Cuidado com a Criação



ID: 2691

Por que tão pouca gente vê isso?

23/01/2003

No Brasil existem aproximadamente 600 mil catadores (as). No conjunto dos países da América Latina, a realidade é que a cada dia que passa aumenta o número de homens e mulheres que buscam no trabalho de catação um mecanismo de sobrevivência. Esta atividade econômica remete na maioria das vezes ao trabalho do grupo familiar, portanto não é raro ver crianças junto com os pais na tarefa de catação.

O I Congresso Latino Americano de Catadores (as)*, realizado em janeiro de 2003, denunciou esta realidade, conforme divulgado pela Carta de Caxias:

Somos 800 Catadoras e Catadores e representamos milhares de companheiras e companheiros do Brasil, do Uruguai e da Argentina. Queremos compartilhar com todas as pessoas a rica experiência de lutas, dificuldades, sonhos e conquistas vividas neste Congresso.

Esta luta não começou agora. Ela é fruto de uma longa história de mulheres e homens que, com seu trabalho de Catadores, garantiram a sobrevivência a partir do que a sociedade descarta e joga fora.

É uma história em que descobrimos o valor e o significado do nosso trabalho: coletando e reciclando materiais descartados, somos agentes ambientais e contribuímos com a limpeza das cidades. A organização de associações e cooperativas criou a possibilidade de emprego e renda para os setores mais excluídos da sociedade.

Por tudo isso, o trabalho e as organizações dos Catadores são uma luz que aponta na direção de um novo modelo de desenvolvimento para nossas cidades e para nossos povos. Nossa experiência mostra que todas as pessoas podem ser muito mais felizes e saudáveis. Basta dar valor a tudo e reciclar tudo o que for possível, reciclando a própria vida.

Por que há, no entanto, tanta gente que não vê isso e não se junta a nós?

O Congresso nos ajudou a entender o que vivemos no dia-a-dia: fazemos parte de sociedades em que valem mais as mercadorias do que as pessoas e a natureza. Só se dá valor às coisas que se pode vender para aumentar os lucros. Tudo que sobra - até mesmo as pessoas - é jogado fora. Não se presta atenção ao que é tirado da natureza para fazer as coisas que compramos, e menos ainda ao que acontece com a natureza a partir do que se joga fora.

A mesma dominação capitalista que gerou essa mentalidade está exigindo, nos últimos anos, uma liberdade total para as grandes empresas e bancos fazerem negócios em todo o mundo. Ela não respeita nada, nem mesmo a cultura e a soberania dos povos. Usa até mesmo a guerra para consumir armas e como instrumento para se apropriar do resto das riquezas naturais do Planeta.

Em nossa América, a ALCA é o caminho escolhido para colocar nossos povos sob o domínio do império econômico e militar estadunidense. Sua implantação retirará de nossas mãos o poder de decidir sobre o nosso destino. Perderemos o poder de decidir sobre o melhor uso das riquezas existentes, como a água e a biodiversidade, bem como o de escolher a melhor maneira de reciclar os resíduos sólidos, reciclando, ao mesmo tempo, a nossa vida e a vida de toda a sociedade.

Não aceitamos esse projeto dos capitalistas. Ele é portador de exclusão e de morte para a maioria da humanidade. Nossa experiência de Catadoras e Catadores nos mostra que é possível e já estamos abrindo um caminho novo e diferente, portador de vida para todas as pessoas e para o meio ambiente da vida.

Olhando para o futuro e com grande esperança, os participantes do 1º Congresso Latino-americano de Catadores assumem e convidam as pessoas e povos a assumirem com eles os seguintes compromissos:

1) lutar em favor da organização de todos os Catadores e Catadoras em associações ou cooperativas, reforçando os Movimentos dos Catadores existentes, superando a fome e a exclusão por meio de iniciativas que gerem trabalho e renda;
2) intensificar o intercâmbio e a articulação entre as iniciativas e organizações de Catadores de recicláveis dos países do Mercosul e de toda a América Latina, visando à construção de redes de cooperativas, associações e empresas comunitárias e uma futura criação de um movimento latino-americano deste setor;
3) trabalhar em favor de uma maior integração das comunidades de nossas cidades com as organizações de Catadores através de políticas e programas de educação ambiental, garantindo sua cooperação na separação e entrega dos recicláveis, no controle das ações dos governos, na valorização do trabalho dos Catadores, na participação em Fóruns de Gestão das políticas públicas;
4) conquistar, junto aos governos, o reconhecimento do trabalho dos Catadores na limpeza pública e a regulamentação da nossa profissão;
5) garantir programas de alfabetização e de formação para os Catadores que não tiveram oportunidades;
6) lutar pela revisão da legislação do cooperativismo para facilitar a implementação e o funcionamento do sistema no processo de organização dos Catadores;
7) lutar por novas formas de acesso dos Catadores aos benefícios da Previdência Social;
8) lutar contra a privatização do setor e garantir que os programas de coleta seletiva sejam implementados prioritariamente em parceria com as organizações de Catadores;
9) garantir que os investimentos do governo federal brasileiro para o setor de resíduos sólidos urbanos sejam condicionados à implantação da coleta seletiva em parceria com as organizações dos Catadores;
10) lutar pela erradicação dos lixões e implantação de aterros sanitários e pela garantia de investimentos para a implantação de infra-estrutura para o trabalho dos Catadores através de suas organizações;
11) lutar por uma legislação que exija que as empresas geradoras de resíduos sólidos assumam com responsabilidade o seu destino correto;
12) dar passos concretos para garantir o domínio da cadeia produtiva por parte das organizações dos Catadores, articulando-se com outros movimentos sociais para garantir que as propostas de leis e de políticas públicas referentes à coleta, triagem e industrialização de resíduos sólidos, elaboradas pelos Catadores, sejam assumidas pelos governos;
13) lutar por políticas públicas de fomento e incentivo para a capacitação e formação, com autonomia pedagógica das organizações de Catadores;
14) lutar pela criação de linhas de crédito específicas para grupos organizados de Catadores;
15) exigir a garantia da integração dos Catadores na política de saneamento ambiental;
16) lutar em favor de políticas de meio ambiente e de investimento em tecnologias adequadas de industrialização;
17) lutar em favor de nova modalidade de contrato de prestação de serviços entre as prefeituras e as organizações de Catadores na Coleta Seletiva;
18) mobilizar nossas organizações contra a guerra ao Iraque e contra a militarização do Continente Americano com bases estadunidenses, reforçando a luta pela paz.

Caxias do Sul, 20 a 23 de janeiro de 2003.


* O I Congresso Latino-Americano de Catadores de Materiais Recicláveis, realizado em Caxias do Sul, entre os dias 20 e 23 de janeiro de 2003, conseguiu, sem dúvida alguma, superar as expectativas de público como também consolidar os objetivos que haviam sido propostos no início do congresso. O intercâmbio de experiências e informações aconteceu de forma especial entre os participantes.

O evento reuniu debates, plenárias e oficinas a uma grande festa democrática. Delegações da Argentina, França, Uruguai, México, Canadá, Espanha e de todo o Brasil enriqueceram o congresso com seus conhecimentos e experiências, fortalecendo desta forma as discussões propostas pelos painelistas.

O evento contou também com a presença de artistas que se responsabilizaram pela animação do congresso e entretenimento das crianças que acompanharam os pais até Caxias do Sul.

O I Congresso ampliou experiências, fortalecendo a esperança desta categoria e trabalhadores que lentamente está conquistando respeito e credibilidade perante as sociedades e fortaleceu o lema destes trabalhadores, porque realmente, não há fronteiras para os que lutam.


1/2005




 

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