Não e bom que o irmão (a irmã) esteja só...
Psic. Dorothea Wulfhorst
Espera um pouco... Eu acho que alterei a palavra de Gênesis 2.18. Ali lemos que não e bom que o homem esteja só e que Deus lhe fez uma companheira. Mas o mesmo não vale para irmãos, mesmo não estando escrito explicitamente na Bíblia?
Não preciso advogar em favor da vantagem de ter irmãos, pois quem tem irmãos ou irmãs sabe bem o que ganha. E também sabe o que perde, por exemplo, o irmãozinho destronado, quando de repente, aparece uma princesa para concorrer com o seu reinado...
No parquinho, quando crianças brincam, seguidamente alguém pergunta: Tens irmãos? Não tens? Que pena!
Mas, por outro lado, para brincar também existem amiguinhos, primos, vizinhos —muitas oportunidades de amizade e alegria. Verdade é que os pais geralmente precisam organizar e fazer acontecer esse convívio com outras crianças ou jovens. No dia a dia de uma família mais numerosa este automaticamente acontece. Se bem que o crescente individualismo também aqui está fazendo suas solitárias vítimas, até dentro da família.
Mas para um filho único não precisa faltar companhia. Fazer pipoca. Fazer arte. Trocar segredos sob o luar, etc.
E há outra vantagem nisso, a não ser que os irmãos sejam gêmeos: a gente pode escolher crianças de idades e gostos semelhantes ou do mesmo gênero. Pois há fases na infância onde a menina prefere brincar com meninas e o menino com meninos. Até que descobrem o feitiço das diferenças...
É comum ouvir-se dizer que irmãos são imprescindíveis e que ser filho ou filha única é um tédio, e que conviver só com adultos é uma chatice. Isso certamente pode ser verdade. Mas nem sempre irmãos brincam tão juntinhos e a fantasia nem sempre cumpre integralmente o que sonhamos. Frequentemente há uma diferença maior de idade, onde os folguedos de irmãos ficam assim determinados: Poxa, me ajuda, brinca com tua irmãzinha.
Mas que a memória em comum da história familiar, os hábitos queridos e as lembranças, até de nossas traquinagens, são um legado maravilhoso, ah, isso são!
Irmãos na infância e mesmo na adolescência ou na idade adulta parecem-me mais importantes na hora da disputa e do conflito do que na hora de se divertir. Conflitos entre colegas de colégio, na vizinhança ou entre parentes muitas vezes geram um problema mais sério para a família, como afastamento, falta de perdão ou até inimizade.
Certamente há irmãos que, mesmo como adultos, se distanciam de irmãos. Sangue não e água dizia minha mãe, com razão. Pois laços familiares danificados ou rompidos são como um espinho na carne.
Mas, as disputas e os desentendimentos entre irmãos em geral são logo apaziguados, esquecidos e perdoados. Cada qual cede de um lado, ou um deles se torna mais harmonizador e o outro mais dominador, ainda outro mais protetor ou ajudador... e a vida mais tarde vai ter que dar conta dos traços de personalidade adquiridos no convívio infantil. Certamente a flexibilidade que o convívio de irmãos exige, auxilia a pessoa na sua vida adulta.
Certa vez ouvi um irmão, que brigava com a irmã, dizer para a mãe que tentava apaziguar os ânimos: Mãe, não atrapalhe quando estamos brigando.
Irmãos são coeducados. São corretivos. Críticos severos e amorosos. Podem se pegar a tapas. Mas, se defendem mutuamente quando ofendidos por terceiros. Sempre de novo ouvimos que um irmão foi o modelo de vida para o outro, que uma irmã ajudou a outra de forma abnegada e contínua, que mais irmãos dividem o cuidado dos pais idosos...
Também conheço o contra argumento e ouço o Pedro dizer que às vezes um pai e uma mãe criam 14 irmãos, mas estes não são capazes de cuidar de uma mãe viúva! Então, tudo relativo? Acho que não. Realmente entre irmãos é mais fácil aprender a arte de conviver, ceder, mostrar força, manifestar sentimentos. Este vínculo é de inestimável valor.
Mas, o que dizer dos filhos e das filhas únicas? Eu me dei o trabalho de observar os adesivos dos membros da família em automóveis. A maioria consiste ainda de pai, mãe, dois filhos, cachorro e gato ou tartaruga, etc.. Todos incluídos na família. Algumas vezes, uma mãe sozinha com um filho. Adesivo de pai avulso com filho ou filha não encontrei. Mas, também encontrei bastante adesivos com famílias de filho ou filha única. E geralmente mais de um animal de estimação. Animais são ótimos amigos e companheiros para os filhos, especialmente para filhos únicos. Alguém me falou que, para evitar o rótulo preconceituoso de filho único, seria melhor dizer o único filho.
Não quero aqui explorar os motivos do encolhimento da família. Ela já é realidade na maior parte dos países chamados desenvolvida e no Brasil estamos no mesmo caminho. Menor espaço físico, preocupação maior com a formação cara do filho ou filha, ausência dos pais do lar por causa do trabalho de ambos, a falta de avós por perto que poderiam ajudar no cuidado dos netos. Há muitos motivos que fazem pais optarem pela mini-família. E a creche? Sei de muitos pais que preferem não ter mais filhos a deixá-los na creche da manhã até à noite, todos os dias da semana.
E o que diremos daquele clichê retratado na música do Trem das Onze?: Sou filho único... minha mãe não dorme enquanto eu não chegar, não posso ficar nem mais um minuto com você....
Super-apego, super-cuidado, mimos em excesso, expectativas em excesso. Todo mundo vai entender: meu único filho, minha única filha...
Isso precisa ser assim? Claro que não! Mas a tendência certamente existe. O pai que deu TUDO (o que é demais) ou a mãe que espera um enorme retorno (o que também e demais). Não é sem razão, creio que justamente aquele nome feio se refere ao filho da mãe Filhinhos de mamãe (que não necessariamente são filhos únicos) geralmente não dão certo na vida! Não aprenderam a lutar nem medir forças com a vida. Não é verdade que a falta de cuidado e presença dos pais é a única causa pelos distúrbios dos filhos. O excesso de mimo e zelo pode gerar o mesmo resultado catastrófico.
E em meio a isso tudo o filho o a filha única facilmente fica dividido/a entre gratidão e dever, ir ou ficar, aprender a realizar suas próprias aspirações ou aquelas dos pais. Pais precisam preparar-se para a paternidade responsável.
Pais de únicos filhos e filhas precisam de um preparo personalizado, um pouco diferente, mas que também é promissor e enriquecedor.
Resumindo e animando o leitor e a leitora para reflexão:
1. Como a família maior e a comunidade podem auxiliar jovens pais na decisão sobre o filho ou a filha única?
2. Qual a ajuda que pais precisam ao optarem (talvez não seja opção, mas simplesmente um fato) por ter somente um filho ou uma filha?
3. Que aspectos educativos específicos e de convivência pais de filhos e filhas únicas precisam refletir?
4. Como eles podem garantir para seu filho e sua filha a alegria do convívio entre iguais, mas também os limites e a ausência de excessos?
A autora é psicóloga e reside em São Leopoldo/RS
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