Nas últimas semanas acendeu-se novamente a polêmica em torno da transposição do Rio São Francisco. Trata-se de um debate importante para milhões de pessoas. O assunto divide as opiniões da sociedade civil, da área da pesquisa científica e do governo. A relevância da questão veio à tona outra vez por causa de Dom Cappio que fez um jejum, protestando contra a obra de transposição.
A sociedade brasileira está dividida sobre o assunto e mesmo setores muitos bem informados têm dificuldades de se posicionar. Há uma enorme disputa de interesses neste debate. Independente dos desdobramentos que esta questão da transposição terá no curto ou médio prazo, o tema da água será parte inevitável da agenda das pessoas, povos e governos neste século. A questão central e de fundo é: até quando a água continuará um bem público e parte do direito humano à alimentação adequada e saudável ou propriedade privada e integrante de um grande mercado mundial.
Analistas e pesquisadores apontam para o fato de que inúmeros conflitos do presente já acontecem por causa de disputas em torno do acesso ou não à água potável. Com certeza teremos no futuro um crescimento das tensões, seja pela redução de fornecimento por causa da contaminação pela poluição ou crises ambientais provocadas pelo aquecimento global, seja por demandas cada vez maiores de alguns países para a produção agrícola e industrial.
A experiência de fé da tradição judaico-cristã acontece num contexto geográfico em a água era ( e continua até hoje) um bem escasso. Ela se tornou símbolo e expressão para aquilo que dá sentido à vida e preenche todas as necessidades das pessoas. A água é um bem fundamental para a vida e tem um significado espiritual. A sua importância vai para além do seu valor econômico. Ela tem um significado social, cultural, medicinal, religioso e místico.
O povo de Deus nos legou uma experiência de fé que testemunha a necessidade da água para a manutenção e preservação da diversidade da vida em todos os seus aspectos. Jesus Cristo, fonte de vida, nos impulsiona para o uso responsável e para a defesa da água como um bem público, colocado a serviço da vida. O convite do profeta Isaías: “Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas” (55.1) ecoa até os dias de hoje. Ele torna-se um imperativo para comunidades cristãs e demais grupos humanos que defendem o acesso à água como um direito humano a assumir um compromisso claro e decidido pela preservação da vida.
P. Rolf Schünemann
Publicado na edição 70 do Informativo dos Luteranos - março/2008