desafio que identifico aqui hoje é aquele entre o lulismo e a realidade”, afirmou Arne, que lembrou um grande encontro que está sendo organizado na Noruega, no próximo dia 28, em torno do tema do apoio à América Latina.
Sua opinião foi reforçada pela assessora de programas do escritório brasileiro da organização inglesa Christian Aid, Ana Rocha. “As mobilizações tiveram repercussão muito forte no Reino Unido, em especial entre organizações que compraram o discurso de que o Brasil havia resolvido seus problemas”, ela disse.
As reações externas sobre as manifestações no Brasil também apareceram na mensagem enviada eletronicamente por Odair Pedroso Mateus, do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que traçou um paralelo entre os eventos no Brasil e o momento global. “Junho trouxe de volta o velho Brasil real, agora mais consciente e mais exigente, um pouco mais parecido com indignados de outras partes do mundo”, afirmou. “A crise é internacional, sistêmica, mas não há solução política fora da democracia representativa, que tem que passar de representativa à participativa. Nada disso é estranho ao Egito de hoje ou talvez à Tunisia de amanhã”, concluiu Odair, que leciona do Instituto Ecumênico de Bossey, Suíça, e assessora a Comissão de Fé e Ordem, do CMI.
O FE ACT Brasil reúne cerca de 25 organizações ecumênicas e confessionais, igrejas e conselhos de igrejas que atuam no país nas áreas de apoio ao desenvolvimento, ajuda humanitária em situações de emergência e incidência pública em defesa de causas. O fórum é o referente nacional da ACT Aliança, um consórcio global que reúne mais de 100 entidades em torno do mundo e move cerca de USD 1.3 bilhão em recursos destinados diretamente às três áreas de serviço (desenvolvimento, emergência, incidência).
A reunião anual serve para definir pautas comuns de incidência pública nas quais os membros do fórum se comprometem a agir juntos. Os três grandes desafios eleitos no encontro de 2013 foram a plataforma da reforma política, a discussão sobre o estado laico e o fortalecimento do movimento ecumenico como agente de defesa dos direitos humanos e construção de uma pauta interativa com a sociedade.
Além disso, o FE ACT Brasil se comprometeu a contribuir para aprimorar a ação e seus membros em situações de emergência. “Reconhecendo o desafio das emergências causadas no Brasil, por falta de justiça climática e sócio-ambiental, vidas em risco têm sido atendidas por igrejas no campo e por algumas das nossas organizações”, afirma Rafael Soares de Oliveira, diretor executivo de KOINONIA, com sede no Rio de Janeiro. “Vamos criar um grupo de referência com os membros de ACT Aliança no Brasil capaz reconhecer nossas capacidades e propor caminhos para futuras ações mais efeicientes do fórum”, concluiu.
Marcelo Schneider/CMI