Programas de Rádio



ID: 2938

Deus não desiste de ninguém

31/03/2019

Lucas 15.1-3; 11-32

Depois da leitura – se possível – projetar a imagem O Regresso do Filho Pródigo de Rembrandt (de 1669) e fazer comentar o seguinte:

O filho mais novo aparece em estado decadente e miserável. O centro dramático é o abraço do pai ao filho que acaba de chegar. As costas curvadas do pai sobre o filho, mostram que se trata de um homem envelhecido. As duas mãos sobre as costas do filho ajoelhado, revelam a mão direita com traços delicados e finos (mão feminina) e a mão esquerda mais musculosa (mão masculina).
O filho mais novo tem a cabeça raspada, como um escravo, uma pessoa sem identidade. Está ajoelhado, isto é, sem forças com roupa rasgada e suja e sem manto nenhum. A planta dos pés fala de seu trajeto humilhante. Suas sandálias já não servem mais. O pé esquerdo (com a sandália ao lado) dá a ideia de estar machucado. Está despojado de tudo, menos de uma coisa: a sua espada. Esta simboliza a sua origem nobre concedida pelo pai. O rosto desviado, revela vergonha da sua condição miserável. Vergonha que ele esconde no abraço (colo) do pai. Vergonha não pelo que perdeu, mas pelo que fez: Pai, pequei contra o céu e contra ti (v.21).
A parábola de Lucas não relata a presença do filho mais velho no momento do regresso. O filho mais velho só aparece mais tarde, no momento da festa. Mas Rembrandt o inclui em sua pintura.
O pai e o filho mais velho são muito parecidos: os dois tem uma longa barba, ambos estão vestidos com roupas finas e cobertos com um manto vermelho. Mas as posturas, as atitudes e as condutas são totalmente opostas. O pai abraça; o filho mais velho fica voluntariamente afastado de ambos, num nível mais alto, com os lábios apertados, de pé, rígido, postura realçada pelo bastão reto que segura nas mãos e que chega até o chão. As mãos do filho mais velho estão presas uma na outra, sem nenhum gesto de abertura, de acolhida, de reconciliação.
Mas também há uma simbologia nesses personagens: O homem sentado batendo no peito e olhando para o filho que volta é um cobrador de impostos, representando os pecadosres (pode ser visto também como o auto-retrato do pinto por causa do chapéu), enquanto o filho mais velho representa os escribas e fariseus.
As duas pessoas que aparecem na sombra ao fundo do quadro, parece que são convidados pelo pintor para a contemplação para que tomem sua decisão sobre: Voltar para casa? Mudar sua imagem de Deus?


(início da prédica)

Prezada Comunidade, Estimados rádio ouvintes:
Que imagem você tem de Deus?

Algumas pessoas consideram Deus como bonachão do tipo Deus é 10, outros consideram Deus um ser violento, que castiga com catástrofes os nossos erros, como um “pai” autoritário, ciumento e arbitrário que não permite discussão na realização de sua vontade… outros ainda consideram Deus um velhinho distraído e ultrapassado, que já não entende esse mundo moderno e as dificuldades dos seres humanos, que Ele criou “há tanto tempo”.
Por isso, como é o seu Deus?

O Evangelho de Lucas de hoje nos quer mostrar que Jesus tinha uma imagem diferente de Deus da imagem ensinada pela Lei judaica. Para a religião judaica, Deus é justo, ele abençoa quem for fiel e castiga ao pecador. Por isso, o judaísmo ensina que é preciso obedecer as 613 normas da Lei de Deus e manter-se puro, isto é, não se misturar com os pagãos e pecadores.
Jesus – no entanto – mostra uma outra imagem de Deus. Ele não chama a Deus de Justo, mas de Misericordioso. Ele não chama a Deus de Rei, mas de Pai.

A parábola do filho pródigo fala de uma pessoa que tomou decisões erradas na vida. Essas decisões o colocaram numa situação de falência financeira, de perdição e de morte. Trata-se de um jovem que errou feio. E as consequências de suas escolhas foram catastróficas.
A história começa assim: Um jovem quer sair de casa e cuidar de sua vida. De acordo com a situação jurídica da Palestina na época de Jesus, os filhos recebem a herança somente depois da morte do pai (Números 36. 7-9; 27.8-11; Hb 9.16-17). O filho até podia vender a sua parte, mas o comprador não teria o direito de posse antes do falecimento do pai. Segundo a Lei, correspondia ao filho mais velho o direito de 2/3 da totalidade da herança (Dt 21.17). O filho mais novo, portanto, tem direito somente a 1/3 da herança.

Pedir a herança ao pai ainda vivo, representava um pedido ofensivo. Era como dizer: Olha pai, se você já estivesse morto, a gente não estaria passando por esse constrangimento. Mas eu não posso esperar até que o senhor morra, por isso dá-me a herança agora que eu tenho direito e eu vou cuidar da minha vida.

O pai entende que ao dar a herança ao filho, isso provavelmente significaria que o pai nunca mais veria esse filho outra vez. E assim aconteceu: o pai dá ao filho mais moço a sua parte da herança e dias depois esse vai embora, para bem longe.

No começo a vida do filho mais moço foi fácil. Mas quando acaba o dinheiro da herança, as coisas mudam e ficam piores a cada dia. Ele procura trabalho, qualquer coisa, e a única coisa que encontra é a tarefa de cuidar de porcos (o que para um judeu era o trabalho mais humilhante). O trabalho é difícil e por isso, no meio da sujeira dos porcos, ele finalmente cai em si e se dá conta das consequências de sua escolha errada. Por isso, decide voltar para casa, mesmo sabendo que já não tem mais o direito de filho, mas sujeitando-se a condição de empregado.

Para o judaísmo, a situação desse jovem deveria servir de alerta para os outros jovens. Mesmo sendo judeu, quem se afasta de Deus e da tradição religiosa, acabará se dando mal na vida e perde a condição de filho e o respeito da comunidade. E aí não tem mais volta. A pessoa fica marcada para o resto de sua vida, como alguém que rompeu com a tradição e, por isso, perdeu a confiança, a dignidade e o respeito das pessoas.

No entanto, Jesus mostra que para Deus não existe nada irreversível. Jesus mostra nessa parábola que Deus não está com o coração em paz enquanto houver pessoas passando fome, desorientados, perdidos na vida. Deus não consegue ficar tranquilo diante da fome, da violência nesse mundo.
Por isso, Deus espera que as pessoas voltem para ele. Deus se interessa pelas pessoas. Não se interessa pelo pecado, mas Deus se interessa pelo pecador. Ele estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado (v. 24 e 32). O caminho do pecado não é irreversível.

Por isso, quando aparece a chance concreta de reverter o pecado, essa chance não pode ser perdida. Diz o texto bíblico: Quando seu pai o avistou (...) correndo (...) o beijou (v. 20).

No entanto, há pessoas que dizem que isso não dá. Não dá para relativizar os erros das pessoas. Quem é correto tem que ser recompensado e quem comete erros deve ser castigado. Caso contrário o mundo vira um caos. Esse é o pensamento de muita gente e é também o pensamento do filho mais velho (v. 28). Por isso, ele fica muito zangado com a atitude o pai e não quer entrar em casa.

Mas o pai também não despreza a posição do filho mais velho. Ele vai para fora e vai conversar com ele. Poderíamos dizer que o tema da conversa é sobre a teologia dos méritos e a teologia da graça de Deus. Na igreja luterana nós falamos muito da salvação pela graça de Deus. Ensinamos que a salvação não vem por nossas boas obras. As boas obras devem ser consequência do amor de Deus por nós, e não condição para a salvação. Deus não quer que as pessoas boas se salvem e os pecadores se percam. Quando a pessoa se afasta de Deus, Deus se entristece, ele não fica tranquilo. Ele se preocupa e espera que um dia essa pessoa caia em si e volte para Deus. Para Deus o que vale mesmo é a pessoa, sua situação de vida (morte, fome, perdição) e as possibilidades concretas de recuperar as pessoas (reviveu, foi achado v. 24 e 32; v. 27 porque o recuperou com saúde). E na parábola Jesus diz que surge uma grande alegria no coração de Deus, ao ver que alguém volta para ele. Deus está sempre esperando por nós.

Portanto, nessa parábola podemos dizer que o filho mais jovem – aquele que saiu de casa – simboliza nossa natureza egocêntrica e narcisista, que nos domina principalmente na juventude da vida, quando pensamos que as regras são ruins, época da vida em que vivemos bastante revoltados e achamos que não precisamos dar satisfação de nossa vida a ninguém.

Mas também o filho mais velho pode representar as pessoas que vivem perto de Deus, que são pessoas religiosas, mas continuam apegadas a sua natureza egocêntrica. Pessoas que facilmente gostam de julgar os outros e mesmo sendo pessoas religiosas, tem uma enorme dificuldade para perdoar.

É fácil que muitos de nós até nos identificamos com o filho mais novo, que deu muitas cabeçadas na vida até cair em si e reconhecer o quanto Deus tem sido bom conosco e nós não o reconhecemos. Mas também muitos podem se identificar com o filho mais velho. Não é fácil entender o perdão daquele Pai. Ficamos irritados quando uma pessoa que fez tanto mal a sua família, de repente aparece arrependida. Nosso coração é muito mais duro e não nos comovemos facilmente com essas histórias de arrependimento.

No entanto, Jesus nos conta essa parábola para dizer que não devemos ser como o filho mais novo e nem como o filho mais velho. Jesus nos diz que devemos ser como o pai, que perdoa e que acolhe, mesmo sabendo que ninguém nesse mundo é perfeito. Jesus quer que nós nos identifiquemos com o pai da parábola. O pai da parábola é que faz a vontade de Deus. O pai da parábola aponta para Deus: O Deus da misericórdia, que é capaz de fazer coisas nesse mundo, que nós não conseguimos fazer por nós mesmos. O Deus da Misericórdia que, revelado por Jesus, não desiste de ninguém.

Oração
Ó Deus, nosso Pai, a quem podemos chamar verdadeiramente Pai e Mãe, cheio de misericórdia, disposto sempre a acolher e a perdoar, apesar de nossa ingratidão ou infidelidade. Dá-nos forças e boa vontade para imitar o teu amor, para que possamos chamar-nos “teus filhos” e “irmãos uns dos outros”. Isto te pedimos, em nome de Jesus, filho teu e irmão nosso. Amém
 

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