25032018 – Rio
“Dois dias depois seria celebrada a Páscoa e a Festa dos Pães sem Fermento. Os principais sacerdotes e os escribas procuravam uma forma de prender Jesus, à traição, para matá-lo. Pois diziam: — Não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo. Quando Jesus estava em Betânia, fazendo uma refeição na casa de Simão, o leproso, veio uma mulher, trazendo um frasco feito de alabastro com um perfume muito valioso, de nardo puro; e, quebrando o frasco, derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus. Alguns dos que estavam ali ficaram indignados e diziam entre si: — Para que este desperdício de perfume? Este perfume poderia ter sido vendido por mais de trezentos denários, para ser dado aos pobres. E murmuravam contra ela. Mas Jesus disse: — Deixem a mulher em paz! Por que vocês a estão incomodando? Ela praticou uma boa ação para comigo. Porque os pobres estarão sempre com vocês, e, quando quiserem, podem fazer-lhes o bem, mas a mim vocês nem sempre terão. Ela fez o que pôde: ungiu o meu corpo antecipadamente para a sepultura. Em verdade lhes digo que, onde for pregado em todo o mundo o evangelho, também será contado o que ela fez, para memória dela.” Marcos 14.1-9 NA17
Querida comunidade reunida neste Domingo de Ramos,
uma mulher sem nome faz história. Não! ...ela teria feito história se a cena dos acontecimentos não tivesse sido modificada ou fosse melhor descrita, com mais detalhes. Teria feito história se soubéssemos mais sobre suas reais intenções; se ela era uma mulher doce, romântica, sensível; se era uma oportunista, rica e esbanjadora... Aqueles que contaram seu feito em diferentes ocasiões acabaram naõ sendo muito claros a respeito de alguns detalhes importantes. Mas estamos em outros tempos: fez história, sim, porque era uma mulher corajosa que não estava nem aí para as regras de exclusão; parece ter um status tão invejável que sempre provocaria comentário, onde quer que estivesse... Ou, ela teria feito história se o problema não pudesse estar no texto de Marcos que foi vertido do aramaico para o grego sem muita preocupação com os detalhes técnicos deste ato da mulher. O evangelista Lucas, mais tarde, trouxe um texto semelhante onde classificou a mulher que está com Jesus como sendo uma conhecida pecadora. Ainda mais uns 20 anos se passam e o evangelista João usa a mesma cena e dá nome à mulher que ungiu os pés de Jesus com um bálsamo que Judas Iscariotes avaliou nuns 300 denários. É Maria, irmã de Marta.
A mulher sem nome, ao contrário das outras mulheres nas outras cenas, unge a cabeça de Jesus. Aparentemente existe só uma obra artística relevante que retrata esta cena, pintada em 1260. Não a encontrei. Não era comum que mulheres tocassem a cabeça de homens. Antes, seus pés. Cabeças de homens ficam nas mãos de homens importantes.
O que está em jogo na cena descrita por Marcos – aliás, o primeiro evangelho e, por isso, provavelmente o mais fiel aos fatos originais – não é a posição daquele homem Jesus e daquela mulher de Betânia. É a posição daquilo que se quer transmitir: o Evangelho. O que é novo, o que é inusitado e incomum recebe voz! A Boa Nova, o Evangelho é chamado para o centro da cena. Vamos ver como isso acontece.
O que a mulher faz (usurpação).
O velho costume oriental de saudar os hóspedes era feito através da unção dos pés. Era sinal de honra e demonstração de simpatia. Mas a mulher escandaliza ao ungir a cabeça de Jesus (a mesma cena é descrita em Mateus 26), tradição reservada aos reis e príncipes (1 Sm 10.1, 15.1; 1 Rs 1.34; 2 Rs 9.1s). O rei ou o ungido (messias) recebia a unção na cabeça pelo sacerdote ou outra autoridade religiosa. Era uma prerrogativa dos homens.
Aqui a mulher de Betânia o faz – com que autoridade? – e, pior, com o consentimento de um rei sem coroa destinado à morte em poucos momentos, porque “dois dias depois seria celebrada a Páscoa e a Festa dos Pães sem Fermento.” (v.1)
A unção de Jesus – ou deveríamos dizer a declaração messiânica a respeito de Jesus – já é um sinal daquilo que ainda não era. O rei sem coroa é profeticamente coroado pela ação da mulher. Antes da Páscoa já se vislumbra o que acontece após a Páscoa: as mulheres levam e trazem a notícia do novo tempo para toda a humanidade, preparam a morte e testemunham a ressurreição do Rei dos reis. Foi assim que elas e a multidão saudou Jesus – hosanna, hosanna, hosanna ao rei – naquele dia da sua entrada triunfal em Jerusalém.
No momento da refeição de Jesus na casa do leproso Simão acontece esta quebra de paradigmas. Homens e mulheres confraternizam uma mesma esperança, antes e depois da Páscoa. Nesta cena somos colocados diante de uma nova ordem de coisas e acontecimentos. A pré-Páscoa e a pós-Páscoa emolduram um quadro onde são pintadas as cores da usurpação, onde os poderes são rejeitados e as regras excludentes são quebradas enquanto o amor de Cristo Jesus irrompe em misericórdia, entendimento e aceitação mútua.
Que outra liturgia, ou quebra de ordem pré-estabelecida de culto, mereceria ser lembrada da forma como Jesus disse? “Em verdade lhes digo que, onde for pregado em todo o mundo o evangelho, também será contado o que ela fez, para memória dela.” (V.9)
Os desdobramentos da ostentação (esbanjamento).
A objeção feita à mulher de Betânia foi realmente séria. Estamos diante de uma colisão frontal entre as coisas que sempre foram feitas assim e a silenciosa ousadia de provocar mudanças.
Quanto você ganha somando seus proventos todos durante um ano? Se você pudesse ter esse dinheiro em sua mão, agora, sem nenhum desconto, o que você compraria sem pensar duas vezes? Provavelmente a maioria de nós compraria algo realmente necessário, pensando em um futuro difícil e indefinido. Pagar dívidas é o mais normal entre nós brasileiros. Alguns poucos pensam em poupar. R$ 12.000,00 na sua mão. Agora! E daí? O que você pensou?
A murmuração foi imediata. Mais de 300 denários esbanjados. Ou seja, mais de trezentos dias de trabalho. Um ano de salário. Isso tudo em uma situação histórica e social sem carteira assinada. Ninguém podia saber ao certo se teria “emprego” no dia seguinte. “O pão nosso de cada dia”, conforme petição ensinada por Jesus, poderia significar o mesmo que “Senhor, que amanhã eu tenha o que trabalhar para poder sustentar minha família”.
A “luxuosa ostentação” da mulher é agressiva. Não apenas o perfume de nardo puro, provavelmente importado do norte da Índia, ou mesmo das montanhas do Himalaia, mas o próprio vaso de alabastro quebrado. Alabastro pode designar o formato do vaso – com um gargalo comprido para armazenar líquidos preciosos com segurança – ou o material de que é feito. Poderia ser do Egito, bem mais caro que todos os outros vasos.
E mais, esta mulher chega perto de Jesus. Perto demais. Ela mostra muita ternura. Ternura demais. Ela demonstra desapego e confiança quanto ao seu futuro. Confiança demais. Desapego demais. Era praticamente uma provocação. Ela provoca a reflexão sobre novas definições de vida e eternidade.
O novo perfume (sensação).
Somando os prós e os contras da ação que transcorre na casa de Simão, o leproso, o que fica de resultado?
O perfume! O ar cheio de perfume!
Todos sabemos que os odores viajam com bastante liberdade. O perfume que avança pelo ambiente não pode ser impedido de viajar até as narinas, até a alma das pessoas.
O perfume no ar permite viver a sensação do que é novo. Tanto assim que Jesus compreendeu - ou deu a compreensão – para além daquilo que a cena descreve. Alguns dias antes da sua morte em nosso favor permite que a comunidade de fé entenda que o novo perfume traz esperança e vida. E sempre que a Comunidade reunida em Culto a Deus lê e relê esta história, vê despertada uma segurança futura que dinheiro nenhum pode pagar. Este acontecimento reacende o amor pela pessoa que nada tem porque a esperança que foi acesa em mim me permite estar livre para quebrar vasos de perfumes que exalem esperança e bênçãos para quem não tem.
Pobres e famintos são acolhidos no Reino de Deus. A mudança – a nova sensação – acontece sempre ali onde são quebradas as histórias de pessoas e de famílias que se distanciam dos valores do Reino de Deus. Hoje mesmo Jesus quer inundar sua vida como um bom perfume.
Conclusão
Prezada comunidade,
o Evangelho – a boa nova de Jesus Cristo – é um perfume luxuoso e caro, traz um ar de ternura para o ambiente, é próximo, muito próximo de cada pessoa, causa a sensação de confiança e esperança. É perfume, não para ser esbanjado, mas colocado suavemente sobre a cabeça de tal forma que escorra até os pés passando pelo corpo inteiro.
Acredito que o apóstolo Paulo dá uma excelente continuidade e conclusão a esta pregação quando escreve: “... dou graças a Deus porque, unidos com Cristo, somos sempre conduzidos por Deus como prisioneiros no desfile de vitória de Cristo. Como um perfume que se espalha por todos os lugares, somos usados por Deus para que Cristo seja conhecido por todas as pessoas. Porque somos como o cheiro suave do sacrifício que Cristo oferece a Deus, cheiro que se espalha entre os que estão sendo salvos e os que estão se perdendo. Para os que estão se perdendo, é um mau cheiro que mata; mas, para os que estão sendo salvos, é um perfume muito agradável que dá vida. Então, quem é capaz de realizar um trabalho como esse? Nós não somos como muitas pessoas que entregam a mensagem de Deus como se estivessem fazendo um negócio qualquer. Pelo contrário, foi Deus quem nos enviou, e por isso anunciamos a sua mensagem com sinceridade na presença dele, como mensageiros de Cristo.” 2Coríntios 2.14-17 NTLH
Queremos ver cenas de ternura e não de demonstração de poder! Chega do mau cheiro da liberação das drogas entre nós, do mau cheiro das mentiras, do mau cheiro do exercício corrupto do poder. Basta do cheiro de pólvora na violência urbana que vivemos. Basta do cheiro de sangue das vítimas deste eufemismo das balas perdidas. Seja perfume para as pessoas ao seu redor. Aceita Jesus em sua vida, deixa ele ser o perfume da sua vida. Gostou do perfume que está no ar?
Aceita Jesus em sua vida, deixa ele ser o perfume da sua vida. Seja perfume para as pessoas ao seu redor.
Amém.