São os ventos no mês de maio que espalham no ar um perfume muito especial. Maio tem preferências - é conhecido como mês das noivas. Em continentes distantes do nosso, é o mês que marca uma presença diferente no calendário das estações do ano. As flores se recriam e começam a brotar com força, as folhas verdes e os brotos das árvores pipocam em todas as partes como se troncos e galhos rachassem.
O canto folclórico e as danças típicas expressam a beleza estampada na natureza; os poetas se entusiasmam e, inspirados, brincam com as palavras colocando para fora os seus sentimentos. Mas não é só isso! Maio é o mês que acolhe o Dia das Mães, o dia dedicado à mãe-mulher! Infelizmente, o mundo dos negócios se apropriou deste mês e se adonou dessa data especial. A fineza da publicidade, mesclada aos apelos voltados às emoções, instrumentaliza os bons negócios e busca o incremento de vendas, porque um ano deve superar a estatística do anterior.
A história do dia da mãe-mulher tem seus traços peculiares e suas razões próprias; deixo de considerar agora essa história. O enfoque que me induz a emitir comentários sobre a mãe-mulher tem caráter teológico e reflete conotação antropológica. O processo hermenêutico, que procede da busca da interpretação de textos da Bíblia, priorizou na história da teologia a leitura dos textos a partir do mundo patriarcal e da ideologia machista.
A construção da identidade da mulher e do homem, na maioria dos textos das Escrituras Sagradas, destaca uma realidade assimétrica dos gêneros. À mulher não couberam os mesmos direitos em relação ao estabelecido para os homens. Seus direitos eram diferentes daqueles que gozava o homem e patriarca: é diferente seu direito de expressão, de participação na vida pública, de presença ativa em comunidade e na sociedade. A qualidade de seu relacionamento em relação à presença masculina indicava submissão.
A mulher sendo súdita deixa de ser parceira e assume conteúdos de erros e de pecado; são as mulheres a representação para a desordem, para a falta de sabedoria e são elas que representam o desgoverno. Na corte do rei Salomão, no século 10 antes de Cristo, as mulheres são caracterizadas como responsáveis pelos desvios de conduta do próprio rei. É a mulher que cai na armadilha. Eva, a representante do gênero feminino, no ato da criação, torna-se a responsável pela ruptura de harmonia no jardim paradisíaco.
Ao lado desses textos, porém, encontramos na Bíblia outros que apontam para uma nova visão da mulher. Conforme o livro de Gênesis, é o homem quem se integra à cultura da mulher. Ele deixa a casa dos pais e se junta a uma mulher, para tornar-se uma só carne. O gênero literário da sabedoria, no livro do Cântico dos Cânticos, destaca a experiência concreta do amor apaixonado entre homem e mulher. A experiência do amor entre ambos revela o amor e a ternura do próprio Deus para com as suas criações e criaturas.
É como diz o livro dos Provérbios: Achou mulher, achou o bem e recebe aceitação do Senhor.
Jesus Cristo inaugurou um novo tempo. Em razão desse fato, a Igreja, que se coloca sob o senhorio de Cristo, questiona as bases de uma teologia construída a partir da perspectiva masculina. Jesus Cristo oferece a seus seguidores e a suas seguidoras as chaves que dão acesso à outra imagem de Deus e, em conseqüência, aponta para um novo perfil do ser humano. A nova postura da Igreja em relação à mulher está fundamentada na própria atitude de Jesus e de sua boa notícia.
A oferta de salvação corresponde ao anúncio da proximidade do reino de Deus. A salvação é oferecida a todas as pessoas, em especial aos sobrecarregados e cansados, às pessoas marginalizadas e à gente oprimida. Jesus não faz diferença entre homens e mulheres. O Evangelho da salvação e a obra libertadora de Jesus não se prendem à esfera masculina. A atitude de Jesus espelha a crítica contundente de Deus contra todas as formas de discriminação e de exploração da mulher, tanto no passado quanto na sociedade do presente.
Compartilho a tese que afirma que a existência de Deus é a instância crítica frente ao ser humano, que constrói a sua própria autonomia. A mulher e o homem são pessoas chamadas a servirem de cooperadoras de Deus no espaço eclesial e na sociedade em geral. Se Jesus revela, com sua maneira de viver e de ensinar, o novo perfil de Deus, então sua atitude traça também o novo perfil de humanidade. Homem e mulher participam da luta pela vitória da vida humana. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, homem e mulher os criou. Na execução desse projeto de vida, homem e mulher são pessoas especiais.
Que o dia da mãe-mulher traga à memória o profundo amor de Deus a suas criaturas!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal A Notícia - 12/05/2006