Nos preparamos preguiçosamente para enfrentar um novo dia de atividades quando, de repente, somos surpreendidos por uma palavra que não conhecemos – aléteia. Claro, não somos obrigados a saber o que esta palavra significa, até porque não faz parte de nosso idioma. É uma palavra grega. Seu significado, porém, faz parte dos conceitos que dominamos como essenciais na vida em sociedade:
Veracidade.
Confiança.
Retidão.
De onde surgiu esta palavra assim, tão de repente?
Especialistas em línguas antigas concordam que a origem da palavra seja léthó ou lanthanó que expressam aquele sentimento ou desejo de escapar de uma situação, de se safar ou de deixar algo cair no esquecimento. Como a palavra ganhou o sufixo a, mudou seu sentido. Passou a significar justamente o contrário: enfrentar a verdade e elucidar todos os fatos. Enquanto o novo termo foi se consolidando como palavra autônoma, surgiu logo também seu antônimo: pseudo, que significa falso.
Mas o que é a verdade? Minha verdade é a sua verdade? Esta é uma discussão que acontece há milênios. Os filósofos gregos, por exemplo, sentavam em uma pedra e pensavam a respeito da verdade e, de uma ou outra forma, todos concordavam que a verdade é um privilégio dos deuses. Tomás de Aquino, filósofo e também teólogo, definiu a verdade como sendo a adequação da mente com as coisas como elas são. Ou seja, verdade e consciência tranquila seriam, assim, sinônimos. Bem mais tarde René Descartes se expressou sobre o assunto dizendo ser capaz de descansar quanto imagina a verdade como sendo aquilo que dá confiabilidade ao ser humano enquanto este confia em Deus.
Bom, então deveríamos dar voz à palavra de Deus. Um uso clássico do termo aléteia no Novo Testamento pode ser sacado do primeiro Evangelho escrito: Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade. (Marcos 5.33) Esta era a mulher com hemorragia que nitidamente tentou usar o conceito do “esquece” e se rendeu à veracidade e retidão; ajoelhando-se diante do Mestre admitiu o que aconteceu e saiu abençoada.
Na verdade, a palavra aléteia pouco aparece nos Evangelhos. Quem mais a usa são João, no Evangelho, e o apóstolo Paulo. Gostaria de exemplificar o uso da palavra em dois versículos: “Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se veja claramente que as suas obras são realizadas por intermédio de Deus”. “ “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (João 3.21; 8.31-32). Gosto muito destes dois versículos por ilustrarem bem aquilo que Platão, Sócrates, Aristóteles ao seu modo imaginaram sobre a verdade divina.
A verdade é libertária! Ela dignifica a pessoa. A verdade restaura confiança. Mesmo que seja dolorida, a verdade sempre acabará aproximando as pessoas. É falso dizer que o compromisso com a verdade pode fazer da pessoa um prisioneiro. A verdade sempre liberta! E o efeito colateral dessa libertação pela verdade é a parceria, é olhar para o mesmo alvo juntos. Podem me chamar de romântico, mas acho que a verdade é a única forma de um povo viver a igualdade, alcançando e mantendo avanços no campo social e mantendo avanços na distribuição de renda, por exemplo.
O teólogo Karl Rahner observa que uma das consequências do relativismo e do ceticismo em nossa época são bastante evidentes: falta a reverência para com a verdade. Sim, quando não há reverência para com a verdade, tanto faz se é verdade ou é mentira. E, pior, quando é mentira e a mentira é repetida infinitas vezes até que se torne uma verdade, torna-se difícil de definir o que é verdade. Já outro teólogo luterano, Pannenberg, apontou o caminho a seguir para recuperar um sentido de unidade e abrangência da verdade: aproximar-se das coisas de Deus. Se nos permitirmos ainda unir opiniões de Hegel e Bradley, veremos que toda a verdade só pode ser encontrada em um só território, isto é, a partir de uma perspectiva bíblica. Calma, isso não significa fundamentalismo. Isso significa que toda a verdade emerge plenamente apenas no final da história, quando a história atinge o objetivo. É assim que a Bíblia evidencia a verdade libertadora. E é assim que verdade tem como consequência evidente seu alcance para todas as pessoas.
Verdade! Temos um longo caminho a trilhar juntos.
Aléteia para todos!