Diaconia e oferta - 2 Coríntios 8.1-15

Estudo Bíblico

26/04/2009

O recolhimento de uma oferta é o tema do nosso texto. O motivador da oferta é o apóstolo Paulo. Os destinatários da oferta são os cristãos empobrecidos de Jerusalém. A comunidade desafiada a colaborar é a comunidade de Corinto. Na sua motivação, Paulo menciona o sucesso dessa mesma campanha nas comunidades pobres da Macedônia.

A oferta, a contribuição financeira, as campanhas de arrecadação de dinheiro na Igreja são assuntos presentes nas pautas das reuniões, em todos os níveis da IECLB (presbitérios, conselhos paroquiais, conselhos sinodais, conselho da Igreja...). O tratamento desse tema não tem sido muito fácil, longo dos tempos. Estamos sempre ainda buscando um jeito adequado para lidar com esse assunto do dinheiro na Igreja.

A partir desse contexto, olhemos o texto de 2 Co 8.1-15.

Para o apóstolo Paulo, a questão da contribuição financeira parece não ser um problema complicado. O motivo da sua tranquilidade é o ponto de partida que ele tem para tratar do assunto: “Nós vamos dar dinheiro para os pobres de Jerusalém porque fomos antes
presenteados com a graça de Deus”. A graça de Deus consiste em que Jesus Cristo, “sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que pela sua pobreza vos tornásseis ricos” (v. 9).

Paulo trata a coleta como assunto da fé e a insere na sua teologia da graça. Um termo teológico tão carregado para Paulo como o é a graça, é aqui aplicado à esfera da economia. E parece que aí as complicações desaparecem: graça é ajudar os pobres da comunidade de Jerusalém. O dar é precedido pelo receber. O receber é seguido pelo dar.

Por isso, os macedônios, embora pobres, pediram insistentemente ao apóstolo a graça de poderem participar da assistência aos pobres de Jerusalém. Assim diz Paulo no v. 4: “pedindo-nos com muitos rogos, a graça de participarem da assistência aos santos”. Participar da assistência! Atrás destas duas palavras do texto se escondem dois conceitos teológicos muito importantes: onde, no nosso texto, está a palavra “participar”, no texto original em grego está à palavra “koinonia”. E, onde está a palavra “assistência”, no grego está “diaconia”. Koinonia e Diakonia. Na compreensão de Paulo, esses dois conceitos são inseparáveis. A diaconia é uma ação concreta e material feita em favor de pessoas necessitadas (no nosso caso, a oferta destinada a Jerusalém). Entretanto, a diaconia não é uma ação desconectada, isolada, desarticulada. Ela se dá no contexto, no conjunto e na dinamicidade do grande corpo da Igreja de Cristo, naquele corpo em que “se um membro sofre todos sofrem com ele; e se um deles é honrado, com ele todos se regozijam (1 Co 12.26). O corpo da Igreja de Cristo vive em comunhão e partilha dos bens espirituais e materiais. Todos têm algo a dar e todos têm algo a receber. Isto é Koinonia.

E é isto que o apóstolo Paulo propõe à comunidade de Corinto: integrar-se ao grande corpo da Igreja, que partilha os bens espirituais e materiais. Esta integração, através da
oferta, tem uma importância muito maior do que pode parecer: a oferta é um fator da própria unidade da Igreja. Percebemos esta importância a partir do “contexto eclesiástico” em que esta oferta está sendo solicitada: as comunidades envolvidas na campanha em favor de Jerusalém são aquelas fundadas a partir da missão do apóstolo
Paulo no mundo gentílico. A comunidade destinatária das ofertas é “Igrejamãe”, de Jerusalém, de origem judaica. Entre essas comunidades, de origens tão diferentes, havia fortes tensões. A unidade da jovem igreja cristã está ameaçada. O conflito é tão grave que ocasionou um concílio (extraordinário) dos apóstolos, em Jerusalém. No concílio, após os necessários entendimentos, foi selado um acordo: os apóstolos se deram as mãos. O texto de Gl 2.9 diz que os apóstolos se estenderam a destra de comunhão, ou seja, de koinonia (conforme o texto grego). O acordo incluía que as comunidades
gentílicas se lembrassem dos pobres de Jerusalém (Gl 2.10), ou seja, se lembrassem da diaconia.

Isto equivale a dizer que, no caso dos apóstolos, a diaconia (oferta) deveria ser um esteio da koinonia (comunhão), ou seja: a ajuda material deveria ser um sustentáculo da comunhão e da unidade da Igreja, que reunia grupos tão diferentes. Esta foi a razão de Paulo ter continuado a se engajar, de forma decidida e incansável, na campanha financeira em favor de Jerusalém, colocando a oferta acima das diferenças, acima da tensão e das mágoas pessoais. Para ele, aquele aperto de mãos, de comprometimento com a koinonia e com a diaconia, era sagrado.

Na IECLB, talvez não estejamos preocupados propriamente com o fantasma de uma cisão. Isto, porém, não significa que não tenhamos as nossas dificuldades com a koinonia e com a diakonia. O processo de reestruturação (sinodalização) vem acompanhado da preocupação com a unidade e a comunhão da Igreja. Ainda estamos às voltas com a pergunta: como manter financeiramente a instituição, que aí está para articular a unidade?

Da mesma forma, a existência de movimentos com distintas propostas eclesiológicas e a existência de diferentes centros de formação teológica na mesma Igreja, são fatores geradores de tensão e indicam a fragilidade da unidade e da comunhão. Já sabemos que
unidade não quer dizer uniformidade: na IECLB há espaço para opiniões e propostas diferentes. Ao mesmo tempo, porém, não podemos ignorar e subestimar as diferenças, pois elas criam dificuldades para o exercício da comunhão e da partilha.

Além disso, não há apenas diferenças em nível de posicionamentos teológicos, mas também na esfera econômica. Não podemos negar que há comunidades economicamente melhor situadas e outras com sérias dificuldades. A viabilização da unidade fica muito complicada quando a mentalidade é de cada um cuidar apenas do seu próprio orçamento e entender a oferta e a contribuição como impostos obrigatórios.

Do apóstolo Paulo aprendemos que tudo fica descomplicado quando o ponto de partida é a graça de Deus. A partir daí se dá a comunhão do corpo da Igreja (koinonia). Esta comunhão é feita do repartir dos bens espirituais e materiais. Na Ceia do Senhor celebramos a comunhão (koinonia) com Cristo, que reparte conosco todos os bens do reino de Deus. Nessa mesa somos capacitados e encorajados a repetir sempre de novo aquele aperto de mãos da koinonia entre nós (na liturgia este gesto está previsto, em toda a sua concretude, no gesto da paz e no ofertório). Ofertar ajuda material após receber o rico tesouro de Cristo não é mais aquela coisa terrível que assusta e aborrece. É a oportunidade de participar (koinonia) da assistência (diakonia) às pessoas e comunidades necessitadas, para que o corpo da Igreja não tenha membros vigorosos, de um lado, e membros atrofiados, de outro. Nas palavras do apóstolo: “Não é para que outros tenham alívio, e vós, sobrecarga; mas para que haja igualdade, suprindo a vossa abundância no presente a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles venha a suprir a vossa falta, e assim haja igualdade”.

A comunidade que se reúne em culto e ao redor da mesa do Senhor tem sempre a oportunidade de exercitar aquele gesto de estender as mãos uns aos outros. Estender a destra da koinonia, a mão direita da comunhão, e, ao mesmo tempo, adotar a diakonia como fator de unidade e comunhão da Igreja, unidade e comunhão que visam sempre proteger as comunidades mais fracas.

P. Dr. Rodolfo Gaede Neto é coordenador e docente do curso de bacharelado em Teologia nas faculdades EST.
São Leopoldo RS
 


Autor(a): Rodolfo Gaede
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 15
Natureza do Texto: Educação
Perfil do Texto: Estudo Bíblico
ID: 13676
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Cada qual deve se tornar para o outro como que um Cristo, para que sejamos Cristos um para o outro e o próprio Cristo esteja em todos, isto é, para que sejamos verdadeiros cristãos.
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