Paróquia Evangélica Luterana no Rio de Janeiro - Martin Luther

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A Igreja na sociedade

Uma mea culpa da nossa atuação pífia

07/09/2019

“Os homens cavam as rochas mais duras e cortam as montanhas até o chão. Mas onde pode ser achada a sabedoria? Em que lugar estará o entendimento?” Jó 28. 9, 12 “Para ser sábio, é preciso primeiro temer a Deus, o Senhor. Ele dá compreensão aos que obedecem aos seus mandamentos. Que o Senhor seja louvado para sempre!” Salmo 111. 10 NTLH


A Igreja na sociedade — uma mea culpa da nossa atuação pífia

INTRODUÇÃO

I.
Diamantes têm valor porque você tem de escavar muito para encontrar um. E sempre estarão em estado bruto. Se eles estivessem espalhados pela rua, não valeriam muito. Na verdade, teríamos que pagar alguém para limpar a área e recolher todos aqueles diamantes, pois es-tariam incomodando. O mesmo acontece com as nossas consquistas. As coisas que vêm fáceis, com pouco ou nenhum esforço, têm pouco ou nenhum valor. Para criar algo de grande valor, você geralmente terá de superar grandes obstáculos. E aí cabe a pergunta: você está escavando a procura de diamantes ou somente mexendo a terra de um lado para outro? Procure por desafios. São eles que criam e trazem valor.

II.
Dia da Independência. Somos uma nação independente há 197 anos. Independentes mas ainda não livres. Continuamos revolvendo a superfície da nossa terra, sem ainda cavarmos mais fundo para descobrirmos os nossos valores — direitos e deveres — de um povo soberano. Como Igreja Luterana estamos neste solo há 195 anos e continuamos perdendo a nossa identidade — se é que já foi encontrada alguma vez — em meio ao furacão das ideias modernas de diluição das verdades que eram, até então, absolutas. Que queremos ser em um futuro próximo? Nossos atuais estamentos — Igreja - Política - Economia — vão suportar a pressão por resultados de sobrevivência? Precisamos cavar mais fundo para encontrar aquilo que é de raro valor.

O papel da Igreja em meio aos escândalos

Prezada comunidade de fé e amor.

Para interpretar as palavras bíblicas de forma correta, Martin Luther se valia da compreensão da estrutura social na sua época. Tinha a Igreja como primeiro estamento — primeiro elo da estrutura social — e a via como sendo ordem da criação (fácil de entender para quem está acompanhando a Capacitação Bíblica em nossa Paróquia no estudo da carta aos Efésios). Os outros dois estamentos são economia e política.

Diz ele: “Primeiramente, a Bíblia fala e ensina sobre as obras de Deus, a respeito do que não há dúvida; essas, no entando, são divididas em três hierarquias: economia, política e igreja. Agora, se algum dito não combina bem com a igreja, nós o deixávamos ficar na política ou economia, para o que ele se prestava melhor.”(WA TR 5,218, 14-18)

O papel da Igreja de Cristo é, portanto, o de ser protagonista em uma sociedade que busca caminhos de justiça, verdade e paz. Objeto central deste primeiro estamento é a própria pessoa humana, a quem Deus dirige a Sua palavra, e onde ela é convidada a dar uma resposta livre e grata. A existência humana consiste em que lhe é dirigida a palavra e, em virtude disso, ela pode ouvir e mesmo responder à palavra, assim se tornando responsável por seus atos. Mesmo que se possa admitir uma doutrina luterana dos dois reinos, onde o espiritual e o secular ficam separados, aqui é de se concordar que a Igreja e seu estamento espiritual ficam colocados ao mesmo nível dos demais. Isso quer dizer que a Igreja tem seu lugar próprio e de primazia, e com ele interfere nos demais segmentos da sociedade.

Isso deve acontecer, segundo entendemos, como ordem da criação.

No entanto, a Igreja ainda se entende como ordem da criação? É desta forma que busca interferir na estrutura política e econômica de nossos dias? Com que autoridade pode fazer isso? Ou ela se rendeu aos estamentos humanos?

Não podemos negar que o estamento eclesiástico está tão corrompido quanto o econômico e o político. A Igreja de Cristo — quero me referir à autêntica — certamente poderia ser aquela que se identifica com a figura usada por Crisóstomo (347 - 407 d.C.): “…quando você vê uma árvore cujas folhas estão secas e murchas, algo de errado está acontecendo com as suas raízes; quando você vê um povo indisciplinado, sem dúvida, os seus sacerdotes não são santos.”
Embora em alguns momentos tenhamos que nos escandalizar por causa dos caminhos que inclusive a nossa Igreja está seguindo, pior seria não haver escândalo. É necessária a revolta dos membros da Igreja para que ela seja sempre transparente em sua teologia e em suas opções quanto à política e economia.

O maior escândalo de uma Igreja, sem dúvida, é a falta dos frutos da fé. Quando a Palavra de Deus é iluminada, testemunhada e selada pelo Espírito Santo, deve trazer esses frutos, deve mostrar os frutos. Porém devemos nos perguntar se nossa pregação não passa de fantasia humana, onde dizemos coisas a respeito da Escritura sem a aceitar como verdadeira doutrina de fé e vida. Anúncio assim não passa de esforço humano e não é obra do Espírito Santo. Que escândalo maior podemos estar vivendo senão o de relativizar, pela imposição da ordem econômica, ao ouvir dizer ser a cruz uma grande hipocrisia? (Esta pergunta é dirigida aos nossos doutores da lei!)

A base fundamental que dá identidade à Igreja

A calamidade e corrupção da Igreja se torna evidente quando, a partir dela, se difama a santidade do seu chamado. Ora, se forem destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Salmo 11.3) “Cuidado! Satanás tem a intenção de sobrecarregar vocês com coisas desnecessárias e os afastar das coisas necessárias. Se ele conseguir se introduzir em suas preocupações, continuará forçando até ocupar todo espaço do seu corpo com monte e montes de problemas inúteis…” (Luther, 1522)

Negligenciamos as coisas fundamentais. A igreja está se distanciando de uma pregação de sanfificação e justificação por graça e fé. A igreja está subindo os palanques e apertando as mãos de quem nem sempre — ou dificilmente — estará comprometido com a justiça, o amor fraterno e a paz. De forma paradoxal, a Igreja está se esvaziando porque há aqueles que a querem sobre os palanques e não anunciando o Evangelho que constrói pontes de amor. “Tenham cuidado para que ninguém venha a enredá-los com sua filosofia e vãs sutilezas, ”escreve o apóstolo à Igreja em Colosso, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo.” (Colossenses 2.8) Assim orienta o texto bíblico — que também está sendo atacado e questionado como sendo de discutível legitimidade. 

Quando a mente humana está sufocada por uma teologia comprometida com posicionamentos ou vantagens políticas e econômicas, quando os fieis não mais conservam a fundamentação da fé a partir das Escrituras, quando as pessoas de bem passam a construir suas falas e atitudes sobre madeira, feno ou palha (1 Co 3.11s), estará perdendo a pureza do ouro da doutrina de Cristo Jesus.

Sem os ensinamentos de Cristo a Igreja se torna insosa, sem verdadeiro protagonismo na sociedade, sendo apenas mais uma entidade entre as outras. Então, a Igreja — sem base fundamental e sem identidade — precisa mostrar sagacidade, iniciativas mirabolantes e buscar grande reputação para receber o reconhecimento e benefícios deste mundo. 

Nossa busca sincera

“Minha mensagem e minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria, mas em demonstração do poder do Espírito, para que a fé que vocês têm não se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus.” Estas palavras paulinas tem sido repetidas exaustivamente em nossos treinamentos de lideranças. E esta deve ser a nossa busca sincera e determinada. (1 Co 2.4-5 NVI) Se Paulo ou outro apóstolo voltasse em nossos dias, teria dificuldades em reconhecer a Igreja de Cristo pelo que se ensina nas cátedras e pelo que se ouve dos púlpitos. Onde fica o bom senso, a iluminação do Espírito Santo? Onde fica o respeito à palavra bíblica que entendemos ser a palavra de Deus para todas as pessoas e reconhecida pelas que tem fé?

Mesmo que todos possam, hipoteticamente, fazer a sua interpretação particular da Palavra, há um parâmetro inegociável: o amor! É o amor aberto, evidente que baliza a interpretação bíblica. É o amor mais profundo. Não o amor superficial, onde não encontraremos diamantes. “Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade. Assim saberemos que somos da verdade; e tranquilizaremos o nosso coração diante dele quando o nosso coração nos condenar. Porque Deus é maior do que o nosso coração e sabe todas as coisas.” (1 Jo 3.18-20 NVI) É no amor do terreno escavado e revolvido do perdão e reconciliação que a Igreja será protagonista naquilo que em 197 anos, ou nos nossos 519 anos de nação ainda não encontramos: paz e justiça social.

Conclusão

Querida comunidade!

Não sejamos massa de cristãos nominais. Como a Palavra do Senhor não esmorece, permanecendo viva, verdadeira, agora e sempre, sejamos obedientes a ela, em fé e graça.

Que sejamos uma Igreja que combate vigorosamente todo e qualquer tipo de ilusão política e ideológica. Como seres humanos, somos fracos e sucetíveis a ilusões e enganos da falsa segurança — quem ouve, entende —, mas como Igreja, sejamos fortes e corajosos a defender a Verdade e a Santidade. Vamos escavar mais fundo. Lá está tudo aquilo que tem raro valor e nos dará o impulso da fé obediente em Cristo Jesus.
Você, membro e amigo desta Igreja, certamente irá fazer a sua parte com alegria e determinação.
Amém.

(Com reflexões de Philipp Jacob Spener - Pia Desideria — 13.1.1635 - 5.2.1705) 


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Jó / Capitulo: 28 / Versículo Inicial: 9 / Versículo Final: 12
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 53159

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