Contra a espiritualização do novo Coronavírus e das queimadas
“Vocês valem mais do que muitos pardais!”
Mateus 10.31
Nossa missão como igreja é, essencialmente, ser presença de Deus neste mundo – ser um pequeno cristo para o outro, diria Lutero. Isso é um privilégio e responsabilidade muito grandes. Mas também pode ser um grande perigo. Tudo depende de como entendemos e percebemos Deus. Deus é um construtor? Então eu construo uma série de coisas em nome de Deus. É um agricultor? Então eu cuido da boa criação em nome de Deus. É um professor? Então eu ensino sabedoria em nome de Deus. É um general? Então eu comando a vida das pessoas em nome de Deus. É um desbravador ambicioso? Então eu abro irresponsavelmente novas áreas em nome de Deus. É um justiceiro? Então faço justiça em nome de Deus. É alguém que quer e se alegra na morte das pessoas? Então eu mato em nome de Deus.
Parece exagero, mas essas percepções de Deus e seus desdobramentos na vida fazem mais sentido ainda em tempos de pandemia e queimadas. Precisamos mais do que nunca resgatar o “Deus da graça”, redescoberto na Reforma. O “Deus da graça” não é um ser terrível, vingador e monstro que castiga pessoas para levá-las ao arrependimento, ou envia doenças para puni-las e ceifá-las deste mundo. O “Deus da graça” é o Deus revelado em Jesus Cristo, que odeia o pecado, mas ama o pecador. É aquele, que na oração ensinada por Jesus, chamamos de Pai. É um Deus que pode tudo, mas não faz tudo. Nem tudo o que acontece no mundo acontece por vontade de Deus, porque Deus planejou e determinou que acontecesse. Há muitos acontecimentos neste mundo que não são vontade de Deus, mas são fruto de rebelião contra o amor de Deus; são resultado de ignorância em relação à bondade e à graça de Deus; são frutos do pecado.
Dessa forma precisamos afirmar categoricamente: Deus não enviou (ou permitiu) o novo Corona vírus para castigar a humanidade e mostrar que tem poder. O novo Corona vírus é fruto de pecado, fruto de desequilíbrio na criação de Deus causado pelo ser humano que brinca de ser Deus, ou se arroga o direito de dizer o que Deus quer e o que ele pensa. Da mesma maneira precisamos asseverar em relação às queimadas. Deus não envia fogo do céu (uma forma espiritualizada para dizer que a mata pegou fogo sozinha), ou encarrega pessoas de levar “fogo santo”, para consumir as áreas do Pantanal, Amazônia, ou limpar as áreas urbanas cobertas de lixo e matagal. O pior de tudo, é que fazendo queimadas criminosas, muitos entendem estar cumprindo uma suposta vocação dada por Deus em Gênesis 1.26-28, que fala sobre sujeitar a terra e ter domínio sobre os animais. Isso está, de fato, escrito na Bíblia. Mas não podemos nos esquecer que um capítulo mais a frente, em Gênesis 2.15, também está escrito que Deus colocou o ser humano para cultivar e guardar o Jardim do Éden. Por isso, precisamos nos perguntar: será que Deus quer o sofrimento das pessoas e/ou a destruição de sua obra da criação? Que Deus seria este? Se esta for a nossa maneira de perceber Deus, então não devemos nos surpreender com a quantidade crescente do movimento dos “sem igreja” e dos que se declaram ateus.
Deus não está enviando o novo Corona vírus para a tua casa! Deus não está enviando fogo do céu para consumir as matas, matar os animais e devastar o solo. Deus é contra a morte, por isso ressuscitou Jesus. Nada mais enganoso do que dizer, em dia de sepultamento: “Deus quis assim”. Nós valemos muito para Deus! Em favor da verdade do Evangelho precisamos afirmar que Deus está com cada pessoa que luta contra este vírus. Deus está com cada pessoa que perdeu um ente querido e não conseguiu vivenciar o luto. Deus está com cada médico e auxiliar da saúde que dá o seu melhor para curar pessoas deste vírus. Deus está com cada trabalhador essencial que tem a obrigação de ir trabalhar, permitindo que outros possam trabalhar em casa. Deus está com cada desempregado em busca de trabalho. Deus está com cada patrão, que não sabe mais onde buscar dinheiro para honrar suas obrigações. Deus está com cada liderança que, em amor ao próximo, não retomou atividades presenciais, mas faz de tudo para que as ovelhas de Jesus continuem sendo pastoreadas de uma ou de outra forma. Deus está com cada liderança que deu o passo para retomada segura das atividades presenciais na igreja. Deus está com cada bombeiro, fazendeiro e voluntário apagando as chamas criminosas. Deus está com cada pessoa doadora de recursos para que sua criação não seja somente um belo quadro na parede. Deus está com cada agricultor e pecuarista que produz alimento e cuida responsavelmente da criação de Deus. Enfim, Deus não está em atos de violência, morte e dor, mas ajuda a encontrar um sentido para todas essas terríveis experiências. Deus está onde sua vontade é ouvida e vivida, e ali é o céu!
Elisandro Rheinheimer
Pastor Sinodal – Sínodo Mato Grosso/IECLB