1. O cuidado com a criação e o louvor ao Criador
Antes de tratar racionalmente o tema “cuidado com a criação”, temos de louvar o Criador. Porque, mais profundamente que a razão, o nosso coração sabe que somos criaturas amadas de Deus e que ele criou todas as coisas para o nosso bem.
O cuidado com a criação está profundamente relacionado com o nosso louvor ao Criador: quanto mais autêntico for o nosso louvor, maior será o nosso cuidado. O louvor ao Criador é a melhor atitude ecológica; pois, quem louva o Criador, não tem coragem de maltratar a criação.
“O encontro com a natureza significa encontro com seu Autor e Mantenedor” (Marlon Ronald Fluck, Estudos Teológicos 1990, n. 1, p. 34). “O ser humano reconciliado dedica tempo para ver, admirar-se e dialogar com a criação, bem como louvar a Deus pelas suas obras” (Fluck, 1990, p. 36).
Aprendamos a louvar o Criador com o Salmo 95. 1- 6:
“Vinde, cantemos ao Senhor, com júbilo, celebremos o Rochedo da nossa salvação. Saiamos ao seu encontro, com ações de graça, vitoriemo-lo com salmos. Porque o Senhor é o Deus supremo, e o grande rei acima de todos os deuses. Nas suas mãos estão as profundezas da terra, e as alturas dos montes lhe pertencem. Dele é o mar, pois ele o fez; obra de suas mãos os continentes. Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemo-nos diante do Senhor que nos criou”.
Ou aprendamos a louvar o Criador com o Salmo 104.10-30:
“Tu fazes rebentar fontes no vale, cujas águas correm entre os montes; dão de beber a todos os animais do campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. Junto delas têm as aves do céu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu canto. Do alto de tua morada regas os montes; a terra farta-se do fruto de tuas obras. Fazes crescer a relva para os animais, e as plantas para o serviço do homem, de sorte que da terra tire o seu pão; o vinho, que alegra o coração do homem, o azeite que lhe dá brilho ao rosto, e o pão que lhe sustém as forças. Avigoram-se as árvores do Senhor, e os cedros do Líbano que ele plantou, em que as aves fazem seus ninhos; quanto à cegonha, a sua casa é nos ciprestes. Os altos montes são das cabras montesinhas, e as rochas o refúgio dos arganazes. Fez a lua para marcar o tempo: o sol conhece a hora do seu ocaso. Dispões as trevas, e vem a noite, na qual vagueiam os animais da selva. Os leõezinhos rugem pela presa, e buscam de Deus o sustento; em vindo o sol, eles se recolhem e se acomodam nos seus covis. Sai o homem para o seu trabalho, e para o seu encargo até à tarde. Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta, animais pequenos e grandes. Por ele transitam os navios, e o monstro marinho que formaste para nele folgar. Todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens. Se ocultas o teu rosto, eles se perturbam; Se lhes cortas a respiração, morrem, e voltam ao seu pó. Envias o teu Espírito, eles são criados, e assim renovas a face da terra”.
2. O cuidado com a criação e a fé cristã
O cuidado com a criação está profundamente relacionado com as bases de nossa fé cristã.
O Credo Apostólico, que expressa o que é a base da fé cristã, começa com a confissão da fé no Deus Criador: “Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra”.
Na base de nossa fé está o reconhecimento de que o nosso Deus é Criador de todas as coisas. Toda vez que, juntos com a comunidade, confessamos a fé cristã, assumimos que “nada nos pertence, tudo Deus quer dar”.
O que não nos pertence deve ser tratado com cuidado. O respeito que temos em relação ao Criador, define a profundidade do respeito que devemos ter em relação à sua criação.
Na explicação do Primeiro Artigo do Credo Apostólico, Lutero diz que, crer no Criador, significa que “ele me deu, e sem cessar conserva, corpo, alma e vida, pequenos e grandes membros, todos os sentidos, razão e inteligência, etc., comida e bebida, vestimenta, alimento, consorte e filhos, empregados, casa e lar, etc. Além disso, põe todas as criaturas a serviço das necessidades de nossa vida: o sol, a lua e as estrelas no céu, o dia e a noite, o ar, o fogo, a água, a terra e tudo quanto ela carrega e pode produzir... aves, peixes, animais, cereais e toda sorte de plantas, e os restantes bens corporais e temporais: bom governo, paz, segurança”.
Quem crê que todas as coisas que existem no mundo são criadas por Deus para o nosso bem, não agride a natureza. A agressão à criação é agressão ao Criador. Por isso, o cuidado com a criação é uma questão de fé. Faz parte da nossa fé cuidar da criação.
Lutero também fala sobre como se comportam os que não crêem: “É assim que procede o infeliz e pervertido mundo, que está afogado em sua cegueira e mal-usa todos os bens e dons de Deus unicamente para a sua soberba, avareza, prazer e diversão, sem atentar uma vez sequer em Deus, para agradecer-lhe e reconhecê-lo como Senhor e Criador” (Catecismo Maior, Primeiro Artigo).
3. O cuidado com a criação e o batismo
O cuidado com a criação está profundamente relacionado com o nosso batismo. Pois, o batismo nos coloca numa nova esfera de vida: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Co 5.17).
Através do batismo, já participamos da NOVA CRIAÇÃO que Deus inaugurou em Cristo.
Por isso, vivemos na esperança de novos céus e nova terra (2 Pe 3. 13 e Ap 21.1-7).
Cristo morreu não para salvar apenas os humanos, mas o mundo, o universo: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito...” (Jo 3.16).
A vinda de Cristo tem por objetivo trazer vida: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10). A vida, para existir, exige um conjunto de condições: ar, água, sol, alimentos, etc. Quando Jesus fala de vida e vida em abundância, estas condições se incluem.
A nova vida das pessoas batizadas é uma vida em sintonia com Deus e com as coisas/causas de Deus.
4. O cuidado com a criação e a obra de Cristo
Com a vinda de Cristo irrompe o reino de Deus neste mundo. O reino de Deus tem caráter universal. Não envolve apenas uma parte do mundo, mas o mundo todo. Isto pode ser percebido já no nascimento de Jesus: os anjos que anunciam seu nascimento, cantam: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra” (Lc 2. 14). A intervenção de Deus no mundo, através de Cristo, trará paz para a terra inteira.
A dimensão universal da obra de Cristo pode ser percebida também na sua morte: a natureza inteira, o universo inteiro foram afetados pelo acontecimento da morte de Cristo. Vejamos:
“Já era quase a hora sexta e, escureceu-se o sol, houve trevas sobre toda a terra até a hora nona” (Lc 23.44).
“... tremeu a terra, fenderam-se as rochas” (Mt 27.51).
A morte de Jesus significa uma intervenção de Deus no universo inteiro, no cosmos. A natureza inteira participa do evento da salvação.
Vivemos na esperança desta redenção cósmica. Paulo o expressa assim: “vivemos na esperança de que a própria criação será redimida” (Rm 8.21). Mas, a redenção ainda não se consumou. Por isso, a natureza ainda geme (Rm 8.22), aguardando esperançosa.
5. O cuidado com a criação e o ministério da reconciliação
Deus nos confiou o ministério da reconciliação (2Co 5.18-20). No batismo somos feitos embaixadores de Deus para desenvolver o serviço (diaconia) da reconciliação. Pela fé, somos promotores de um mundo reconciliado. Isto inclui a tarefa de reconciliar o ser humano com a natureza.
6. O cuidado com a criação e a nossa relação com a terra
Na história da criação, o ser humano é chamado, em hebraico, de Adam. A terra é chamada de adamah. Os dois termos têm a mesma raiz. Com isto a língua hebraica quer expressar que o ser humano é inseparável da terra. Os dois se pertencem mutuamente. É isto que o livro de Gênesis diz com outras palavras: o ser humano foi criado por Deus do pó da terra. O Criador moldou o ser humano do barro e lhe soprou o fôlego da vida nas narinas. Este mesmo ser humano, quando deixar de respirar, voltará ao pó da terra. Na liturgia do sepultamento, geralmente, é lida a seguinte palavra: “Da terra foste formado, à terra voltarás”.
A profunda relação do ser humano com a terra também se pode verificar no latim: humanus e humus.
7. Cuidado com a criação e o compromisso prático
Uwe Wegner escreveu um artigo sobre o texto do Bom Samaritano (Lc 10. 25-37), intitulado “Repensando uma velha pergunta: Quem é o meu próximo? (Estudos Teológicos, 1990, n. 1), em que ele constata:
“Não pode haver mais dúvida de quem está hoje mais à mercê de rapinagem, exploração e assaltos: trata-se da natureza, da criação de Deus... A civilização ocidental não soube tornar-se um próximo para ela: tornou-se o seu salteador; rouba-lhe tudo, causa-lhe muitos ferimentos e, retirando-se, deixa-a semimorta” (p. 62).
Nesta mesma linha de pensamento vai também Leonardo Boff: A natureza é o nosso próximo também. Ele está como irmão/irmã caído, jogado, machucado, agredido, violentado, espoliado há 500 anos.
Marlon R. Fluck diz: “Quem não tem tempo para parar e ver o que se passa ao seu redor, não pode ser uma pessoa integrada à criação” (Estudos Teológicos 1990, n. 1, p. 36).
Em seu estudo, Uwe Wegner afirma que a parábola insiste na importância da visão:
- “Vendo-o, passou de largo (sacerdote, v. 31);
- Vendo-o, também passou de largo (levita, v. 32);
- Vendo-o compadeceu-se dele (samaritano, v. 33).
A visão, aparentemente, por si só, não leva necessariamente, à ação. É necessário ver e ter compaixão.
A visão correta das coisas, a consciência ecológica, pode facilitar o necessário processo de conversão: passar de um mero espectador do assalto (“viu e passou de largo”) para transformar-se em defensor e protetor do assaltado:
... e, vendo-o, compadeceu-se dele.
E, chegando-se, atou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho. E, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele.
No dia seguinte tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar (v. 33-35).
A verdade é que o samaritano entendeu dever materializar também financeiramente o seu amor ao próximo. A preservação da natureza e a proteção ao meio ambiente estão a pedir de nós a mesma coisa: um compromisso que perpasse também o bolso e a carteira, não só a cabeça e o coração.
♦ Dicas de preservação do meio ambiente:
Não corte, nem pode árvores sem orientação ou autorização.
Preserve a vegetação nativa. Não desmate e não coloque fogo.
Não altere cursos d’água ou banhados.
Nunca solte peixes nos rios, mesmo quando estiver bem intencionado.
Respeite os períodos de proibição da pesca.
Lugar de animais Silvestres é na natureza, não em cativeiro ou em casa.
Separe o lixo em casa, no trabalho e coloque na rua no dia da coleta seletiva em seu bairro. Lembre-se lugar de lixo não é no chão. Carregue-o até a lixeira mais próxima. Ensine às crianças dando exemplo.
Recicle ou re-aproveite tudo o que puder. Reduza o consumo, especialmente do que não puder ser re-aproveitado ou reciclado.
Mantenha seu veículo sempre bem regulado e ande mais a pé. Você vai ajudar o meio ambiente e a sua saúde.
Não jogue óleos lubrificantes na sua rede de esgoto.
Não desperdice água. Esse é um dos recursos naturais mais importantes e frágeis do planeta: feche torneiras, conserte vazamentos, não use mangueiras para lavar calçadas, aproveite água de chuva.
Podemos todos nos comprometer e fazer a nossa parte!
P. Rodolfo Gaede Neto, Faculdades EST, 2009.