Convenção Nacional de Obreiras e Obreiros da IECLB
Curitiba, 13 - 16 de outubro de 2009
Pregação no culto de abertura
Walter Altmann
Pastor presidente da IECLB
Marcos 10.17-31
Colegas de ministério, estimadas irmãs e estimados irmãos em Cristo!
Tenho certeza que muitos de vocês se ocuparam com este texto na semana passada e sobre ele pregaram nos cultos do último fim de semana, já que é o texto previsto na série de perícopes em vigor na IECLB. Qual a aplicação que dele fizeram? Qual a atualização para dentro do contexto da comunidade com a qual vocês se reuniram? Não vou especular sobre isso. Mas seria este também um texto apropriado para nós, ministros religiosos, aqui, hoje?
Compartilhamos abraços de reencontro e comunhão de fé. Compartilharemos não apenas horas de devoção, canto, oração e reflexão sobre os mais diversos temas. Exercitaremos também a prática fraterna do rateio de despesas de viagem. Juntamos nossos trocados para tornar esta convenção possível. Mas não somos, salvo alguma exceção que eu desconheça, pessoas ricas, condição que o exercício no ministério ordenado não propicia, pelo menos não na IECLB. Não estaria deslocado o texto que acabamos de ouvir?
Contudo, tampouco somos pessoas pobres, carentes de ajuda alheia. Em nossa condição de vida, talvez até estejamos mais próximos das pessoas abastadas do que das pessoas miseráveis neste mundo. Como seja, sociologicamente falando não pertencemos nem à classe E nem à classe A.
Isso implica em que, junto com nossas preocupações com o sustento e o futuro, temos certos recursos para fazer frente a elas. E, vamos convir, a admoestação de Jesus de “vender tudo” bem poderia servir também para quem tem poucas posses. Ademais, se fizéssemos uma lista dos objetos de que deveríamos nos desfazer, bem poderíamos ficar surpresos de quanto possuímos.
Em outro lugar da Escritura ouvimos Jesus exaltando o exemplo da viúva pobre que, tendo ofertado ao Templo duas moedinhas, deu algo extremamente necessário para seu elementar sustento. Ou seja: quando Jesus exortou o moço rico a vender tudo, não estava de olho grande sobre suas posses, como alguns pregadores e algumas igrejas parecem fazer, mesmo porque a exortação era a de entregar o dinheiro auferido aos pobres e não aos ministros religiosos. O que Jesus fez foi testar o moço rico, por assim dizer, quanto a onde e a que estava apegado seu coração, quanto ao sentido de sua vida. “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”, ele disse no Sermão do Monte e nós seremos recordados disso na Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010.
Foi uma exortação concreta para a vida do moço rico, que, de resto, embora se empenhasse em cumprir rigidamente os mandamentos de Moisés, saiu triste, porque era alguém que tinha muitas propriedades. Mas a exortação não foi uma regra geral a ser aplicada a todas as pessoas indistintamente. Jesus não advogava uma ética imutável e impositiva para as demais pessoas.
Acerca de Zaqueu, cuja casa visitou e de quem usufruiu a hospitalidade, e isso sem colocar condição alguma, sabemos que devolveu quatro vezes o que havia obtido ilicitamente e doou a metade de seus bens, bem mais do que a propalada regra do dízimo; mas, ainda assim, não foi “tudo”, “apenas” a metade!
Com o lema deste ano, “Deus ama a quem oferta com alegria” (II Coríntios 9.7b), somos lembrados e exortados na IECLB a que pratiquemos a generosidade por gratidão a Deus, mas que nossas ofertas sejam de acordo com o que tenhamos proposto no coração, sem constrangimento e nunca por obrigação. Paulo nos ensina que nossas ofertas sejam generosas, como disse, mas espontâneas e dadas com alegria.
Repitamos: Jesus não proferiu uma regra geral, muito menos uma receita econômica para a sociedade. Se sua recomendação ao moço rico fosse uma fórmula universal, certamente todas as pessoas cairiam na pobreza. Como ordem social, hoje vislumbramos – e defendemos –, ao contrário, a constituição de um Estado social que garanta a todas as pessoas o atendimento de suas necessidades básicas, incluindo a adequada seguridade social e previdenciária. A IECLB até mesmo se preocupa com quem, estando no ministério, negligencia o indispensável cuidado nessa área.
A exortação de Jesus foi nitidamente de caráter pessoal. Jesus viu o coração do moço rico, detectou aquilo a que se apegava e que só poderia seguir a ele, Jesus, se não ficasse da dependência do dinheiro e de seus bens. O chamado de Jesus é incondicional. O discipulado não pode ter condicionantes limitadores. “Ser ou não ser”, essa máxima shakespeariana conhecida, é a alternativa que vale aqui.
Jesus, já falando com seus discípulos, apresenta outro exemplo igualmente radical: abandonar pai, mãe, filho, filha, terras. Outra vez, por certo, não uma regra de validade universal, em todas as circunstâncias. Tampouco é reflexo de suposto desprezo de Jesus para com as relações familiares, sem as quais nossa vida nem sequer seria possível, mas nada será tão importante quanto o reino Deus, nada poderá ocupar-lhe o lugar de proeminência máxima. Quanto a isso, Jesus é contundente e não conhece meio-termo.
Nada será tão importante quanto o reino de Deus. E aí tudo tem a ver com nosso ministério, nossa vocação.
No entanto, Jesus vai a um nível ainda mais profundo (ou mais elevado, como queiram). Os discípulos com razão concluem que é impossível cumprir com a exortação de Jesus. É impossível. Se for assim, quem poderá se salvar? Sim, quem poderá se salvar?
À parte de alguns santos na história da Igreja, como São Francisco de Assis, por exemplo, ninguém consegue vender tudo, dá-lo aos pobres, para seguir a Jesus. E quem hoje abandonar pai, mãe, filho, filha, ou cônjuge, será considerado uma pessoa irresponsável, não uma pessoa fiel seguidora de Jesus.
No entanto, colocar o reino de Deus acima de tudo, é exortação irrenunciável. Não podemos colocar o reino de Deus de lado. Contudo, cumprir com essa exortação não é possível humanamente. Jesus concorda, porém acrescenta: o que é impossível para seres humanos, é possível para Deus.
Isto é, vocês não conseguem colocar o reino de Deus acima de tudo, mas Deus pode colocar seu reino acima de tudo em suas vidas. Dito de outra forma: já não se trata de uma exortação ética; trata-se, isto sim, de um chamado à fé em Deus, em Jesus Cristo. Trata-se de algo a ser concedido, por graça, pelo Espírito Santo: o milagre da fé.
Apostem nisso. Coloquem suas vidas em jogo nesse empreendimento. Abracem isso como sua vocação.
Assim, estamos no âmago de nosso ministério. Porque nós fomos chamados a esse ministério, esta é nossa vocação: proclamar a todas as pessoas o que Deus pode fazer em suas vidas, o que Deus tem para lhes dar, nada menos do que a justificação, a salvação, a vida eterna. Há algo mais importante do que isso? As riquezas? Àquele néscio que acumulava bens, Jesus pergunta: “Para quê? Esta noite será buscada tua alma, tua vida!” Não há nada mais importante do que a vida plena que Deus nos dá em Cristo. A serviço desse ministério incondicional estão também os nossos dons, a nossa formação, podem estar também as nossas famílias, está igualmente o vínculo confessional e ministerial que estabelecemos com a IECLB, está inclusive nosso termo de atividade ministerial. E muito mais.
Bem, somos humanos e pessoas limitadas e pecadoras. E aquilo que deve estar a serviço, pode muito bem passar a competir com nossa vocação última. E pode, por vezes, tomar o seu lugar: a profissão não mais a serviço da vocação, mas a profissão como um pequeno fim em si mesmo.
A carga das atividades ministeriais, as exigências que se nos fazem, as dificuldades e incompreensões que enfrentamos, os quilômetros que temos que rodar, as demandas da Igreja e de seus regulamentos, a limitação de nossas forças e os problemas de saúde próprios ou de familiares, as injustiças, verdadeiras ou pretensas, que sofremos, tudo isso e muito mais, bastante real, pode comprometer o bom e fiel exercício de nosso ministério.
Por isso, é apropriado que nesse início da 1.a Convenção Nacional de Obreiras e Obreiros da IECLB, nos recordemos do chamado e da incumbência que recebemos, na IECLB, do próprio Deus.
O apóstolo Pedro entendeu a lição e constatou (ao que parece, com uma pitada de orgulho): “Deixamos tudo para te servir!” De novo, a palavrinha “tudo”... De fato, haviam abandonado redes e barcos, sua profissão e seu ganha-pão, seu lar, para segui-lo, atendendo a seu chamado. Jesus não rebate o argumento. Ele é válido.
Mas teria Pedro entendido tudo? Jesus faz uma estranha promessa, um misto de atração e susto. Quem deixar pai, mãe, filho, filha, terras, receberá já aqui na terra cem vezes mais (uma alusão clara à comunhão dos discípulos e discípulas, à Igreja, corpo de Cristo, diríamos nós). Cem vezes mais é prometido. Espetacular teologia da prosperidade? Nada disso, sólida teologia da cruz, como Lutero viria a expressar tão bem muito mais tarde. Pois com o cêntuplo prometido, os seguidores de Jesus receberão também, espantoso, perseguições! No futuro, sim, a vida eterna, a plenitude do reino, do qual o antegozo podemos experimentar, em fé, já aqui e agora, contudo não sem angústias, dores e perseguições.
Esse o chamado que recebemos; essa nossa vocação. Essa também a promessa. Sob essas condições, mas também e fundamentalmente sob essa promessa, se desenvolvem nossas atividades ministeriais.
Por isso estamos aqui reunidos. Confiantes nessa promessa, imploramos que o Espírito Santo seja o nosso condutor nestes dias e nos fortaleça em nossas vidas e em nosso ministério.
Amém.