20200209
Isaías 58 58.1-9a
1 Grite alto, não se contenha! Levante a voz como trombeta. Anuncie ao meu povo a rebelião dele, e à comunidade de Jacó, os seus pecados. 2 Pois dia a dia me procuram; parecem desejosos de conhecer os meus caminhos, como se fossem uma nação que faz o que é direito e que não abandonou os mandamentos do seu Deus. Pedem-me decisões justas e parecem desejosos de que Deus se aproxime deles. 3 ‘Por que jejuamos’, dizem, ‘e não o viste? Por que nos humilhamos, e não reparaste? ’ Contudo, no dia do seu jejum vocês fazem o que é do agrado de vocês, e exploram os seus empregados. 4 Seu jejum termina em discussão e rixa, e em brigas de socos brutais. Vocês não podem jejuar como fazem hoje e esperar que a sua voz seja ouvida no alto. 5 Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, incline a cabeça como o junco e se deite sobre pano de saco e cinzas? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor? 6 O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? 7 Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? 8 Aí sim, a sua luz irromperá como a alvorada, e prontamente surgirá a sua cura; a sua retidão irá adiante de você, e a glória do Senhor estará na sua retaguarda. 9a Aí sim, você clamará ao Senhor, e ele responderá; você gritará por socorro, e ele dirá: Aqui estou.
O terceiro momento
O texto bíblico previsto para a pregação neste 5º Domingo após Epifania — o Sr. Rodolfo me perguntou lá no ancionato o que é epifania e lhe disse que era a manifestação de Cristo a todas as pessoas como uma luz inconfundível, como a que guiou os magos para lhe adorar — pois bem, este texto dá conta de um dito profético a respeito do que o Senhor Deus quer de seu povo.
Introdução
Chamo esta pregação de “o terceiro momento” porque as palavras atribuidas a Isaías são, na verdade, parte de um terceiro livro colocado sob a pena do mesmo profeta. O “trito-Isaías” foi escrito após a volta do povo do exílio babilônico — tempo muito duro aquele — provavelmente com o templo já reconstruído, e agora caminham em busca de uma vida com novos valores sociais e éticos. Parecem estar novamente fora do caminho que Deus quer, por isso o profeta precisa novamente tomar a palavra, no terceiro momento desta saga.
O que o profeta precisa dizer
Neste capítulo do livro de Isaías o profeta 1) reprova a hipocrisia e aponta a diferença entre o jejum de mentirinha e o jejum verdadeiro, 2) declara as promessas às pessoas que fazem o bem às outras e 3) retribui a quem guarda o dia do Senhor.
Os versículos que nós estamos abordando se referem principalmente ao dois primeiro tema.
O jejum
Foi aprox. em 587 a.C. que Jerusalém se viu saqueada e o seu templo destruído pelos babilônios. Os profetas — entre eles ainda Ageu e Zacarias — vinham avisando do desastre. O povo optou em não seguir as ordens do coração de Deus e fizeram de seu próprio coração a nova lei social. Poderíamos dizer que fizeram o que acharam politicamente correto. Até o ano de 70 a.D., quando aconteceu a última destruição do templo, reinou a incerteza em meio ao povo escolhido. Neste período de seis séculos se inclui o nascimento, morte e ressurreição de Cristo Jesus.
Depois do exílio, o profeta anuncia o novo céu e a nova terra (Is 65.17ss; Ap 21.1ss). Porém, antes, alguns problemas deveriam ser resolvidos. No texto base que estamos analisando, Isaías o resume no tema jejum. O objetivo aqui é claro: não se quer discutir as técnicas adequadas de jejum e nem sequer seu valor cúltico como cumprimento de uma regra sagrada. (Ex 34.28 — Moisés esteve na presença de Deus e se preparou para lhe ouvir quarenta dias e quarenta noites sem comer e sem beber para receber, pela segunda vez, as tábuas da lei. Esta abstinência se tornou o jejum cultual do Primeiro Testamento.)
O verdadeiro jejum
Sendo um exercício de abstinência, o jejum pode acontecer de várias maneiras. Muitos fazem de um exercício qualquer de abstinência uma badalação religiosa que nada tem a ver com o objetivo que é apresentado aqui. Andar cabisbaixo, mal humorado por causa da fome, cobrir a cabeça de cinzas e vestir pano de saco para aparentar algo que se não é, definitivamente está fora do conceito bíblico de jejum.
Dúvidas sobre o verdadeiro jejum? Nenhuma! Mais claro, impossível: O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo?” (v.6-7)
Uma nova compreensão do culto a Deus
Esta é a chave hermenêutica para toda a palavra que expressa a vontade de Deus. Jesus mesmo a usou. Esta é a atitude cristã que tem seu berço nas palavras proféticas aqui hoje novamente ouvidas (ou lidas!).
Façamos uma reconstrução deste conceito:
“Proclamei as boas-novas de justiça na grande congregação; jamais cerrei os lábios, tu o sabes, Senhor. Não ocultei no coração a tua justiça; proclamei a tua fidelidade e a tua salvação; não escondi da grande congregação a tua graça e a tua verdade.” Salmo 40.9-10 NAA.
O primeiro passo da correta compreensão da vontade de Deus neste mundo está no anúncio. Não se pode imputar uma reprimenda a alguém se este não souber previamente o que se quer. O salmista afirma que jamais se calou. O profeta pede que gritemos, o salmista diz que proclamou (uma prerrogativa de reis!) e, o fato é, que não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos”. (At 4.20).
“Ó Sião, você que anuncia boas-novas, suba a um alto monte! Ó Jerusalém, você que anuncia boas-novas, levante a sua voz fortemente! Levante-a, não tenha medo. Diga às cidades de Judá: “Eis aí está o seu Deus!” Eis que o Senhor Deus virá com poder, e o seu braço dominará; eis que o seu galardão está com ele, e diante dele vem a sua recompensa.” Isaías 40.9-10 NAA
O grito tem conteúdo. Aponta para o braço forte do Senhor. Maria, a mãe de Jesus, o reconheceu ao cantar “agiu com seu braço valorosamente; dispersou os que, no coração, alimentasvam pensamentos soberbos”. (Lc 1.51).
“Hipócritas! Bem profetizou Isaías a respeito de vocês, dizendo: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos humanos. (…) o que contamina a pessoa não é o que entra pela boca, mas o que sai da boca; isto, sim, contamina a pessoa.” Mateus 15.7-9, 11 NAA
A hipocrisia denunciada pelo profeta é a mesma denunciada por Jesus. É a mesma que precisamos denunciar em nossos dias. Há muita teatralidade nas ações atribuídas ao “ser cristão” e quase nenhuma efetividade em termos de transformação pessoal e social. É de dentro que as coisas precisam vir; acontecer, para mudar.
“Todos os servos que estão debaixo de jugo considerem dignos de toda honra o próprio senhor, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam difamados.” 1Timóteo 6.1 NAA “…a fim de que, em todas as coisas, manifestem a beleza da doutrina de Deus, nosso Salvador.” Tito 2.10 NAA
Todas as pessoas que se sabem chamadas para “viver o batismo” e se sentem motivadas a dar frutos que perdurem por toda eternidade (João 15.16), honram a Deus com sua vida. Respeitam Deus. Não fazem de Deus, ou de Jesus Cristo, um novo frankenstein. Ademais, sabemos que não são simplesmente as palavras que vão causar — como se expressam os jovens — mas as palavras unidas à ação (Livro de Cântico da IECLB, 568).
Nosso desafio
Além de todos os problemas e mazelas que vivemos na sociedade líquida pós-moderna, precisamos ter opinião — e saber nos posicionar — a respeito de assuntos bem cariocas como: luteranos devem participar como instituição de desfile na Sapucaí?
Diante da necessidade de sermos uma voz ouvida — não a nossa, mas a do Evangelho — temos em nosso tempo oportunidade de ouro, como cristãos, de ocupar o período carnavalesco para abençoar a nação mobilizando e canalizando a energia e criatividade de milhões de membros da grande malha de igrejas que cobrem quase todos os bairros da Grande Rio, e do Brasil, com a promoção de ações afirmativas.
Não precisamos da avenida do samba. Outras iniciativas mais trabalhosas podem ser implementadas para mostrar o amor e a tolerância cristã. Mutirões de limpeza pública, plantio de árvores, construção de abrigos para idosos e mendigos, orientação de saúde, orientação escolar, ensino de dama, xadrez, de culinária, iniciação musical, instrução sobre sexualidade segura, mediação de conflitos, etc., etc., e, também, retiros para jovens e adultos alé, de cantoria alegre nas praças.
O carnaval é em si uma contraposição ao cristianismo em sua Weltanschauung (visão de mundo). Os sambas-enredo e os desfiles podem até fazer verdadeiras e boas críticas sociais mas seu culto está mais próximo de Baal do que de Cristo (aqui poderíamos levantar acaloradas discussões filosóficas e antropológicas que permeia também a discussão teológica). Mesmo assim, é hora de substituirmos a crítica moralista e defensiva de sempre por ações afirmativas sobre a alegria cristã e o poder socializador construtivo do Evangelho. Precisamos anunciar e viver o Evangelho de Cristo Jesus e não fazer dele um mascote, repito, frankensteiniano.
Conclusão
As Igrejas estão desafiadas a construir átrios bem amplos para acolher as massas e multidões. As multidões querem ouvir e ver a justiça. São as massas nos sambódromos, nos mercados, nos shoppings, nas sarjetas e praças e — pasmem — multidões dentro das próprias igrejas, todas desejosas do Evangelho de Jesus Cristo. Seria este o nosso terceiro momento?
Multidões querem ser resgatadas, tiradas do seu meio de tirania e opressão, para viver a alegria. Jesus, a alegria para todos!
Amém!