Fundamentação bíblica e prática sobre Diaconia

Estudo

08/05/2011

Quem está diante do Cristo está ao lado do irmão.” Este é o pensamento que o teólogo Wilhelm Brandt persegue com toda a ênfase em sua dissertação sobre o serviço de Jesus e suas conseqüências para o cristão. Ele afirma que os discípulos de Jesus estão inseridos em dois relacionamentos inseparáveis: estão voltados para o Senhor que veio para servir (Mc 10.45) e, em decorrência, são chamados a posicionar-se também em serviço ao lado dos seus semelhantes.

Aspectos práticos

Antes de entrar com mais detalhes na reflexão bíblica, consideremos alguns aspectos práticos a partir de uma pequena estória.1

Quatro irmãos brincam perto de um açude. De repente, o mais novo cai na água. Ele está em perigo de se afogar. Os irmãos conseguem salvá-lo.
Ao chegarem em casa, o pai pergunta ao filho mais velho: “O que você fez para salvá-lo?”
O menino diz: “Eu me deitei no barranco, espichei-me o quanto pude e assim consegui puxá-lo para fora.”
O pai perguntou ao segundo filho: “O que você fez?” Ele respondeu: “Eu segurei meu irmão quando se deitou no barranco.”
“E você, o que fez?” perguntou o pai ao terceiro. Este disse: “Eu gritei!”

Conclusões desta estória para situações do nosso dia-a-dia, que exigem ações diaconais:

1. Os irmãos perceberam que um deles tinha caído no açude. Em meio às brincadeiras, não tinham perdido de vista o irmão. No mundo em que vivemos, as muitas atividades podem nos absorver ao ponto de não percebermos o sofrimento de pessoas ao nosso lado.

2. Os irmãos reagiram, fazendo o que lhes foi possível, para socorrer o irmão. Não ficaram olhando para ver se, talvez, pudesse sair sozinho.

3. Cada qual fez a sua parte. Diaconia é, muitas vezes, trabalho de equipe. O irmão mais velho representa as pessoas que agem espontaneamente e lutam na linha de frente. Estão diretamente envolvidas com quem precisa de ajuda: em instituições, projetos diaconais, junto a membros da família ou vizinhos.

O segundo irmão representa as pessoas que fortalecem outros que estão na linha de frente. Elas oram em favor das ações, fazem doações, formam redes de apoio e atuam na prevenção dos males.

O terceiro irmão representa as pessoas que levantam a voz em favor de quem está na iminência de 'se afogar'. Elas apontam para deficiências no convívio humano, apresentam propostas de mudança, chamam à atenção para a importância do socorro, conclamam pessoas para ajudar e dirigem as ações.

Os três meninos da estória agiram de diferentes maneiras, mas a motivação foi a mesma: o amor ao seu irmão. Desta motivação tratará o texto a seguir.2

A diaconia de Jesus

Quando Jesus anunciou: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mc 1.15) ele se referia a uma nova realidade, prestes a chegar. Este reino é comparado a uma festa de casamento (Mt 22 e 25), mas também ao retorno de um filho perdido à casa paterna (Lc 15) ou a grandes valores que vale adquirir. Brandt diz: “Nos traços que constituem o conteúdo do senhorio de Deus espelha-se a natureza do próprio Deus. (...) Sua determinação é salvar, socorrer, resgatar e estabelecer comunhão3.”

O reino de Deus se manifestou em Jesus Cristo. Ele não falava nem agia por conta própria, mas em obediência completa a Deus. É por isso que podemos reconhecer nas palavras e ações de Jesus a vontade de Deus (cf Jo 14.10).

O agir de Jesus é fortemente movido pela compaixão. Jesus se compadeceu das multidões (Mt 9.36), dos famintos, cegos, doentes, excluídos, angustiados, fracos, pecadores. Vemos em Jesus o Deus da misericórdia, já testemunhado no Antigo Testamento (Cf: Is.54.7; Sl 103). Esta compaixão de Deus provém do seu grande amor, que culminou no sacrifício do seu próprio Filho em favor da humanidade pecadora.

As ações curativas de Jesus mostram que ele levava bem a sério a aflição corporal das pessoas. Não se constata nenhuma divisão do ser humano em corpo e alma, concepção influenciada pelo filósofo Platão e amplamente aceita pela teologia mais tarde.

No entanto, o que também importa destacar na diaconia de Jesus é sua postura de Servo. “Jesus foi Rei, integralmente voltado para Deus, mas também o Servo, integralmente voltado para o semelhante4.” Ele usou a palavra “diaconein” no sentido de “servir à mesa”, deixando claro que ele quem serve (Lc 22.27).

A diaconia de quem crê em Jesus

Quando Jesus vocacionou os doze discípulos, falou-lhes do seu propósito: fazê-los “pescadores de homens” (Mt 4.19; Mc 1.17; 3.14; Lc 5.10). Seguir a Jesus significava, portanto, assumir a incumbência de um serviço. Para Pedro isto ficou muito claro no diálogo com Jesus, o ressurreto: “Tu me amas?” Então “pastoreia as minhas ovelhas.” (Jo 21.15 ss). Brandt explica:

Dessa maneira, a vida e atuação dos discípulos são inseridas em dois relacionamentos. (...) O fato de serem chamados para estar com Jesus também implica imediatamente que eles precisam se empenhar em prol das pessoas. (...) Esses dois relacionamentos estão lado a lado de forma inseparável.5

O que valeu para os Doze, também vale para todos que se aproximam do Senhor, para viverem de sua graça e misericórdia. O parâmetro para a sentença do Filho do homem, quando vier para julgar as nações (Mt 25.31 ss) é a ação de amor praticada ou negada “aos pequeninos irmãos de Jesus”. Também aqui, como em muitos outros textos dos evangelhos e das cartas do Novo Testamento, se percebe esta conexão inseparável do estar diante do Senhor e, ao mesmo tempo, ao lado do semelhante, em atitude de amor e solidariedade.

Notas:

1 Hermann SCHOENAUER, Predigt beim 115. Jahresfest (Auszüge), in: Blätter aus dem DIAK, Evangelisches
Diakoniewerk Schwäbisch Hall e.V. Ausgabe 2, 98. Jahrgang, 2001, p.5
2 A argumentação bíblica a seguir, está baseada no artigo de Wilhelm Brandt, citado acima.
3 Op. cit. p. 12.
4 Op. cit. p. 23.
5 Op. cit. p. 29.

Diaconisa Ms. Ruthild Brakemeier
São Leopoldo-RS
 


Autor(a): Ruthild Brakemeier
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Diaconia
Natureza do Texto: Estudo/Pesquisa
ID: 13793
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