“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto, onde, durante quarenta dias, foi tentado pelo Diabo. Não comeu nada durante esses dias e, ao fim deles, teve fome. O Diabo lhe disse: “Se és o Filho de Deus, manda esta pedra transformar-se em pão”. Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem’ ”. O Diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. E lhe disse: “Eu te darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. Então, se me adorares, tudo será teu”. Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto’ ”. O Diabo o levou a Jerusalém, colocou-o na parte mais alta do templo e lhe disse: “Se és o Filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Pois está escrito: “ ‘Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, para o guardarem; com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra’ ”. Jesus respondeu: “Dito está: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus’ ”. Tendo terminado todas essas tentações, o Diabo o deixou até ocasião oportuna. Jesus voltou para a Galileia no poder do Espírito, e por toda aquela região se espalhou a sua fama.”
Lucas 4:1-14 NVI
INTRODUÇÃO
Jesus estava feliz. O menino nascido em Belém, no pobre lugar onde comia e dormia o gado, é agora um homem jovem de 30 anos em Nazaré, na Galileia. Este é um vale verde em meio ao deserto. Lá se planta trigo e uvas. Pão e vinho não falta naquele lugar. Perto corre o pequeno rio Jordão. Pequeno em volume de água, mas enorme em significado para a vida local. Às margens do Jordão pregava o profeta João, que ganhou também o nome de Batista; isso porque além de pregar, batizava as pessoas arrependidas.
Sem perder a perspectiva de que era o enviado de Deus Jesus desce o barranco do Jordão e se deixa batizar por João. Este relutou a princípio, mas também percebeu que estava fazendo parte do plano de Deus. Ao terminar esta primeira etapa na vida de Jesus, João e os outros ouviram a voz do céu que disse que aquele Jesus era o filho amado de Deus e o Espírito Santo desceu sobre o recém batizado em forma corpórea de pomba.
O céu havia se aberto sobre Jesus, e ele estava feliz, cheio da graça de Deus.
JESUS SE RETIRA
Como é conhecedor de sua própria missão, Jesus se retira para orar e jejuar. Se prepara. Acredito que, para mostrar solidariedade com as pessoas que são tentadas, e para testemunhar um bom preparo para tarefas árduas que vinham pela frente, ele mesmo sofre tentaçòes durante quarenta dias. São quarenta dias e quarenta noites de investidas de Satanás.
Quanto tempo de contrariedade costumamos suportar? Nossa resiliência é boa? Bioresiliência é uma palavra moderna para descrever a necessária capacidade de cultivar e unir bons hábitos - rir, dançar, chorar quando preciso, tomar sol, fazer atividade física, dormir bem, abraçar e ser abraçado, amar e ser amado — aos valores espirituais como uma fé bem elaborada, equilibrada. Orar, ler a Bíblia, meditar, ir à Igreja para ter comunhão e ouvir o ensino, se deixar desafiar para novas atitudes, fortalecer o espírito — tudo isso ajuda a fortalecer a vida de tal forma que não sejamos derrubados pelas contrariedades. Elas podem nos matar espiritualmente.
Satanás aplica três golpes fortes em Jesus ao tentá-lo nas áreas elementares de cada ser humano. No preparo de Jesus para o ministério que seria desenvolvido por ele, sofre a adversidade e a enfrenta com determinação de sempre obedecer ao Pai. Ainda neste capítulo 4 de Lucas lemos que seus próprios conhecidos de Nazaré procuraram matá-lo, jogando do precipício, algo que acaba não acontecendo. E Jesus é tentado.
A TENTAÇÃO DO PODER
Fazer pão é uma arte milenar. Pesquisas dizem que surgiu no Egito e com ele eram alimentados os que construíam as pirâmides. Jacó passou fome e foi buscar sementes no Egito para fazer o pão. Lá reencontrou seu filho José, que julgava estar morto. Em preparação ao êxodo, e durante ele, o povo israelita comeu pão sem fermento e o levou para a Palestina.
Fornecer pão ao povo continua sendo uma forma de exercer poder. Dar pão rende aplausos e pontos no ibope de políticos. Imperadores romanos se mantinham no poder com a promessa de fornecer pão e circo. Cestas básicas continuam comprando votos também no Brasil.
Jesus também multiplicou pães e peixes. Poderia ter sido chamado de “Rei-do-pão” na primeira vez que isso aconteceu, mas preferiu retirar-se novamente para orar (João 6.15). Sua missão era ainda maior.
Nem só de pão viverá o homem”, diz categoricamente. — Usar sinais, prodígios e milagres a seu favor; fazer uso de seu poder pessoal e de sua influência sobre outras pessoas, não é a forma de cristãos agir. Jesus nos ensina a resistir a esta tentação do poder buscando a Deus em oração.
A TENTAÇÃO DA AUTORIDADE
Desde a queda sofrida pelo ser humano, quando Adão e Eva, por livre opção, escolheram se rebelar contra Deus (Gn 3), o ser humano pensa que sabe mais que o próprio Criador. Faz seus caminhos abarrotados de buracos e pedras que fazem cair, cair e cair.
Em ato contínuo, Satanás pensa que é o príncipe deste mundo e faz mulheres e homens se portarem como serviçais cegos e surdos. Jesus ouve a promessa maléfica: Eu te darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. Então, se me adorares, tudo será teu”.
Só pode que tenha sido com esta falsa autoridade dada por Satanás que um colega meu, pastor, tenha feito no Dia Internacional da Mulher agradecimento
“à Eva por ter pecado, pois o seu pecado foi se encantar pela possibilidade de ter discernimento, de entender as coisas. E não houve patriarcalismo capaz de frear esse ímpeto da mulher Eva. Graças a ela não somos seres tapados e alienados por uma religiosidade de mão única, moralista e limitadora.”
Será que esta defesa teológica totalmente estapafúrdia poderia ser também feita se Jesus tivesse cedido à tentação de ser o príncipe deste mundo? Será que o colega pastor, nos seus devaneios doutrinários, elogiaria Jesus se tivesse se rendido às forças do pecado e do mal? Dizendo que assim se libertou da autoridade patriarcal do Pai? Ao invés de adorar o diabo e enaltecer seus descaminhos, Jesus resistiu, não o adorando e sujeitando-se apenas a Deus.
TENTAÇÃO DO PRESTÍGIO
Por último, o diabo tenta Jesus com aquilo que tem de único: sua autoridade messiânica. Que tal fazer um showzinho messiânico? O povo iria aplaudir ao vê-lo se jogando do pináculo do templo e ser amparado por 60.000 anjos (Mateus 26.53). Ainda de quebra iriam crer nEle como em nenhum outro ser extraordinário.
O que na verdade Satanás queria de Jesus não é que tivesse sua popularidade subitamente aumentada. Seu desejo era que Jesus passasse a interpretar as Escrituras de acordo com o ponto de vista. “Se és o Filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Pois está escrito: “Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, para o guardarem; com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra”
Ler a Bíblia nos padrões do tentador é o que seduz grandes segmentos da teologia em nossos dias. Acredito que essa tenha sido a tentação na qual sucumbiu meu colega pastor ao defender o pecado de Eva e esquecendo que Adão tem o mesmo grau de envolvimento na desobediência, representando assim toda a humanidade.
Defender uma teologia desapegada da fundamentação bíblica, como a qual o diabo tentou seduzir Jesus, dá popularidade. Jesus, no entanto, preferiu o caminho da cruz. O Messias sentiu o abandono — sem poder e atração — morrendo na cruz em nosso favor.
O que teria acontecido se Jesus tivesse concordado com a proposta inocente da releitura dos textos sagrados segundo a ótica do enganador?
CONCLUSÃO
Não que as coisas agora seriam fáceis para quem viu Satanás virar as costas “até ocasião oportuna”. Mas Jesus nos deixa o ensino de que no poder do Espírito” há a verdadeira e duradoura transformação da sociedade, dos povos.
O ensino e o testemunho da Igreja Cristã precisam ser contundentes e poderosos — em compaixão e amor — para que cause efeitos de justiça, de tolerância, de transformação social. Sem este poder do Espírito Santo o testemunho da Igreja é frio, fraco, sem tempero e sem empolgação. A fé descomprometida e passageira é resultado da racionalidade teológica que assalta também a nossa igreja.
Nossa reação?
Nos aprofundar na Palavra para que nossa atitude seja coerente com a vontade de Deus. Seria esta uma boa estratégia? Depois de ter sido tentado, como já falamos, Jesus foi ameaçado de morte porque recorreu à Palavra para basear sua atuação: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas-novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor”. (4.18-19 NVI)
Podemos nos espelhar neste exemplo de Jesus para nossos passos futuros. Oxalá.
Amém
Foto: Pixibay (domínio público)