Por que não identificar o conceito da esperança, tão fundamental para a vida humana, com os sons do futuro? O ser humano, em razão de suas potencialidades e de sua inteligência, é colocado no centro do universo e da história. A pessoa humana constrói sua identidade a partir do que ela possui e do que é capaz. Por isso, pode afirmar: Eu penso, logo existo. Ajo, sou criativo, trabalho e produzo, sou dono de meus sentimentos e vivo minhas emoções, por isso existo e sou alguém de valor imenso. Esperanças? Não seriam supérfluas? Por que cultivá-las ou para que elas prestam?.

Aplicando essa linha de pensamento à presença da Igreja, comunhão de fé, na sociedade, observamos que a dimensão da esperança é elemento fundamental para sustentar sua base confessional. Nestes dias, deparei-me com uma afirmação crítica que dizia: A Igreja que não olha para frente, para o futuro, que não anda nos caminhos da esperança, não serve para o dia de hoje. Verdade é que a esperança não substitui ações concretas motivadas pelo exemplo de serviço do próprio Senhor da Igreja, Jesus Cristo. A comunidade cristã não se deixa apenas embalar, espiritualmente, pela visão de um novo futuro, mas caminha cheia de coragem em direção a práticas que transformam o mundo presente.

A motivação que nos coloca nos caminhos da esperança provém da confiança inaugurada pelo grande festival da esperança, a Páscoa. No ar encontra-se uma novidade fantástica, impagável, os poderes da morte não estão com a última palavra. Os mensageiros de Deus proclamam a proximidade de um mundo novo, onde coexistem pessoas novas. O desamor, o espírito vingativo, a desunião, a concorrência entre poderes desiguais são sinais da rebeldia humana contra seu Criador. A pessoa transformada pelo Evangelho, a serviço da melodia que traz os novos sons do futuro, é mais sensível, mais irmã, é pessoa animada a semear o amor de Deus, voltado à preservação da unidade dos povos e promotor da paz justa. É pessoa nova que se arrisca a nadar contra a correnteza da esperteza, que visa à autopromoção.

O futuro da humanidade independe das decisões manipuladas a partir da visão estreita dos tecnocratas, também rompe as articulações ensaiadas nos escritórios dos aparentes senhores do mundo. Assim como o futuro da sociedade humana não é propriedade dos tocadores da música do Apocalipse, pressionando decisões e incutindo medo, diante do final iminente dos maus tempos. Lembro que sociedades em crise - o Brasil não foge à regra - estão cheias de profetas apocalípticos, muitos deles mal-intencionados. A vida nova dos filhos de Deus brota de uma nova mentalidade e de uma consciência obediente à oferta da reconciliação e do amor de Jesus Cristo.

Depois de fortes sentimentos de esperança e alento animador, tornamos a experimentar, na sociedade nacional, a realidade da frustração, por causa de esperanças que falharam ou ameaçam falhar. É sabido que a sobrevivência das massas populares depende desses frágeis fios de esperança teimosa. A esperança experimenta esse potencial de fazer com que a vida sofrida se torne uma realidade suportável. A ausência total de esperança na vida humana é sinônimo de inferno. A liberdade de sentirmos o abraço amigo de Deus, de sentirmos as carícias das mãos acolhedoras de Jesus Cristo, o primeiro homem novo do futuro, continua trazendo alento e conforto, para todo sempre.

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC

Jornal ANotícia - 12/03/2004