Tema do Ano da IECLB



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Texto-base do Tema e Lema de 2014

28/11/2013

 

Tema do Ano 2014 – Texto-base

Tema: viDas em comunhão

Lema: Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor, porque na sua paz vós tereis paz. (Jeremias 29, 7)

Uma das principais contribuições, talvez a grande novidade do Tema de 2014, é a de ver a cidade como um espaço em que a vida é possível, onde a vida em comunhão é possível, apesar de todos os seus problemas e as suas limitações. Para avançarmos nesse olhar positivo em relação à cidade, já contribuíram os Temas dos dois últimos anos. O Tema de 2012 (Comunidade jovem – Igreja viva) procurou apontar o potencial da vivacidade juvenil que é inerente a uma comunidade cristã. O Tema de 2013 (Ser, Participar, Testemunhar - Eu vivo comunidade) destaca com o verbo testemunhar o imperativo evangélico de a comunidade cristã não viver fechada em si mesma, mas de abrir-se, abrir suas portas, “derrubar os muros” que dificultam a conexão com seu entorno. O Tema de 2014 vai além: afirma que a igreja, também a IECLB, está ou precisa entender que está no meio da cidade; inserida na cidade; é parte da cidade, seja ela uma grande metrópole ou uma minúscula zona urbana. O Tema propõe olhar a cidade como espaço para vidas em comunhão.

A população brasileira está cada vez mais no meio urbano. Os dados estatísticos o demonstram. Não somente 84% da população brasileira vivem nas cidades e nos seus entornos, mas também as características da vida urbana alcançam mais e mais quem vive no meio rural. Portanto, a cidade, com suas características, vem determinando o jeito de ser e de agir de toda a população. Esse deslocamento – de pessoas e de valores – coloca desafios para a Igreja de Jesus Cristo. Não é, pois, um acaso a decisão de expor e assumir o assunto no Tema do Ano sob a chamada viDas em comunhão, iluminando-o com o texto de Jeremias 29.7.

O Lema bíblico que acompanha o Tema de 2014 é de Jeremias 29.7: “Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor, porque na sua paz vós tereis paz”.

O contexto desse texto bíblico

Jerusalém foi tomada por Nabucodonosor, rei da Babilônia, em 597 a.C. A população foi levada para o exílio. Em Judá ficou “o povo pobre da terra” (2 Rs 24.14). Em 587 a.C. houve uma segunda deportação. E Jeremias escreveu sua carta entre as duas deportações. Endereçou-a à primeira leva de desterrados (Jr 1.1).

Nessa época, havia o que podemos chamar de conflito regional: a luta pelo domínio político e econômico de povos sobre povos. O desterro de Israel, como fato histórico, resultou do poder político de Nabucodonosor em meio a esse conflito.

Houve quem dissesse que o desterro não ocorreria. Foi o caso do profeta Hananias (cap. 28). E esse confronto entre profetas foi longo. Mas, segundo o profeta Jeremias, o desterro era irreversível. Deus mesmo o permitiria. A desobediência ao Deus de Israel traria consequências que redundariam na derrota desse contingente de pessoas por Nabucodonosor e no exílio para a Babilônia.

Jeremias pormenorizou: por que haverá o desterro? Porque o Senhor resolveu não mais proteger a cidade de Jerusalém (21.10), pois “faz muito tempo que o povo abandonou a minha autoridade” (2.20). “O meu povo me abandonou e profanou este lugar, queimando incenso a outros deuses” (19.4; o cap. 19 todo trata disso; também já em 7.18). A crítica contundente é contra as autoridades religiosas e políticas: “As autoridades são tolas: não pedem que o Senhor Deus as guie. Foi por isso que fracassaram, e o nosso povo foi espalhado” (10.21). Os mandamentos do Deus verdadeiro foram abandonados: “Vejam [nas praças] se conseguem achar alguém que faça o que é direito” (5.1). “Protejam dos exploradores aqueles que estão sendo explorados. Não maltratem estrangeiros, órfãos e viúvas” (22.3). Esta é a crítica. Deus até que insistiu, chamando ao arrependimento: “Povo, volte para mim” (4.1). E a história desse embate entre Deus e o povo contém manifestações de arrependimento do povo: “Ó Senhor, confessamos o nosso pecado” (14.20). Mas o desterro tornou-se irreversível, pois aquela terra com aquele povo passou a ser um espaço diante do qual não havia outra saída. Segundo o profeta, o Deus de Israel deixou Nabucodonosor levar os judeus como prisioneiros (29.4).

Deus desinstala. Parte do povo de Judá foi tirada do seu ambiente conhecido, para encarar outra realidade, numa terra estranha. O que antes era seguro, inquestionável, agora é colocado à prova. A vida real – o cotidiano – se apresenta bem diferente: os rituais, as tradições, os hábitos, antes internalizados e automatizados, sofrem com a mudança. Segundo o Pastor Vítor Westhelle, o sofrimento foi tanto para deportados (que talvez nem tenham ficado tão pobres, mas estavam longe do templo, dos símbolos da sua religião) quanto para eventuais remanescentes, que ficaram sob anomia social e miséria econômica (Proclamar Libertação III, 1978, p. 49-55). Medos desconhecidos surgem. Surpreendem até os melhor preparados. Como dar conta de tanta informação e tantos desafios ao mesmo tempo? Como compreender a realidade babilônica sem perder sua identidade de povo de Deus? Até mesmo a fé é colocada à prova a partir da convivência com outras formas de perceber Deus e de cultuá-lo.

Como o Senhor teve para com esse povo “pensamentos de paz e não de mal” (29.11), a notícia enfática acerca do desterro veio acompanhada do anúncio da esperança pela volta à terra natal. No cap. 23, ao lado da crítica aos pastores que não cuidam do povo (v. 2), faz-se menção ao tempo em que virá um descendente de Davi, que será rei honesto, que executará o juízo e a justiça (v 5). “O Senhor diz: cuidarei deles e os trarei de volta para esta terra” (24.6). Mais que isso, antes ainda de vir esse descendente de Davi, a perspectiva é por dias melhores no próprio exílio. E assim chegamos ao Lema do Tema do Ano de 2014.

Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor, porque na sua paz vós tereis paz” (Jr 29.7). G. von Rad, referindo-se a Jr 29.5-7, escreve: “Isto não é senão uma exortação à sobriedade, um golpe dado no entusiasmo piedoso. Os exilados não estavam certamente em condições de tomar a situação a sério, por isso Jeremias os exorta a viver com naturalidade e a se instalar por um longo tempo. É necessário que a atitude dos deportados em relação à Babilônia se modifique. Babilônia não é mais inimiga; carrega em seu seio o povo de Deus, convém por isso interceder por ela. Os tempos mudaram; orar por Babilônia agora é orar pelo povo de Deus; porque este povo tem ainda um futuro diante de Deus” (Teologia do AT, ASTE, v. II, 1974, p. 201). O desterro mesmo torna-se oportunidade para recomeçar. Por isso o estímulo para construir casas e plantar (v. 5); casar e ter filhos (v. 6); trabalhar e orar pela paz (v. 7). Portanto, Israel não vai construir uma nova cidade na Babilônia, mas é incumbido de trabalhar pela paz da(s) cidade(s) para onde foi desterrado. A cidade é lugar para viver! Segundo o Pastor Westhelle, a ênfase profética sublinha a necessidade de resistir, e não resignar. O cativeiro é tido como o chão em que se desenrola a libertação. “A libertação possível é aquela que não salta por cima das contingências circunstanciais, mas que as assume”. É necessário “no exílio, desenvolver uma espiritualidade do povo desterrado”. E isso vai se estender por setenta anos, vale dizer, uma geração.

O que é cidade nesse texto e contexto? Para o biblista Pastor Dr. Nelson Kilpp, “quanto a Jr 29.7, o texto hebraico lê ´a cidade´; o texto da Septuaginta (grego) lê ´a terra´. Os exegetas geralmente dizem que, no contexto, o termo ´terra´ seria mais apropriado porque os desterrados não se encontravam em uma única cidade, mas espalhados pela Babilônia (tanto na capital quanto no interior). Por outro lado, pode-se interpretar ´a cidade´ como ´a localidade onde cada um se encontra´; assim, também o termo ´cidade´ significaria não somente a capital, mas todas as cidades onde se encontram desterrados israelitas na Babilônia”.

Apesar do sofrimento e em meio a ele, Israel é incumbido de empenhar-se pela paz da cidade, orando e agindo (ora et labora). Trata-se de ocupar-se com a cidade ou as cidades, os lugares todos para onde os israelitas foram espalhados. Por isso, “procurai a paz da [e não na] cidade”. O tempo de duro sofrimento na cidade – o lugar onde as pessoas se encontram, onde vivem – são o tempo e o lugar oportunos para reencontrar a paz perdida por causa da desobediência aos mandamentos do Senhor. A cidade é lugar de experimentar a paz.

Hoje, cidade e região metropolitana são sinônimos de aglomeração de pessoas. Para quem não assimilou essa realidade, às vezes até mesmo para quem vive nas cidades, surge a pergunta: que mundo louco é este? Ao mesmo tempo, “sob diversos aspectos essenciais para a existência humana, a grande cidade é um lugar que viabiliza a vida” (Pastor Ms. Hermann Wille). Não há como negar que as contradições e a simultaneidade da presença da vida plena em Deus na cidade são imponentes e conduzem o ritmo nas cidades. O cartaz do Tema do Ano de 2014 trata dessas contradições.

A paisagem urbana atual, simbolizada no cartaz do Tema pelos prédios coloridos e de tamanhos diferentes, é multifacetada. Revela as contradições da cidade, misto de convívio e de segregação, de belo e de feio, de grande e de pequeno, de multidão e de solidão, de desenvolvimento e de desequilíbrio ambiental, de conquistas do bem-estar e de marginalização, de fonte de recursos, como os de saúde e educação, e de desleixo para com o bem público, de anonimato e de comunhão, de individualismo e de redes.

As pessoas no cartaz contrastam com o colorido dos prédios, representando a ilusão de que ter é mais importante que ser. A correria diária, que leva as pessoas a não se olharem mais nos olhos e se perceberem umas as outras como filhas de Deus, faz com que elas projetem os seus sonhos, desejos e expectativas, ou seja, seu colorido, muito mais no palpável, naquilo que o dinheiro compra, e muito menos no amadurecimento interior. A cidade oferece inúmeras vias de escolha, todas elas com consequências que marcam uns e outros.

Deus desinstala para promover mudanças. Ao desinstalar, Deus quer que se rompa com a tentativa ilusória de criar nova realidade distante do lugar da realidade que está dada. Quer que se encare a vida como ela se apresenta (João 17.15-16). A comunidade cristã encontra-se em meio à terra estranha. Integra uma sociedade maior que, com seus valores, leva mais e mais pessoas na direção do individualismo, do consumismo, do ceticismo, do que à comunhão. A comunidade cristã anda na contramão desta onda, e por isso mesmo é chamada com o Tema de 2014 a fazer a diferença, viabilizando mudanças. “A chance maior do Cristianismo não virá de seu conteúdo doutrinal – ele mesmo maravilhoso –, nem da eficiência organizativa das atuais formas de Igreja, mas da maneira como as comunidades viverão os valores do futuro da humanidade: solidariedade, paz, convivialidade humana, esperança nas tribulações” (J. B. Libânio).

Como parte integrante do tecido urbano, a comunidade cristã não tem como crescer quando se isola, vivendo para si exclusivamente. Ao fazer isso, enfraquece a si própria e o todo. Nega sua missão de provocar a transformação de modelos e de estruturas injustas e excludentes. A vocação da comunidade cristã é ser sinal da cidade santa, a nova Jerusalém (Apocalipse 21.2) lá onde ela se encontra. Por si só, não produz transformação. Precisa acolher a ação do Espírito Santo, representada no cartaz pelas vias brancas que perpassam as vidas em comunhão. “O jeito luterano de viver a fé cristã apresenta-se no labirinto das cidades como um espaço alternativo e singular para as pessoas buscarem a Deus. Oferece o caminho da vivência da fé a partir da comunhão de uns com os outros e desenvolve uma rede de interações e compromissos” (Pastor Sinodal Guilherme Lieven).

Guiada pelo Evangelho, que lhe dá o rumo numa realidade com tantas incertezas, a comunidade cristã reconhece Deus, simbolizado pelo “D”, como seu parâmetro principal. É a partir desse parâmetro que age, planeja, lida com suas fraquezas e embasa suas esperanças. Esse “D” em vermelho, cor que lembra o sinal de trânsito, indica para a necessidade de, em meio à correria e à falta de tempo, parar, pensar e seguir. Quem segue sem parar e pensar, caminha sem rumo atrás de outros, sem destino certo, tem problemas de saúde e de sustentabilidade.

Mudanças promovidas pelo Evangelho requerem discernimento. Assim como o cristão, a comunidade encontra-se simultaneamente perante o mundo e perante Deus. Isso lhe confere mais uma baliza para viver em meio à violência sem se tornar hostil, para viver em meio a incertezas sem cair na desesperança. “É só nas relações reais que se torna possível considerar e respeitar as/os diferentes sem recair no acobertamento dos conflitos ou em sua solução violenta” (Dr. Luiz H. Dreher). Perante Deus, a comunidade tem nova identidade que lhe permite discernir, a partir da graça recebida, as vias que promovem vida das que a destroem.

Diante e dentro dessa realidade urbana, o papel da Igreja não é recolher-se cada vez mais no templo, mas de voltar-se para a cidade, dialogar com a cidade, procurar entender a dinâmica da cidade. Na verdade, cabe à Igreja criar condições para que as gentes das cidades, membros e não membros, tenham a comunidade como espaço e oportunidade para expressar o que são e o que sentem, para, através do diálogo, da convivência e com a luz que vem do Evangelho, dar rumo para seu cotidiano.

Buscar oportunidades ao invés de fixar os olhos nas carências é o fundamento da mudança, inclusive para as comunidades rurais. Também a elas Deus desinstala e dirige seu desafio à reforma. Assim como na cidade a comunidade cristã é levada a viver em comunhão com a comunidade maior, assim no campo ela é espaço para fazer a diferença.

A comunidade cristã que se deixa desinstalar pelo Evangelho legitima-se como espaço de vida e de comunhão. É comunidade que encara seus conflitos e suas diferenças à luz da Palavra. Coloca-se a serviço do mandato evangélico na missão urbana, anuncia a Palavra, testa a sua capacidade de comunicar a Teologia e ajuda a cidade a encontrar seu rumo, a paz. Ao se deixar desinstalar, a comunidade se permite ser reformada constantemente, abre-se a possibilidades e reage. As duas primeiras comunidades da IECLB que completam 190 anos em 2014 – Nova Friburgo/RJ e São Leopoldo/RS, por exemplo – são testemunho de reação. Longe de sua terra natal, em terra estranha, pessoas se uniram para prestar culto a Deus, para encontrar forças e para fazer a diferença na sociedade de então.

Fazer a diferença é hoje o maior desafio de qualquer organização. Exige humildade frente à realidade. Requer escutar, olhar, sentir a dor, para compreender, e então promover transformação. A comunidade cristã tem frente a si o desafio de se desinstalar, seja de eventual etnocentrismo, seja de possível “templocentrismo”. Tem o compromisso de se avaliar à luz da Palavra de Deus para transformar as próprias injustiças, sejam elas de natureza estrutural ou circunstancial, como as de gênero, as étnicas, as etárias, as de gestão.

Deus vai além da mudança. Ele compromete. Em meio a um mundo de incertezas, de novidades e de medos, o profeta Jeremias anuncia a vontade divina: é preciso procurar a paz da cidade. Só assim haverá paz para todos. Que compromisso é esse que faz a comunidade cristã desapegar-se do passado para entender o presente, que a faz descer do morro e ir para as baixadas e vilas, para o meio dos arranha-céus e dos condomínios, que a faz encarar novas perguntas ao invés de se fechar para sobreviver?

Para o historiador Dr. René Gertz, o Tema da IECLB em 2014 remete às nossas origens étnicas, permitindo, por um lado, trazer à memória os aspectos positivos dessa história. Por outro lado, porém, é oportunidade para confrontar-nos com as dificuldades dali decorrentes e que foram e podem ser ainda hoje complicadoras para nosso testemunho e nossa inserção no Brasil urbanizado. Nossas origens nos dão credibilidade. Mas elas também são barreira. Conseguiremos conviver com esse dilema?

Pelo batismo somos declarados filhos e filhas de Deus, cidadãos e cidadãs comprometidos, entre outros, a procurar a paz da cidade. Não se trata de uma paz barata, e sim da paz que produz comunhão verdadeira, que promove inclusão por meio do respeito a diferenças, que impulsiona ações diaconais conjugadas com os esforços de outros setores da sociedade, que produz reformas em favor da vida digna para toda a gente.

Promover a paz da cidade implica dar visibilidade para todos, em especial para as pessoas que estão à margem da sociedade. Envolve promover a eleição de gestores e legisladores idôneos dos bens da cidade. Exige posicionamento evangélico frente a decisões que excluem os mais frágeis e “escanteiam” recursos públicos. “A comunidade cristã precisa redescobrir essa liberdade que nasce de sua fé para lidar com as estruturas de seu tempo que geram um convívio desigual na sociedade” (P. Dr. Renatus Porath).

A cidade é hoje, como nos tempos do profeta Jeremias, um mercado para as religiões. Sobreviver nessa realidade como comunidade evangélica de confissão luterana requer trabalho. Fazer a diferença em prol da paz requer esforço maior ainda, porque tira a comunidade de uma zona de conforto. Num mundo com referenciais cada vez mais dispersos, o empenho pela paz faz a comunidade parar e pensar. Desvia-a de respostas baratas. Tira-a da ilusão do sucesso meramente numérico e a faz ultrapassar o sentimento de fracasso.

Promover a paz da cidade requer atitudes corajosas para fazer frente à desesperança. Comunidade cristã é essencialmente rede de apoio mútuo, individual e coletivamente. O compromisso com a paz pede ecumenicidade e transdisciplinaridade – abertura para considerar outras iniciativas, com elas aprender e conjuntamente lutar por vida digna para todos.

Promover a paz requer perguntar constantemente pelo lugar da igreja (da cruz) na paisagem urbana. Como no cartaz, o espaço da igreja não se mostra automaticamente. É preciso ser revelado através do testemunho concreto de comunhão e de serviço.

Para as pessoas desgastadas pela correria diária, em meio aos labirintos urbanos donde não mais se distingue a cruz das igrejas, alguns valores manifestam-se como essenciais para o resgate da função primordial da cidade de ser espaço de bem-estar para todos. Civilidade, paz, justiça, democracia, tolerância, liberdade, diversidade, presença, diaconia, ecumenismo, fé, vínculo, harmonia, gratidão, respeito, esperança, diálogo e partilha são valores próprios do Evangelho a serem resgatados e reforçados pela comunidade cristã em comunhão com a sociedade. O próprio Deus, por amor a nós, veio ao nosso encontro em Jesus Cristo, o descendente de Davi, rei honesto, executor do juízo e da justiça, andou por cidades e aldeias (Lucas 8.1) e reafirmou a real possibilidade da paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo” (João 14.27).

Felizmente há gestores municipais engajados nesse resgate. Num dos casos, busca-se a revisão do antigo Código de Posturas para atualizá-lo como um Código de Convivência Urbana. Com essa mudança, almeja-se a transição do poder de polícia que controla o cidadão para um pacto de autorregulação. “Não depositar o lixo na calçada do vizinho, respeitar o horário de silêncio, dar prioridade ao pedestre na faixa de segurança, não poluir a paisagem urbana: são exemplos de práticas que podem ser reguladas pela população e pelo poder público, de forma colaborativa. Para isso, temos de ser capazes de construir e legitimar socialmente uma pedagogia do cuidado urbano, cuja ética da responsabilidade promova o entendimento recíproco de que eu sou a cidade, eu aconteço na cidade e eu sou um agente transformador da minha cidade. Esta ação cuidadora começa pela minha mão e perpetua-se no meu olhar – crítico ou aprovador –, em um espaço em que sou ator e plateia, regulador e regulado”. O grande objetivo é a “restauração do ambiente de confiança e de coesão social” (Jornal Zero Hora de 22.4.2013).

Ao invés de ver a cidade e sua gente como problema e olhar com saudosismo para um passado rural que também não mais existe, ou nutrir a ilusão de que o refúgio para uma vida com sentido existe nas montanhas ou nas praias, o Tema do Ano de 2014 convida a perceber que as cidades são formadas por pessoas de Deus, que têm sede de sentido e de comunhão com Ele e entre si. Convida a entender que o Deus que as pessoas buscam para a comunhão e a salvação na comunidade cristã também está no meio urbano. A vida na cidade não morreu! Só tem outra dinâmica.

O Tema de 2014 indica, de maneira categórica, um desafio à IECLB: aprender a trabalhar a pertença das pessoas nas cidades para não perdê-las. Renascer para uma vontade de ser igreja na realidade urbana. Não alimentar o dito distanciamento de Deus do cotidiano urbano. Orar pela paz da cidade e procurar por ela. Dispor-se para a Missão de Deus em favor da paz, assim como o fez Jeremias junto aos filhos e às filhas de Deus no desterro da Babilônia.

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