Quando nascem os filhos e as filhas não contamos com um manual de instruções. Cada época é marcada por jeitos de educá-los que vai desde a disciplina rígida até a excessiva liberdade. E tudo tem suas conseqüências. Quantas dúvidas e inquietações povoam as mentes e os corações das mães, sobretudo das “marinheiras de primeira viagem” ou mesmo diante de situações difíceis que nos envolvem. Vale trocar idéias com outras pessoas, ler e esclarecer-se, observar outras mães e pais e, sem dúvida, buscar na Palavra de Deus orientação.
A tarefa de ser mãe perpassa a história como um aspecto fundamental na formação do ser humano. Ter uma boa mãe determina em muito a vida de cada pessoa. Independente das condições que enfrenta na vida para educar seus filhos e filhas, a mãe os marca por sua postura de vida. Isso se dá pela forma como prepara os filhos para a vida.
Define muito bem a psicóloga Gertraude Wanke, em seu artigo no Anuário Evangélico (Ed. Sinodal, 1993):
Tarefa difícil: empurrar um filhote para a vida.
Quando eu era criança, pude observar do alto das árvores um e outro filhote de passarinho que não se arriscava a voar. Mesmo chegada a sua hora, ficava a piar desesperadamente no seu ninho enquanto seus irmãos já voavam e a mãe já dava por encerrada a sua tarefa de criá-los todos. E no meu julgamento infantil, simples e linear, tachava esta mãe de má ou desnaturada. Como é que ela podia largar um filhotinho seu abandonado no ninho? Ela o desprezava? Rejeitava por acaso o seu filho? Muitas dúvidas me afligiam naqueles momentos. Ela, no entanto, muito sábia, ficava ali perto, vigiando seu filhote gritador e só de vez em quando lhe levava algo de comer. Era a sua forma instintiva, que a mãe natureza lhe inspirava, de estimular o seu filhote medroso a voar. Porque voar é preciso. Voar é sempre se arriscar para a vida. É treinar a entrega e se soltar, sem garantia do depois. É simplesmente aprender a vida vivendo. Quando, no entanto, a mãe pássaro nada conseguia agindo daquela maneira, ela mudava de repente de estratégia. Sentava-se decidida no ninho, afofava suas penas, sacudia suas asas e seu filhote, já sem espaço, acabava tendo apenas duas possibilidades: ou caía chão (e era prontamente comido por algum gato na espreita por causa dos alarmes dados) ou abria suas asas e se entregava ao vôo. Passava então a piar de alegria pela sua vitória!
É assim na vida. Só que a mãe humana, com tantos conceitos que aprendeu e que culturalmente lhe foram incutidos como certos, muitas vezes, se confunde e perde a sua sabedoria de ser mãe. Troca, frequentemente, amor por superproteção. À primeira vista, pode parecer que amar, no exemplo dado acima, seria proteger, cuidar e alimentar aquele filhote inseguro, cheio de medo e despreparo para a vida. Entretanto, amar neste caso é estimular para o vôo, mesmo que seja com firmeza, certa dureza ou até com dor. Estimular o filhote a se desprender, a sair para a vida, para a descoberta pode ser mais difícil, mas, com certeza será mais benéfico para o seu desenvolvimento do que mantê-lo no ninho. E como mãe ou pai, igual àquele pássaro, saber-se presente com o apoio e respaldo, mas a certa distância, certos de que jamais alguém pode voar pelo outro. Cada qual tem que aprender a voar por si e como é difícil, para nós, humanos, perceber e aceitar o próprio limite! Resignar-se ao duro limite de não poder voar pelo outro, nem sofrer, nem amar pelo outro! Por isso, fica tão mais fácil, quando nos confrontamos com este limite, fazer pelo outro, amarrando-lhe os tênis ou abotoando-lhe a camisa, ao invés de acompanhar pacientemente um filho no seu ensaio e erro de suas descobertas. Para ajudar alguém a ser, investimos no fazer. O fazer nos dá um certo alívio porque dá a impressão concreta e imediata de um amor visível. Mas, não é bem assim, pois apenas acalma a nossa ansiedade e culpa diante do conflito e dificuldades, ou ainda ocupa o vazio que nós sentimos quando confrontados com o outro na sua intimidade. Por isso, custei anos para compreender realmente aquele gesto magnífico da mãe pássaro. Hoje sei que empurrar um filhote para a vida é uma tarefa difícil e doída, mas é a única forma de fazê-lo crescer e se tornar um indivíduo capaz de voar e buscar a própria autonomia de vida. E acomodar-se para no ninho significa morrer aos poucos por negação da capacidade de ser e de voar...
Ser mãe compreende tudo isso: certo desespero, vigilância, arriscar para a vida, treinar a entrega e soltar, estimular para o vôo, amar e amar muito.
Ester Delene Wilke
Pastora Vice-Sinodal
Sínodo Rio Paraná