Vem e segue-me!
Atos dos Apóstolos 16.1-10
O livro de Atos dos Apóstolos é uma obra empreendida, segundo os pais da Igreja, pelo médico sírio de Antioquia Lucas que foi companheiro do apóstolo Paulo (Cf. Colossenses 4.14). A tradição afirma ser o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos uma mesma obra que, mais tarde, foi dividida separando-se o Evangelho do restante dos relatos históricos. Atualmente, muitos estudiosos dariam o nome de “História das Origens Cristãs”. O nome do livro foi afixado por volta do ano 150 d.C e houveram diversas sugestões como “memorando de Lucas” (Tertuliano) ou ainda “atos de todos os apóstolos” (Cânon Muratori). A palavra “Actos” representava um gênero helenístico reconhecido que se caracterizava por descrever grandes feitos de um povo ou de uma cidade. Quanto à data de sua redação não há muito consenso, porém estima-se uma datação entre 62 d.C e 75 d.C., cada possibilidade tem os seus argumentos favoráveis ou contrários. O Interessante é que para se estimar a data de redação observam-se acontecimentos sociopolíticos da época. Observar os acontecimentos sociopolíticos da época já é por si só um testemunho de que a Palavra de Deus é e continua “encarnada” na realidade do povo. Aliás, a maioria dos estudiosos acredita que o livro de Atos é historicamente exato e válido segundo a arqueologia. Já quanto ao local de redação também existem diversas sugestões, mas as mais respeitadas e fundamentadas indicam a cidade de Antioquia na Síria, cidade mãe de Lucas, ou então a cidade de Roma (local onde se encerram os relatos) e ainda a cidade de Éfeso. Independente da cidade pode-se afirmar que Atos dos Apóstolos é um texto que nasce em um contexto urbano.
A pesquisa acredita que o médico Lucas não tenha conhecido e nem lido as cartas do apóstolo Paulo que já circulavam nas comunidades cristãs da época, por isso descreve o próprio apóstolo Paulo diferente em alguns aspectos teológicos como o próprio apóstolo se apresenta em suas cartas. Contudo, sabe-se que Lucas utilizou outras fontes escritas além da tradição oral: “Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas.” (Lucas 1.1-4). Atos têm como objetivo mostrar a ação do Espírito Santo na primeira comunidade cristã e, por ela, no mundo em redor. Narra basicamente as ações de Pedro e de Paulo, mas principalmente a história da difusão do Evangelho, de Jerusalém até Roma, pela ação do Espírito Santo.
Muito importante é o fato do livro dos Atos dos Apóstolos apresentar sempre uma situação de grande tensão aos apóstolos e primeiros cristãos convertidos. Podemos lembrar-nos de alguns acontecimentos (que não são narrados por Atos) como a invasão romana de Jerusalém pelo general Tito (70 d.C) e a escravização de muitos judeus que foram levados prisioneiros a Roma, a perseguição infligida por Nero (64.d.C) ou então a tolerância ao judaísmo com religião apenas autorizada (muito frágil) no Império Romano nos mostram que a vivência da fé não fora algo tão tranquilo e nem desassociado de posições políticas e demonstração de resistência. Também nos mostram que as tensões políticas promovidas pela ambição do domínio sempre promoveram o surgimento de massas de excluídos e perseguidos por conta de sua etnia, fé e ideologias. Muitos desses excluídos encontraram novamente na mensagem do Evangelho anunciada pelos apóstolos a sua dignidade.
Timóteo ontem e Timóteos hoje.
Dignidade resgatada. Provavelmente foi esse o sentimento de Timóteo. O texto em foco afirma: filho de judia crente (judia convertida ao cristianismo) e de pai grego que não fora até então circuncidado. Só nessa descrição podemos imaginar as tensões culturais vividas por Timóteo. Para os judeus daquela época converter-se ao cristianismo era quase que um crime. Pois bem, sua mãe e avó eram convertidas. Provavelmente por isso já eram excluídas das comunidades judaicas. Timóteo era filho de uma união mista (Pai era grego – “....pois todos sabiam que seu pai era grego.”) e participante de uma comunidade cristã clandestina e proibida. Cito da internet uma pequena biografia: “Filho de um casamento misto (o pai era grego e a mãe, judia), Timóteo vivia em Listra, na Licaônia, não muito longe de Tarso, na Cilícia, de onde Paulo era. A mãe (Eunice) e a avó (Loide) provavelmente tenham se tornadas cristãs por ocasião da primeira viagem missionária, quando Paulo e Barnabé passaram por lá. Timóteo teria cerca de 20 anos e, quem sabe, tenha sido um dos cristãos que encontraram Paulo semimorto e caído no chão depois de seu apedrejamento (2Tm 3.10-11). Não consta que o pai de Timóteo tenha se convertido nem ao judaísmo nem ao cristianismo, apesar da boa influência da sogra, da esposa e do filho. Por nunca ter aderido à religião da esposa, o pai não permitiu que Timóteo fosse circuncidado ao nascer (16.3). Apesar disso, Timóteo foi educado nas Sagradas Escrituras desde menino (2Tm 3.15)”.(Extraído do site www.ultimato.com.br).
Paulo não se atem à origem e estrutura familiar de Timóteo, nem à sua juventude e nem à pluralidade religiosa de sua família. Paulo apenas vê em Timóteo um jovem chamado pelo Espírito Santo e capacitado com coragem, prontidão e atos diaconais. Penso que ao falarmos hoje de missão urbana nós também encontraremos muitas pessoas em situação familiar de pluralidade cultural, que não observam tradições e ritos tão valorizados pelas Igrejas institucionalizadas, mas que demonstram “boa vontade”. Aliás, acredito que cada vez mais encontraremos homens e mulheres que já não são mais herdeiros de uma tradição arraigada nos costumes diários vividos no lar. É claro que em círculos conservadores essas pessoas não encontrarão espaço e nem o seu valor, mas mesmo assim o texto bíblico chama Timóteo de “discípulo”. Discípulo do Evangelho de acolhimento e de amor de Jesus Cristo. Penso que ainda temos muito medo da pluralidade e de tudo aquilo que desconhecemos. Sem dúvida, o plural coloca em cheque a estabilidade e a autoridade de pensamentos régios, mas, por outro lado, o plural sempre é um rompimento com o “antigo” e uma porta para o “novo”.
“Quis Paulo que ele fosse em sua companhia...”. É preciso querer. Paulo quis confiar e acreditou que Timóteo, embora sem tanta tradição, pudesse auxiliar. Imagino a satisfação de Timóteo! Imagino a alegria e a valorização. Isso me remete a Jesus e ao seu convite: “ vem e segue-me”. Também acredito que durante as andanças, pregações, cadeias, alegrias Timóteo foi aprendendo. Os consensos não foram decisivos para o convite, mas os consensos surgem da convivência. É claro que nem tudo foi assim tão romântico: Timóteo precisou ser circuncidado para não sofrer rejeição, mostrando assim a já existente tensão entre o novo e o antigo.
O texto bíblico ainda relata diversas dificuldades e impossibilidades que Paulo e Timóteo encontraram em diversas cidades para pregar o Evangelho. Foram rejeitados e perseguidos. Aliás, Atos está repleto de narrativas de perseguições. Mas o que fizeram? Desistiram? Claro que não! Deixaram de lado e foram seguir seu caminho a procura de colaboradores. Atos também nos narra sucessos, comunidades diaconais, pessoas sendo acolhidas e servidas pelas comunidades dos convertidos, pessoas sendo alimentadas, pessoas recebendo uma “família”, pessoas aprendendo a partilhar e aprendendo a orar. Mas quem eram essas pessoas que se convertiam? Eram os surdos curados, os cegos que recuperavam a visão, eram fugitivos, escravos, viúvas, soldados, vendedoras de púrpura e eunucos. Parece que Paulo quis em suas ações missionárias urbanas tentar buscar suporte e auxílio nas instituições já estabelecidas e respeitadas, mas encontrou nelas medo, rejeição e perseguição. O mais fácil seria ter desistido, mas ao invés de desistir motivou a união e a partilha daqueles que também eram de alguma forma rejeitados.
Temos ainda a forte tendência de visitar, honrar e bajular as pessoas e as famílias que possuem tradição e recursos. Acentuo o “ainda” como uma luz vermelha que acende. Não acredito que o peso da tradição e os dogmas estáticos inquestionáveis continuem a fazer sentido para jovens do século XXI em grandes metrópoles em que se vive a pluralidade cultural dentro dos lares vividos em amor por famílias que já não mais seguem os modelos familiares tradicionais. Rejeitar as pessoas que vivem novos modelos familiares é tirar delas a dignidade conferida por Deus. Igreja que tira a dignidade e cria fardos para seus congregados é igreja alienada ao seu contexto e incapaz de transmitir o central do Evangelho.
Que saibamos ser sensíveis às pessoas que vivem em cidades pós-modernas, mas governadas por ideais da idade média. Nessas cidades, sem sombra de dúvida, existem muitos que querem um espaço, que querem voz, que querem direitos. Existem muitos que querem sua dignidade resgata. Que o Espírito Santo nos mova assim como moveu a Pedro, Paulo, João, Felipe, Timóteo e tantos outros que entraram no anonimato.
Amém!
P. Stefan Ruy Krambeck
Sugestões para celebração:
1º) Elaborar uma decoração com elementos de várias tradições religiosas que possam ser facilmente identificados como sendo de várias tradições (Bíblia, cruz, santos, pirâmides, cristais, livros de autoajuda, tambores, etc...). As pessoas perceberão que estão representadas várias tradições. Talvez na saudação já abordar um pouco esse tema dizendo que existem muitos jovens que nascem e crescem com essa pluralidade já dentro de suas casas.
2º) Colocar um cartaz dizendo: “onde está a verdade?”. Abordar brevemente antes da confissão dos pecados mostrando as disputas que existem entre todas essas tradições e como ao mesmo tempo elas tem força de rejeitar aqueles que não as seguem mais.
3º) Na ceia acentuar a inclusão que Jesus Cristo deu aos seus discípulos multiculturais.
Enfim, as opções são variadas e vai de acordo com a criatividade e coragem de cada um. Importante é acentuar o povo que procura acolhimento e sair de anonimato da exclusão e acentuar uma Igreja que também quer dizer Vem e segue-me assim como tu és!