Tema do Ano da IECLB



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Igreja, Economia, Política - Tema do Ano 2018 - Texto Motivador

28/11/2017

 

Tema do Ano 2018

Igreja, Economia, Política

Lema

Eu sou o SENHOR, teu Deus (Êxodo 20.2a)

Por que este tema?

Igreja, Economia, Política. Por que a IECLB escolheu estas três palavras para compor o Tema do Ano de 2018? O que Igreja tem a ver com Economia e Política? Quem na história da Igreja relacionou essas três palavras? E por quê?

Deus viu que era muito bom tudo aquilo que havia criado (Gênesis 1). O ser humano foi colocado num belo espaço para viver. Tinha liberdade e podia cooperar com Deus. O ser humano, porém, rompeu com Deus e caiu em pecado (Gênesis 3). Deus, por seu lado, não desiste do ser humano e, em Jesus Cristo, promove reconciliação (Romanos 5.10). Tal ato de Deus faz de nós seus cooperadores e suas cooperadoras (2 Coríntios 6.1). E é nesse encontro entre ação de Deus e cooperação humana que Martim Lutero identifica e descreve a relação entre Igreja, Economia e Política. Para ele, estes três âmbitos da vida são ordens da criação divina e podem ser também denominados de hierarquias ou estamentos: “A Bíblia fala e ensina sobre as obras de Deus, a
respeito do que não há dúvida; essas, no entanto, estão divididas em três hierarquias: Economia, Política e Igreja” (A teologia de Martim Lutero, p. 88).

A comemoração dos 500 anos da Reforma renovou o interesse por temas fundamentais da
tradição evangélico-luterana. Com o Tema do Ano 2018, trazemos à tona esta temática da
Reforma por entendermos que continua relevante e é oportuna no atual cenário brasileiro e
mundial.

O que são as ordens da criação?

Lutero fala de Economia, Política e Igreja a partir de três funções consideradas essenciais para a organização social em sua época: alimentar, proteger e ensinar. As duas primeiras funções têm origem em um antigo conceito de sociedade baseado nos âmbitos privado e público.

A casa, chamada de oikos na língua grega, era o âmbito privado e a unidade básica de produção. Oikos abrangia a casa propriamente dita e tudo aquilo que estava vinculado a ela: as pessoas com laços de parentesco, empregadas e empregados, propriedades, animais. A partir do oikos, surgiu a
Economia (oikonomia), que era essencialmente agrária.

O âmbito público era determinado pela cidade, chamada de polis. A polis tinha função administrativa e jurídica e era composta por vilarejos e territórios. Do termo grego polis se originou a palavra Política. A Política tem a ver com a organização do espaço público, mas também tem influência no âmbito privado.

A Igreja (ecclesia), com a função de anunciar e ensinar, foi acrescentada mais tarde a este esquema grego de sociedade.

Considerando as funções de alimentar, proteger e ensinar, é possível dizer que:

 A responsabilidade de alimentar estava a cargo das pessoas agricultoras e artesãs. Este era o âmbito da Economia, a produção baseada no oikos.
 A responsabilidade de proteger era atribuição dos membros da nobreza. Aqui temos o âmbito da Política, a organização da polis.
 A responsabilidade de ensinar cabia ao clero, e este é o âmbito da Igreja, a ecclesia.

Na Idade Média, esta determinação de funções se manifestava numa organização social de classes separadas e profundamente desiguais: membros do clero, pessoas nobres e povo comum. Lutero, entretanto, entendia que Igreja, Economia e Política não formam categorias isoladas e sobrepostas. De acordo com o reformador, Deus organiza a existência humana em Igreja, Economia e Política, e todo ser humano, particularmente a pessoa cristã, participa de igual forma nos três âmbitos. Um âmbito não é mais sagrado ou mais profano, mais espiritual ou menos espiritual do que o outro. As três ordens da criação são modos pelos quais Deus atua e através dos quais o ser humano, pela fé, coopera com Deus para o melhoramento do mundo.

A Igreja

A Igreja é instituída sem muros e sem qualquer pompa, num lugar amplo e agradável.

Essa é a instituição Igreja, antes que houvesse organização econômica e política (...).

[...] institui-se a Igreja antes de existir uma Economia doméstica. Pois, aqui, o Senhor prega a Adão e lhe apresenta uma palavra (Obras Selecionadas, v. 12, p. 134-136).

Segundo Lutero, em sua forma originária, a Igreja consistia basicamente na Palavra que Deus dirige ao ser humano e na resposta de gratidão que Deus dele espera. No paraíso, Deus deu ao ser humano a Palavra e o culto em sua forma mais pura e simples. A árvore da vida pode ser interpretada como lugar de culto onde Deus serve com sua Palavra e o ser humano responde em gratidão e obediência. Por isto é que Lutero também parte do pressuposto de que cada pessoa possui um conhecimento natural a respeito de Deus. E é por isto que a Igreja podia existir antes mesmo de Jesus Cristo.

A Igreja é a ordem primordial, da qual procedem as outras duas. Para Lutero, o fato de a Igreja vir em primeiro lugar era um “sinal que o ser humano foi criado com um propósito diferente dos demais seres vivos” (OS, v. 12, p. 135). O ser humano foi criado para louvar a Deus e observar a sua Palavra aqui na terra, o que requer que providencie o necessário para a sua Economia (produção, reprodução e cuidado da vida). Depois de viver agradavelmente na terra, seria transferido para a eternidade. 

Economia

Depois da instituição da Igreja, organiza-se também o regime doméstico, quando se dá Eva a Adão como parceira (OS, v. 12, p. 134).

Portanto, depois que se estabeleceu a Igreja, também se confiou a organização econômica a Adão no paraíso (OS, v. 12, p. 135).

Depois da Igreja, foi instituída a Economia para proporcionar o sustento da vida. A esta ordem pertencem todas as conexões familiares, bem como o esforço do ser humano para obter os seus meios de vida e o propósito de propagação da espécie. A Economia (oikonomia) engloba matrimônio, família e todas as relações de produção e de reprodução fundamentadas na casa (oikos). 

De acordo com Lutero, é a partir do matrimônio que surgem a vida e o seu sustento. Por isto, o matrimônio e a família constituíam a base da Economia. Sob esta ótica, o quarto mandamento era considerado o maior dentre os que se referem à vida terrena.

Na compreensão de Lutero, Igreja e Economia subsistiam em sua forma ideal no paraíso. O ser humano, criado à semelhança de Deus, recebeu autonomia para organizar sua vida. Deus esperava apenas que o ser humano o louvasse, se alegrasse nele e lhe obedecesse, sendo seu cooperador. Porém, em vez de viver responsavelmente a sua liberdade, o ser humano caiu em pecado. Afastou-se da vontade de Deus. Com a queda no pecado, a natureza humana foi corrompida. A produção e a reprodução perderam seu ambiente natural e a Economia foi igualmente pervertida. Com isto, surge a necessidade de uma terceira ordem: a Política.

Política

Tampouco houve organização política antes do pecado, porque não era necessária. Pois a organização política é o remédio necessário para a natureza corrompida (OS, v. 12, p. 134).

Após a queda, a liberdade do ser humano se transformou em poder que ameaça a vida. Por este motivo, Deus instituiu a Política como uma disposição emergencial. A Política tem sua expressão no poder coercitivo e punitivo do Estado, cuja tarefa é manter a ordem e proteger contra a corrupção. Ao mesmo tempo, a Política tem a função de promover a justiça econômica: “Precisamos de soberanos e autoridades que tenham olhos e ânimo para instaurar e manter a ordem em todos os negócios e transações comerciais, para que os pobres não sejam sobrecarregados e oprimidos, tendo que arcar com pecados alheios” (Catecismo Maior, p. 64).

Lutero não compreendia a Política apenas como mal necessário ou poder coercitivo. Ele reconhecia que Deus criou as pessoas para que se relacionassem de forma amistosa e pacífica. A partir desta predisposição para a organização social, a Política é também um elemento constitutivo e garantidor da existência humana. E isto faz com que cada ser humano participe da Política, seja como cidadão ou como pessoa que desempenha um cargo político.

As ordens da criação em nosso contexto

O ensino de Lutero sobre as três ordens da criação se refere a um estado ideal que não existe mais. A natureza humana foi corrompida pelo pecado e, com isto, também as ordens da criação estão corrompidas. Ainda assim, todas elas permanecem sob a promessa de Deus e continuam sendo os âmbitos nos quais Deus atua e institui a existência humana. Deus oferece a possibilidade de reconciliação e de recomeço. A iniciativa divina de reconciliação teve sua expressão máxima na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Através da fé em Cristo, Deus nos chama e capacita para uma nova existência (2 Coríntios 5.18-21).

A nossa configuração social é diferente e mais dinâmica que a sociedade da época medieval. A base da Economia mudou e a Política ganhou configurações diversas, inclusive com enorme desgaste e falta de credibilidade. A estrutura mais ou menos rígida das três ordens está ultrapassada, mas os desafios éticos permanecem válidos. Em termos de função básica ideal, podemos dizer que a Igreja ensina a Palavra de Deus, a Economia sustenta a vida e a Política protege a vida.

A concepção de Lutero interligou âmbitos que eram considerados desiguais, separados e sobrepostos. Para o reformador, Deus age mediante as três ordens, e todas as pessoas se colocam a serviço de Deus nas três ordens. Esta é uma indicação importante para nós: cada pessoa é chamada a atuar com Deus nestes três âmbitos da vida.

A Igreja não se define pelo templo ou pela denominação. Igreja é o conjunto das pessoas que se congregam por causa da Palavra de Deus e dos sacramentos. Na compreensão luterana, cada pessoa é chamada para ouvir o Evangelho, responder com gratidão e alegria, reunir-se em comunidade, contribuir com recursos e dons, e dar testemunho da vontade de Deus no contexto em que vive. Lutero compreende esse testemunho como cooperação com Deus para o melhoramento do mundo. O que esta definição de Igreja significa para a nossa Comunidade, Paróquia, Sínodo?

Os modelos de Economia hoje vigentes são caracterizados por concentração de bens e renda, exploração de mão de obra, esgotamento e degradação dos bens naturais. Avaliando a sua realidade, Lutero não teve dúvidas em denunciar: “alguns vendem sua mercadoria acima da cotação da praça”; “existem os que compram todo o estoque [...] para tê-lo em seu exclusivo poder e então poderem fixar o preço”; “como é possível [...] que um homem fique rico em tão pouco tempo, a ponto de conseguir comprar reis e imperadores?” (OS, v. 5, p. 390, 397). Em que se diferencia a nossa Economia? Que testemunho nos cabe em favor de modelos econômicos que sustentem a vida? Considerando que os bens naturais são finitos, que mudanças são necessárias para garantir as condições de vida das gerações futuras?

A tarefa da Política consiste em punir o mal, ordenar a convivência e proteger a vida, promovendo uma Economia pautada pela justiça. A Política jamais deve se tornar instrumento para a prática do mal e a obtenção de privilégios pessoais. Na explicação do Cântico de Maria, Lutero enfatiza: “Enquanto a terra existir, tem que haver autoridade, governo, poder e tronos. Mas Deus não tolera por muito tempo que abusem deles e os usem em oposição a ele, para praticar injustiça e violência” (Magnificat, p. 63). A partir da compreensão de que a Política é um âmbito necessário e que dele somos parte natural, cabe-nos a tarefa de avaliar ações políticas e trabalhar para a superação de confrontos e polarizações inadequadas. A teologia evangélico-luterana oferece subsídios significativos para contribuir na definição do papel da Política como meio de proteção da vida, promovendo paz e justiça. Conseguiremos dar esse passo diferenciado? 

Lema do Ano: Eu sou o SENHOR, teu Deus (Êxodo 20.2a)

Ao caminhar pela cidade de Atenas, o apóstolo Paulo constatou que ali eram adorados muitos deuses. Havia um altar com a inscrição: “AO DEUS DESCONHECIDO”. Paulo aproveitou para afirmar: “Esse Deus que vocês adoram sem conhecer é justamente aquele que eu estou anunciando” (Atos 17.23). Quem é esse Deus?

Quinze séculos depois, Martim Lutero constatou que a questão do apóstolo precisava ser retomada. Porque Deus criou todas as coisas, o ser humano teria condições de conhecer algo de Deus (Romanos 1.18-21). O problema é que esse conhecimento natural de Deus foi corrompido pelo pecado. Após a queda (Gênesis 3), a razão humana pode apenas reconhecer que existe Deus, porém não conhece quem é Deus: “O principal que se perdeu na alma é o conhecimento de Deus, que não lhe rendemos graças em toda parte”, constata o reformador. Quem é Deus? O Lema deste ano contribui para responder esta pergunta.

Após o livramento da escravidão do Egito (Êxodo 14 ss.), a caminho da terra “que mana leite e mel” (Êxodo 3.8), o grupo hebreu saciava sua fome e sede com o que Deus lhe provia (Êxodo 16-17). Para consolidar a liberdade alcançada, Deus estabeleceu um pacto: “Se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade peculiar dentre todos os povos” (Êxodo 19.5). Que promessa! Que perspectiva de vida! A melhor possível. Mas os fatos demonstram que a efetivação dessa perspectiva não foi (e não é!) tão simples assim.

Deus ensinava o povo através de Moisés, que se retirava para o alto de um monte, a fim de receber as orientações divinas. O primeiro conjunto de leis que Deus anunciou inicia com uma afirmação: Eu sou o SENHOR, teu Deus (Êxodo 20.2). Esta expressão é recorrente no contexto do Êxodo (Êxodo 6.2,8). É afirmação repetida e pela qual Deus diz quem Ele é. Ao receber outro conjunto de leis (Êxodo 24.12ss), Moisés demorou para retornar. Por isto, o grupo decidiu moldar deuses para irem à sua frente (Êxodo 32.1-4). Com esse gesto, o povo deixou de confiar em Deus  e praticou idolatria. A idolatria não consiste na mera fabricação de ídolos, mas na confissão de que teriam sido eles que o libertaram da escravidão. A este povo, que não compreende a sua liberdade e a sua vocação, Deus afirma: Eu sou o SENHOR, teu Deus! Quem sou eu? Fui eu que te tirei da terra do Egito, da casa da escravidão. Essa é a razão pela qual “não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20.2-3).

Em meio a altares já existentes e outros tantos novos criados, Deus revela quem Ele é. É Deus que liberta e caminha com seu povo. É insuficiente dizer que Deus existe. É necessário afirmar quem é Deus. E, para Lutero, o primeiro Mandamento é o mais importante, pois Deus representa aquilo do qual se pode esperar todo o bem. Neste mandamento, Deus está dizendo: “Deixe somente eu ser seu Deus e nunca procure nenhum outro, ou seja, o que lhe fizer falta, espere-o de mim, procure-o junto a mim. E quando você estiver passando por infortúnio e aperto, arraste-se para junto de mim e fique comigo, EU é que lhe darei o suficiente e ajudarei em toda necessidade” (Catecismo Maior, p. 26).

Deus se fez humano em Jesus Cristo. A vida, morte e ressurreição de Cristo revelam quem é Deus: um Deus misericordioso que oferece perdão, justificação e uma nova oportunidade (Marcos 14.24). Pela reconciliação em Cristo e sua resposta de fé, o ser humano é nova criatura (2 Coríntios 5.17), chamada a atuar em cooperação com Deus nos três âmbitos da vida. Pela força do Espírito Santo, que cria comunhão, orienta e promove o testemunho, o ser humano atua a serviço de Deus para o melhoramento do mundo.

Igreja (que ensina a Palavra de Deus), Economia (que organiza a produção e a distribuição justa dos meios de sustento da vida) e Política (que zela pela boa convivência humana) são os instrumentos que Deus usa para evidenciar quem Ele é e o que Ele quer. Na argumentação de Lutero, Igreja, Economia e Política são utilizadas por Deus para efetivar sua vontade no mundo por Ele criado. Numa perspectiva cristã, nisto podemos confiar e em favor disso nos empenhamos, pois é Deus quem diz: Eu sou o SENHOR, teu Deus!

P. Dr. Nestor Friedrich
Pastor Presidente
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB

Porto Alegre, 28 de novembro de 2017


 


Autor(a): Nestor Paulo Friedrich
Âmbito: IECLB
Área: Campanhas / Nível: Tema do Ano
Natureza do Texto: Artigo
ID: 46313

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