Paróquia Evangélica Luterana no Rio de Janeiro - Martin Luther

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ID: 354

Chamamento

1 Samuel 3.1-10

13/01/2018

Prezada Comunidade.

Vou começar com um pequeno conto:

Três amigos caminham por uma estrada. Veem a mamãe-macaco com seu filhote nas costas pulando freneticamente de galho em galho. A cria segura firme para não cair. Um dos amigos diz: “Assim é Deus e assim somos nós. Como o filhote, nós precisamos nos agarrar em Deus porque nossa alma não consegue subir sozinha até o céu. E se não nos agarrarmos com força suficiente, a culpa da queda e abandono será nossa.”

Adiante veem a mamãe-gato carregando seu filhote na boca. O outro diz: “Assim é Deus e assim somos nós. A alma humana não consegue alcançar o céu. Precisa ser carregada. E Deus carrega quem Ele quer e para onde Ele quer.”

Depois veem uma galinha chamando seus pintinhos. “Assim é Deus e assim somos nós”, diz a terceira pessoa. “Não temos forças para nos agarrar a Deus e Deus não nos agarra à força nos levando para onde Ele quer. Antes, Ele é como essa mamãe-galinha que chama seus pintinhos e os acolhe debaixo de suas asas. Quem não segue seu chamado está sujeito a situações de perigo e morte, mas quem ouve e segue, encontra segurança e forças para continuar em sua vida.

Cara Comunidade reunida, o texto de livro que conta a história de Samuel fala de um chamamento. O ainda menino está no templo porque havia sido consagrado ao Senhor, como sua mãe Ana havia prometido e como exigia a lei judaica.

O livro é escrito no período de transição de teocracia para a monarquia. Deixa transparecer todo o drama dessa mudança religiosa e cultural vivida entre 1.405 e 1.015 a.C. Evidentemente a crise se estabelece quando os valores religiosos são substituídos pelos valores políticos. Fazer a vontade do povo, para manter a popularidade (o caso de Saul, primeiro rei de Israel) tornou-se mais importante que fazer a vontade de Deus.

A realidade

O capítulo 8 de 1 Samuel nos permite entender qual era a realidade vivida com a mudança política, cultural e religiosa que estava em curso. Em poucas palavras, troca-se o direito de Deus governar (teocracia) pelo direito de um rei (monarquia) governar e explorar seu povo pelo poder, isso com todos seus caprichos, com toda necessidade de cobrar impostos, contratar serviçais e manter um exército.

Quando Samuel era ainda menino, e estava sendo instruído pelo profeta Eli conforme a promessa de sua mãe Ana, tomou conhecimento que havia também uma grave crise moral no templo. Os filhos de Eli cometiam aberrações, especialmente na área da sexualidade, não mais sendo dignos de servir ao Senhor diante do altar. Não eram mais dignos de ministrar. Em outras palavras, não poderiam exercer o ministério de representar o povo diante do altar de Deus.

A crise política, econômica e social acontecia de mãos dadas com a crise moral, ética, religiosa e espiritual do povo de Deus. Ainda no tempo dos juízes aparentemente a coesão do povo de Israel começa a desandar. “Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais certo.” (Juízes‬ ‭21:25‬ ‭NA17). Logo a representatividade do altar do Senhor começa a ser relativizada por outras liberdades e procedimentos. “Os filhos de Eli eram homens malignos e não se importavam com o Senhor.” (1Samuel‬ ‭2.12‬ ‭NA17‬‬)

Alguém fala

Uma das primeiras medidas de governos em crise é a de questionar o que está sendo dito ou mesmo impedir que se diga algo. A censura é, talvez, a mais eficiente arma que criminosos, corruptos e corruptores têm para impedir que as violências e desmandos sejam conhecidos de todos. A situação é ainda mais grave, conforme se reconhece no V.1 “... naqueles dias raramente o SENHOR falava, e as visões não eram frequentes.” O silêncio grita para dentro do desespero de uma nação que não têm mais valores claros; o silêncio atordoante de Deus se faz ouvir enquanto se busca por saídas e enquanto o povo se pergunta: “como chegamos a este ponto”?

Ou seria o contrário?

Então o SENHOR chamou Samuel. Samuel respondeu: “Estou aqui”. E correu até Eli e disse: “Estou aqui; o senhor me chamou?” (v.4-5). Deus até fala, Deus chama, mas o menino não reconhece a Sua voz. Era ainda muito jovem! Não tinha vivências! O povo, por conseguinte, estava desorientado e desinformado de tal forma que não conseguia distinguir as vozes.

Ou, mais uma vez, seria o contrário? Não queria ouvir a voz que chama por saber que ela convida para a mudança, que a voz do Senhor requer posicionamento e, quiçá, provoca transformação de vida e em nossas opções erradas?

Alguém ouve

Mesmo não reconhecendo a voz de Deus, o menino Samuel ouve o chamado. Não se faz de surdo, ainda que desorientado. Busca ajuda em um profeta e sacerdote desmoralizado pela história de seus filhos. O fato é que busca ajuda.

Um menino simples, destinado ao serviço na casa do Senhor, filho de uma mãe tardia que não conseguia engravidar, Ana, e de seu pai Elcana, humilde e zeloso em guardar as boas tradições e costumes sadios da família. Apesar disso é dito que “...Samuel ainda não conhecia o SENHOR. A palavra do SENHOR ainda não lhe havia sido revelada” (v.7, 8). Ouve três vezes o chamado e sai correndo para receber a ordem de Eli. Mas não era o sacerdote quem chamava. No entanto, o menino ouvia e saia da sua cama quente até que “O SENHOR voltou a chamá-lo como nas outras vezes: ‘Samuel, Samuel!’ Samuel disse: “Fala, pois o teu servo está ouvindo’” (v.10).

Acontece algo quando alguém ouve

Muitas coisas aconteceram na vida e ministério de Samuel depois de ter ouvido o chamado. Um primeiro efeito: “Deus colocou um fim ao seu silêncio e passou a transmitir a sua mensagem através de Samuel. Não era uma mensagem agradável nem confortadora”. Mesmo não sendo ao seu favor “Eli fez questão de ouvir a mensagem do Senhor e Samuel foi fiel na sua transmissão”. (Lacerda, Gerson em Proclamar Libertação 42, p. 66, Ed. Sinodal, 2017).
Quando alguém ouve, Deus quebra seu silêncio e a verdade vem à tona, mesmo que seja dolorida. E mais, as situações de rebeldia e descarada desobediência para com Sua vontade são desnudadas. É assim que o primeiro rei de Israel é questionado: “— Será que o Senhor tem mais prazer em holocaustos e sacrifícios do que no obedecer à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o ouvir é melhor do que a gordura de carneiros.” (1Samuel‬ ‭15.22‬ ‭NA17‬‬) Saul governava, de forma populesca, por aparências e para ser agradável – politicamente correto – sem se ocupar com a verdade e justiça, que são vontades de Deus.

Quando alguém ouve, acontece o arrependimento. Após Saul, reinou Davi. Também este rei tinha sangue em suas mãos e seu caráter se tornou duvidoso quando percebeu que além de sangue, tinha o poder em suas mãos. Mas se disse arrependido. No Salmo 51, p.ex., reconheceu: “Pois não te agradas de sacrifícios; do contrário, eu os ofereceria; e não tens prazer em holocaustos. Sacrifício agradável a Deus é o espírito quebrantado; coração quebrantado e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” (Salmo‬ ‭51.16-17‬ ‭NA17)

Ouvir a voz de Deus causa transformação, quebrantamento, profundo arrependimento e decisão de nova atitude. ‬‬

Atualização

Não mais do que em outros tempos, mas sempre na necessidade de estarmos atentos aos movimentos contrários à vontade de Deus em nossos dias, creio que a história de Samuel é sumamente pertinente ao que hoje experimentamos em nosso País e mesmo Igreja. Precisamos estar bem informados e alertas para que não se perca a perspectiva do amor evangélico por todas as pessoas.

Enquanto escrevo esta prédica, pessoas entram em contato para comentar a decisão do governo Evo Morales, da Bolívia, que, entre outras restrições na área econômica, da saúde e transportes, criminalizará a evangelização ou pregação religiosa de qualquer credo naquele país (10/01/2018 - www.transmundial.com.br entre outros). Muitos protestos estão acontecendo tentando impedir a entrada em vigor desta lei anticonstitucional. Pior: há a grave suspeita de que estas atitudes estejam em consonância com aquilo que poderá acontecer no Brasil, pelo menos na vontade das pessoas e instituições que assinaram e defendem a carta do Foro de São Paulo.

A onda gramsciana relativizante que foi ressuscitada em nossa cultura pós-verdade, e que alcançou também as igrejas, entorpece os ouvidos das pessoas, não permitindo que percebam o chamado de Deus. Enquanto que o foco de Antônio Gramsci (1891-1937) é desmanchar a família e a Igreja, Deus clama para um retorno aos valores por Ele estabelecidos. Sacrifícios e todo empenho por mudanças não valem nada se o coração não estiver contrito e quebrantado em Jesus Cristo. Retornar para ouvir a voz que chama, esta é a proposta. Nossa resposta corajosa pode ser: Eis-me aqui, Senhor. Pode me enviar!

Querida comunidade!

A partir do momento em que fomos batizados, por assim dizer, não nos pertencemos mais. O Senhor nos resgatou pelo seu sangue para que morrêssemos para o pecado. Ele nos chama e somos seus. “Porque vocês foram comprados por preço. Agora, pois, glorifiquem a Deus no corpo de vocês.” (1Coríntios‬ ‭6.20‬ ‭NA17). Como a choca que cuida de seus pintinhos, sei que seu acolhido debaixo de suas asas protetoras.

A Igreja de Cristo, ao ouvir o chamado do Senhor, levantará sua voz contra todos os poderes que cerceiam a livre pregação da Palavra, levantará sua voz contra os poderes que manipulam a verdade, que corrompem a justiça, que pregam o preconceito e destroem a liberdade. Ninguém pode calar a voz do Espírito ou mesmo desacreditar esta voz em favor de uma ou outra ideologia.

Sou teu Senhor. Quero ouvir a Tua voz. Eis-me aqui! Pode me enviar!
Amém.
 


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Samuel I / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 45615

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