Evangelho de de Marcos 4.26-34
Oração:
Bondoso Deus, Semeador da Nova Terra,
Em tua graça, nossos olhos vislumbram novos horizontes, onde os oprimidos conhecem a libertação, os entristecidos, a alegría e o mundo fragmentado, a unidade. Orienta-nos nessa manhã para que a utopia de teu Reino permaneça acesa en nossos corações, que nossos passos sejam de esperança, que nossos braços trabalhem pela paz e nossos lábios proclamem, enamorados, a Tua paixão pela vida. Por Cristo Jesus. Amém.
Queridas irmãs e irmãos na fé:
Para entendermos as parábolas de Jesus é sempre oportuno nos perguntarmos a qual etapa da atividade de Jesus elas correspondem?
No Evangelho de Marcos, Jesus inicia sua atividade com estrondoso sucesso: Rapidamente, porém, o sucesso é substituído pela hostilidade da família e dos adversários de Jesus, a ponto de ele formar, com os que lhe são fiéis, a nova família. As parábolas de Mc 4, portanto, estão no centro de um conflito entre Jesus e seus adversários. São parábolas que visam superar a crise.
Mas não se trata só da crise de Jesus. O Evangelho de Marcos foi, talvez, o primeiro catecismo para os membros das primeiras comunidades cristãs. Com eles também acontecia algo de semelhante à atividade de Jesus: no início, estavam bem dispostos, prontos para tudo, assíduos. Aos poucos, porém, o esmorecimento, dúvidas, crises e abandonos se avolumam. As parábolas, portanto, visam superar as crises da caminhada dos cristãos.
A parábola da semente que cresce por si só é uma das respostas à crise na atividade de Jesus e na caminhada das comunidades cristãs. Em meio aos conflitos, crises e resistências, o importante é ir semeando. É o que fez Jesus e o que devem fazer os cristãos. O centro da parábola está no fato que a semente, por si mesma (em grego: automate - automaticamente), cresce e produz fruto. Isso porque possui dentro de si força irresistível. Basta semear, e vocês verão! Seu processo é lento, mas progressivo: folhas, espigas e, por fim, grãos que enchem a espiga (v. 28). É um alerta para os que querem tudo pronto; e também um aviso às comunidades sufocadas pela burocracia, estruturas e organismos. A semente do Reino cresce por si só. O importante é semear.
Portanto, o Evangelho desse domingo nos diz que Deus é reconhecido por seus gestos de transformação. A mensagem do Reino de Deus é dinâmica. Pequena em seu início, insignificante por causa dos conflitos e resistências, mas grandiosa em seu resultado, tornando-se proposta universal: as aves do céu representam nações e povos que vão aderindo ao projeto de Deus, semeado por Jesus, beneficiando-se dele.
Faz 7 anos que minha familia e eu moramos na cidade de Quito, no Equador, que fica na metade do mundo, em cima da Cordilheira dos Andes, a 2.800mts de altura. Eu trabalho como pastor da IECLB no Conselho Latinoamericano de Igrejas (CLAI), na função de Secretário Geral. O CLAI é um organismo ecumênico, que reúne 180 igrejas en 20 paises de América Latina e o Caribe. Como conseguir que luteranos, episcopais, presbiterianos, metodistas, pentecostais, moravos, batistas se unam num mesmo projeto? Esse é um desafio constante para o CLAI: fazer com que as igrejas se respeitem umas as outras, que reconheçam as outras igrejas como manifestações da graça e do amor de Deus. Com esse primeiro passo surge entao o desafio: Qual parte da missão de Deus no mundo nós somente poderemos cumprir se estivermos unidos?
Desde o ano 2008 o CLAI vem enfatizando o fortalecimento do ecumenismo de base, do ecumenismo de gestos concretos e, por isso, organizamos mesas nacionais em cada um dos 20 paises onde o CLAI tem membros. A agenda das mesas nacionais prioriza o compartilhar de experiências e ações pastorais e também o compartilhar de preocupações sobre a realidade nacional. Que coisas preocupam as igrejas na realidade nacional? Porque essas coisas se dão?
É possivel fazer algo para transformar essa realidade problemática? Nas reuniões das mesas nacionais surgiram varias questões:
- Aumento da gravidez de adolescentes (13-18 anos).
- A violencia urbana e as drogas
- Os direitos sexuais e reprodutivos e os desafíos para a atividade pastoral
- A pobreza
- As questões ambientais (enchentes, secas, terremotos, furacões, o cuidado da criação de Deus)
Na atualidade todos os países da América do Sul tem conflitos ambientais em curso. Em sua maior parte são conflitos entre os governos e os ecologistas ou ambientalistas, por causa dos projetos mineiros e de produçao energética. Na Argentina, 12 estados estão em oposição ao governo por causa dos novos projetos mineiros. No Equador e na Bolivia, os povos indígenas marcham contra os projetos mineiros do governo e em defesa da água e das reservas ambientais. No Uruguay descobriram grandes reservas de ferro. No Brasil, tem Belo Monte e Pré-sal. Diante das manifestações sociais os governos dizem que ambientalismo é um luxo dos mais ricos. Na América Latina o ambientalismo não é aplicável até que não se resolva o problema da pobreza. Para alcançar o desenvolvimento econômico com a exploração das riquezas do subsolo é necessário o sacrificio ambiental.
A consequencia imediata desse confronto de posições é o rompimento da tradicional aliança entre partidos de esquerda (vermelhos) e ecologistas (verdes). Quando se fala de meio ambiente é mais fácil estar de acordo com medidas de como abandonar o plástico, ou substituir os focos de luz – mas as diferenças fortes aparecem quando se fala dos controles ambientais.
Uma das preocupações em relação a Conferência das Nações Unidas chamada de Rio+20 é que a agenda já está preparada para aprovar a mercantilização dos recursos naturais e a legitimação das novas tecnologías como a nanotecnología (átomos), os agrocombustiveis, a geo-engenharia(combate ao aquecimento global) e os transgênicos. As grandes corporações como Veolia, Suez, Coca Cola e Monsanto controlam o Conselho Mundial da Agua. Para eles a água é um bem mercantil e deveria ser uma commodity, como o petróleo e o ouro, por exemplo. Assim como as bolsas de valores determinam o preço do petróleo, assim também deveriam determinar o preço da água, dos rios, do ar puro, das florestas nativas, etc… Em outras palavras, o que parece dar a sensação de proteger o meio ambiente, na verdade tem atrás disso a mercantilização dos recursos naturais. Para explorar essas riquezas naturais todo tipo de resistência popular deve ser criminalizada.
Em contrapartida a esse movimento institucional está a Cúpula dos Povos. Trata-se de um movimento paralelo que reúne diferentes organizações ambientalistas, projetos eclesiais, ONGs. O CLAI também está nesse grupo, porque para os projetos eclesiais relacionados ao meio ambiente é fundamental nao separar a justiça social da necessidade de cuidado ambiental. O conflito entre esses dois campos deve contar con intermediários que facilitem espacos de diálogo e cooperacao. Esse é nosso papel como organismo ecuménico: administrar e abrir espaços para gestionar situacoes de crise.
Nesse sentido, os povos indígenas andinos nos ensinam muito. Para eles não deve haver conflito, mas equilibrio entre a natureza e os projetos humanos. Esse equilibrio eles chamam de BOM VIVER (Sumak Kausay). Na cosmología indígena andina o mundo está dividido en três partes: Superior(onde habitam as forças do bem) – o meio (onde habitamos nós) – e o Inferior (onde habitam as forças do mal). Para os povos andinos, tudo na vida tem sempre dois lados: dia/noite; chuva/seca; saude/doença; homem/mulher; o bem e o mal. Desde os conflitos familiares até os problemas climáticos, tudo está sujeito a esse equilibrio. Para esses povos as coisas ruins não são castigo de Deus. Elas são consequencia do desequilibrio. Por isso, a resolução dos conflitos – ou do desequilibrio – tem sempre 4 passos: reconhecimento, arrependimento, reparação e reconciliação.
Faz uns 4 anos atrás dois jovens amigos indígenas se envolveram com consumo de crack. Eles se desetenderam e começaram a brigar. Na briga, um matou o outro. O que morreu era filho único de uma viúva. A Constituição reconhece o direito de aplicação da justiça indígena, que não tem cadeia ou presidio. Dentro da cosmovisão do desequilibrio, o jovem que matou foi possuido por um espírito do mal. Por isso, a justiça indígena aplica o castigo físico executado pelos mais velhos. Ele recebe surras com chicote, a viúva que perdeu o filho bate nele com folhas de urtiga e em seguida joga nele baldes de água gelada. É uma tortura, desde o ponto de vista dos Direitos Humanos. Mas a Constituição do Equador reconhece esse tratamento como parte da justica indígena. O jovem passa uma noite com a roupa toda molhada, sentado numa pedra ao lado da casa da viúva. Na manhã seguinte, a viúva sai de sua casa com vários alimentos – e os oferece ao jovem castigado. Isso significa que aquele jovem será responsável por aquela viúva pelo resto de sua vida. A viúva perdeu um filho, mas esse joven deberá cuidar dela e o jovem ganhou mais uma mãe. Esse é o desfecho da aplicação da justiça indígena: reconhecimento , arrependimento, reparação e reconciliação.
Através do Evangelho, Jesus nos lembra que a natureza e a vida tem o seu curso e seu ritmo. Assim como o establecimento do Reino de Deus. O importante é prestar atenção e respeitar esse ritmo e entender os sinais dos tempos. O ser humano tem seu papel no processo de transformação da vida, mas essa intervenção não pode levar ao desequilibrio. Quando chegamos ao desequilibrio, ele produzirá consequencias visíveis no corpo humano, nas relações humanas e também no meio ambiente. Nessa situação, nosso papel como comunidade cristã e como movimento ecumênico deve ser un papel profético: reconhecimento, arrependimento, reparação e reconciliação.
Oremos:
Deus da vida, que cuidas de toda a criação, ¡dá-nos a paz!
Que nossa segurança não provenha das armas, mas do respeito;
que nossa força nao seja a violencia, mas o amor;
que nossa riqueza não seja o progresso a qualquer costo, mas o compartilhar;
que nosso caminho não seja a ambiçao, mas a justiça;
que nossa vitoria não seja a vingança, mas o reconhecimento , o arrependimento, a reparação e a reconciliação. Amén.
Pastor Nilton Giese
Secretario Geral do Conselho Latino-Americano de Igrejas – www.claiweb.org
Quito-Equador
E-mail: nilton@claiweb.org