Terra e Agricultura



ID: 2878

Deuteronômio 8.6-10

Auxílio Homilético

01/01/1987

Tema: O veneno nosso de cada dia

Explicação do tema:

Você pode estar matando ou morrendo, e tem gente lucrando com isso. Este slogan procura alertar o homem sobre sua autodestruição causada pelo uso excessivo de defensivos agrícolas. Já se tornou rotina na mesa do brasileiro o consumo de alimentos contaminados com agrotóxicos.

Quem os vende procura provar que são inofensivos à saúde do homem, pois na ânsia de querer lucrar, não tem escrúpulos em causar a morte e o sofrimento.
Quem os usa se deixa levar pela propaganda, na ânsia de querer lucrar também.

Quem consome os alimentos contaminados se vê impotente para fazer qualquer coisa a fim de mudar a situação.

É bom lembrar que alguns venenos proibidos em outros países têm entrada livre no Brasil e são comercializados, apesar de leis que proíbem ou regulamentam seu uso.

A vítima é a natureza, que sofre as alterações ecológicas, que têm por consequência a destruição da terra. Em decorrência disso, as vítimas somos nós que nela vivemos.

Por isso o pão nosso de cada dia que nos é dado por Deus para a preservação da vida, se transformou, na realidade, no veneno nosso de cada dia, o que gera sofrimento, destruição e morte.

Texto bíblico: Deuteronômio 8.6-10

Autor: Otto Porzel Filho

 

I – Introdução

A mecanização intensiva na agricultura pressupõe grandes monoculturas. E estas significam uma radical interferência no ecossistema, visando unicamente o lucro a curto prazo, sem medir as consequências futuras para a vida como um todo. Quebra-se o equilíbrio ecológico, muitas vezes sem que nos demos conta do fato de imediato. E um desequilíbrio traz outro, e inicia-se assim um ciclo diabólico que leva a agressões cada vez mais violentas. Além de destruirmos os últimos equilíbrios naturais e gratuitos para substituí-los por mecanismos artificiais caros e perniciosos, contaminamos toda a alimentação humana e animal. Intoxicações agudas, mortandade de animais e da fauna terrestre e aquática, são apenas a ponta visível do iceberg. A consequência última e não tão inimaginável é que os efeitos crónicos do evenamento geral do ecossistema acabarão por liquidar-nos.

II - O desafio da técnica

Sabemos que o uso inadequado dos biocidas (inseticidas, fungicidas, herbicidas) pode produzir tremendos danos ao homem e ao meio ambiente. Essas substâncias produzem desequilíbrios no ecossistema, isto quando não matam insetos e animais para os quais não foram receitados. Mas também podem matar o homem que come os alimentos tratados com esses venenos. As aves comem os grãos tratados com fungicidas, acumulando o veneno em seus tecidos, sendo que as pessoas que comem as aves, envenenam-se também. E como acontece isso? Acontece porque justamente estes biocidas foram planejados para matar seres vivos; eles não só destroem insetos, roedores ou fungos, como também atuam no sistema bioquímico das pragas. E no homem existe o mesmo sistema.

Pelas águas das chuvas os biocidas são levados aos rios. Os peixes fi¬cam contaminados e, quando não morrem, são pescados e ingeridos pelo homem. Assim os venenos vão parar no organismo do homem, podendo provocar as mais estranhas doenças. O organismo humano é capaz de formar anticorpos que vão agir como antídotos contra os venenos que recebe diariamente, passando desa-percebido o fenómeno da crescente drogação por que passa o corpo humano. Como o ciclo biológico do homem é longo, os efeitos maléficos também levam muito tempo para serem notados e diagnosticados. Seus efeitos maléficos só serão notados quando já é tarde, por causa da acumulação constante de pequenas doses durante vários anos. É o caso da mulher brasileira que, segundo diagnóstico médico, tem o maior teor mundial de DDT no leite materno. Noticiosos têm divulgado inúmeros casos de intoxicação e envenenamento de agricultores pela maneira incorreta de lidar com biocidas. Muitos casos resultaram em hospitalização e morte. Deve ser dito também que só no Rio Grande do Sul, entre 1976 a 1978, foram registrados 705 casos de intoxicação, e destes, 100 resultaram em morte.

Onde está a origem para tanta contaminação? O agricultor brasileiro, acostumado a formas tradicionais de agricultura, é obrigado a conviver cada vez mais com tecnologias avançadas. Estas impõem um perigoso desnível entre a prática ingénua do homem do campo, habituado a trabalhar a terra com as próprias mãos, e os modernos insumos químicos de bulas complicadas que prometem maravilhas.

Outro fator a colaborar nisto tudo é a monocultura. Ela acaba esgotando a terra e, portanto, diminui sua produtividade. E para aumentar sua produção, surge então a necessidade de se usar cada vez mais adubos químicos (inorgânicos) que os vendedores empurram ao agricultor através da propaganda que promete verdadeiros milagres. Trata-se, na verdade, de uma faca de dois gumes. Os fertilizantes químicos deixam as plantas dependentes do adubo artificial e preguiçosas - elas desaprendem a se defender. A consequência imediata é que as plantas se tornam cada vez mais suscetíveis às pragas, e advém disto a necessidade crescente do uso dos biocidas cada vez mais potentes e danosos à vida.

O que leva também ao uso indiscriminado dos biocidas é o próprio desmatamento. Com ele é destruído o habitat natural de variados tipos de insetos, e estes se transformam em pragas, pois todo o ecossistema foi rompido. Diante disso, muitos agricultores só vêem a possibilidade do uso dos biocidas para o controle destas pragas. É o que a propaganda lhes ensina. Esquecem-se, ou então nem sequer o sabem, pois nunca ninguém lho disse, que a própria natureza é capaz de reencontrar o equilíbrio. Insetos comem insetos, restos de safras recém-introduzidas nestas áreas desmaiadas, quando enterradas, enriquecem o solo, formando uma nova cadeia biológica. O agricultor tem apenas a tarefa de ajudar a fortalecer a terra, aumentando assim a resistência das plantas contra o ataque das pragas e doenças.

Estamos, bem por isso, diante de uma encruzilhada: ou se aplica uma quantidade nem sempre controlada de fertilizantes químicos inorgânicos, e portanto, incapazes de se transformar em matéria orgânica, e como consequência imediata, grandes quantidades de biocidas de toda espécie; ou se adota a adubação por composto orgânico - aparentemente mais trabalhosa, porém com a garantia de que os alimentos serão vigorosos, por isso, mais resistentes a doenças e pragas, e sadios para a alimentação humana e animal. Esta última alternativa aliada à rotação de culturas e à policultura seriam medidas muito simples em favor da vida.

Mas a realidade, com suas louváveis exceções, é outra: a cada ano a indústria química despeja nas nossas plantações 150 mil toneladas de biocidas, distribuídos em mais de 3.000 produtos diferentes, e cujo movimento financeiro chega aos 700 milhões de dólares. E tudo isso é favorecido pela antiquada legislação brasileira, que data de 1934.


Ill - O texto Dt 8.6-10

Temos diante de nós uma prédica de exortação. Tais prédicas foram pronunciadas na terra de Moabe, no além Jordão. São-nos apresentadas com um discurso de despedida de Moisés (Dt 1.5) aos israelitas, pouco antes da chegada à terra de Canaã. Situam-se, portanto, tais prédicas na história da salvação do povo entre o tempo da eleição do povo como povo de Deus e o tempo da realização desta promessa. Estas exortações têm a finalidade de destacar os desvios do povo que ainda existem neste ínterim.

Tais pregações do Dt espelham fundamentalmente a ideia de que céus e terra pertencem a Deus. Este escolheu somente o povo de Israel dentre todos os povos como sendo o seu eleito. A este povo Deus promete a salvação. Esta salvação, de que também falam as exortações, consiste na dádiva da terra, da tranquilidade, da riqueza. É um paraíso terrestre. Mas este é apenas um dos elementos da salvação. O outro elemento é que à fidelidade de Deus deve corresponder o amor a Deus, a obediência à lei e aos mandamentos.

Temos, então, também aqui, de forma clara, o apelo à obediência à vontade de Deus. Acontece que os ouvintes do pregador deuteronomista viviam em época de crise. Os jovens do seu tempo não passaram por aquilo que os antepassados passaram. A atuação direta de Deus não é mais tão palpável assim como fora entre os antepassados. E bem por isso a fé em Deus corre perigo.

Assim a pregação deuteronomista tem a finalidade de lembrar que a cada nova geração a fé tem que se tornar palpável e tão pessoal quanto possível. Este é um processo dinâmico que não pode parar. Olha-se o passado e este é reinterpretado para o momento presente.

Em especial o contexto menor de Dt 8.7-20 (que é uma unidade) aponta para a vida sedentária do povo na terra prometida. É uma prédica que tem o objetivo claro de apontar para a vida do povo. E no ápice desta prédica encontra-se a exaltação das riquezas desta terra dada por Deus ao povo eleito. E esta descrição reveste-se de um espírito perfeccionista, dando a entender que o povo recebe de Deus um paraíso. Já que a abundância é tentadora e perigosa ao povo, o texto (Dt 8.6-10) tem a principal exortação no fato de que em meio a tanta fartura e bênçãos não se esqueça o Doador. Afinal, o povo tem tudo apenas como empréstimo, que poderá usufruir em obediência à vontade do Doador, já colocada em Dt 5.

IV - Meditação sobre Dt 8.6-10

Israel é um povo que surge da fusão de tradições de diversas tribos. Estas organizam-se a partir da aliança feita com Deus no monte Sinai. E esta história é passada de pai para filho através de muitas gerações. Ao se passarem estas histórias, tinha-se justamente o objetivo de resguardar a igualdade comunitária e a justiça que garantisse a liberdade, enfim a vida de todos, em obediência à vontade de Deus. O Deuteronômio relembra o povo, que vive numa época de crise, do que Deus já realizou em seu benefício no passado. Ele reconta a história do povo para dentro de uma situação nova. É a atualização do passado.

Para um povo que era nômade, a terra representava o bem maior, insubstituível. É ela que lhe garante a vida, o sustento, segurança. Outro fator importante para este povo é que ela não é conquista, mas sim dádiva para ser usufruída. E por ser dádiva do próprio Deus, ela é perfeita, tem de tudo para todos. Deus é que não deixa faltar nada. É ele quem garante a continuidade da vida. E para que haja continuidade da vida, faz-se necessária a fidelidade a Deus, que se expressa na observância dos mandamentos.

Deus dá a terra aos homens para que.dela tirem o sustento. A terra é de Deus, ele é o Senhor. O homem, por outro lado, também está ligado a esta dádiva de Deus de maneira vital; é dela que vem todo o seu sustento. E, mais ainda, a sua própria origem está ligada à terra, pois do pó foi formado (Gn 2.17).

A terra é de Deus. Esta confissão é básica até os dias de hoje. Dela só deduz que a terra não é propriedade de alguns privilegiados, mas que todos têm o direito ao seu usufruto. E o domínio da criação deixado por Deus ao homem inclui toda a natureza. Mas domínio também inclui zelo. A terra de Deus tem de tudo, não falta nada. E para que assim possa continuar, o homem tem que ser tanto colaborador como continuador da obra criadora de Deus.

O homem, porém, não se contentou em viver neste jardim plantado por Deus. Ele rompeu e corrompeu com sua ambição desregrada a vida de intimidade com Deus, iniciando aí também a raiz de todos os males, que o levam a atacar a dádiva deixada para garantir a sua própria sobrevivência. E não por último ele ataca também o seu próprio semelhante. Atacando a criação de Deus, acaba atacando a si mesmo.

O homem é homem na medida em que é sopro de Deus. O homem independente, senhor de si, auto-suficiente, que se tem como semi-deus, morrerá como simples homem. Esquecendo este fato, aquilo que por Deus é oferecido como usufruto não mais é visto como dádiva, mas passa a estar aí para a satisfação dos seus desejos egoístas.

A vontade de Deus para a sua criação como um todo, incluído também o homem, é a intimidade harmoniosa: Criador, natureza e o homem. Esta harmonia se encontra hoje, mais do que nunca, ameaçada e violentada. Deus, natureza e homem não estão seguindo caminhos paralelos. Há entre eles uma aliança de vida e de segurança. Ao agredir a natureza, seja da forma que for, desrespeita-se o próprio Deus. Desconhecer o Criador é perder-se pelos caminhos da própria falta de identidade.

Comungar com a natureza é o resultado de uma evolução difícil. Ela não é uma realidade fechada e estática. Precisamos aprender que nela e no homem Deus deixou, se bem que em graus diferentes, sinais de seu amor, de sua inteligência.

A história de Deus com os homens sempre foi uma história de promessas e esperanças terrenas. Se o homem perdeu o paraíso, nunca deixou de lançar seu olhar em direção à terra prometida. Se ele sente saudade do paraíso perdido, ele vive e enfrenta ao mesmo tempo uma missão: a de transformar este mundo em sua casa e jardim. E nesta missão ele é chamado a respeitar, acolher e conviver com um princípio, com uma força, a que perpassa a realidade de tudo o que existe: Deus. Na medida em que o homem renuncia a possuir, a dominar e a ter um reino só para si, nesta medida toda a natureza se abre como uma casa, como um jardim. A riqueza oferecida por Deus existe para todos.

V - Pistas para a pregação

Elementos para a pregação podem ser encontrados com relativa facilida¬de em cada ambiente, pois o assunto veneno é conhecido de todos. Nos tópicos anteriores tentei apenas dar uma ideia, que pode ser ampliada a partir dê assuntos que quase diariamente aparecem nos jornais, rádios ou TV. Eu trataria o assunto da predica, seguindo os seguintes passos:

1 - O veneno na vida das pessoas.

2 - Motivos para o uso do veneno; suas consequências.

3 - O texto de Dt 8.6-10 contado com palavras simples; Deus doa ao homem o melhor e em fartura; a dádiva nos compromete com o doador e com ela própria, pois ela é a garantia da continuidade da vida.

4 - Desafios concretos em favor da preservação da natureza; exemplos de uma agricultura alternativa.

VI - Subsídios litúrgicos

1. Intróito: Salmo 24.1-5.

2. Confissão de pecados: Perdão, Senhor, pela nossa passividade diante de tantos problemas criados pelo uso indiscriminado de venenos, também naqueles produtos que diariamente necessitamos para a nossa alimentação. Por trás do seu uso estão interesses que têm em mente apenas ganhar mais, mesmo que isto custe a saúde da grande maioria da população. Nós muitas vezes sabemos disso e calamos. Calamos ao ver a tua criação ser destruída pouco a pouco, e muitas vezes até participamos desta destruição de maneira inconsciente. Perdão, Senhor, que deixamos tudo isto acontecer. Perdão, onde nós nos tornamos co-responsáveis pela destruição da tua dádiva, o nosso lar e fonte de todo o nosso alimento. Por isso te pedimos: Tem piedade de nós, Senhor!

3. Oração de Coleta: Senhor! Estamos aqui reunidos como tua comunidade. E aqui buscamos justamente a orientação clara na tua palavra para o nosso agir e falar. Ajuda-nos para que este nosso buscar possa ser sincero e que traga os seus frutos de maneira visível no nosso dia-a-dia. Dá-nos a força do teu Espírito Santo para podermos ver a nossa real situação e reconhecermos a tua vontade. Em nome de Jesus Cristo. Amém.

4. Assuntos para oração final: Agradecer: pela beleza da natureza; pelos alimentos que dela recebemos; por todos aqueles que têm consciência do quanto isto é importante para a continuidade da vida de todos. Interceder: pelos agricultores, para que entendam que não é apenas produzindo mais que se terá condições de vida para todos, mas que é melhorando a qualidade daquilo que se produz; por todas as pessoas, para que valorizem aquilo que Deus nos oferece na natureza, e que isto seja visto realmente como dádiva e não como algo que aí está para aumentar lucros; pelos políticos e governantes, para que se empenhem por leis que acabem com o abuso do veneno: pela Igreja, para que ela também dê cada vez mais um testemunho claro da vontade de Deus e que desperte em todos a consciência de que é importante a conservação da natureza; pelas vítimas dos venenos conhecidas e desconhecidas.

VII - Bibliografia:

- AGUESSE, P. Chaves da ecologia. Rio de Janeiro, 1972.
- EXPULSE os agrotóxicos da sua mesa. Viva a vida com saúde, n9 15, São Paulo, 1984.
- LAGO, A. & PÁDUA, J.A. O que é ecologia. São Paulo, 1984.
- LUTZENBERGER, J.A. Fim do futuro? 3. ed. Porto Alegre, 1983.
- MINC, C. Como fazer movimento ecológico e defender a natureza e as liberdades. Petrópolis, 1983.

- MOSER, A. O problema ecológico e suas implicações éticas. Petrópolis, 1983.
- RAD, G. von. Das fünfte Buch Mose. In: Das Alte Testament Deutsch. 2. ed. v. 8. Göttingen, 1968.
- RAD, G. von. Teologia do Antigo Testamento, v. 1. São Paulo, 1973.
-TONIN, N.J. Ecologia e espiritualidade. Grande sinal, no. 2. ano XXXIII. Petrópolis, 1979.


Autor(a): Otto Porzel Filho
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Diaconia / Subnível: Missão - Diaconia - Saúde e alimentação
Área: Missão / Nível: Missão - Diaconia / Subnível: Missão - Diaconia - Terra e agricultura
Área: Sustentabilidade / Nível: Sustentabilidade - Justiça socioambiental
Testamento: Antigo / Livro: Deuteronômio / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 6 / Versículo Final: 10
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1986 / Volume: 12
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17846

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