Prédica para Quaresma
Texto base: Salmo 130 / Texto de apoio: Rm 8.31-39
Que a graça do nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo seja com vocês.
Eis a oração de uma pessoa em angústia e sofrimento, “Deus, a ti clamo de manhã bem cedo. Ajuda me a orar e concentrar meus pensamentos; não consigo fazer isso sozinho”. Das profundezas da cela de uma prisão esta pessoa continua orando, “dentro de mim está escuro, mas em ti há luz. Eu estou só, mas tu não me abandonas. Eu estou desanimado, mas em ti há auxílio. Eu estou inquieto, mas em ti há paz. Em mim há amargura, mas em ti há paciência. Não entendo os teus caminhos, mas tu conheces o caminho certo para mim” (Resistência e Submissão, Orações para Presos: Oração Matutina, pg 190) .
As palavras que ouvimos são uma oração do Pastor Dietrich Bonhoeffer que se encontrava preso por ter participado num movimento de resistência contra o governo nazista na Alemanha durante a 2ª Grande Guerra da Europa. Na prisão Bonhoeffer compartilhava orações escritas com colegas prisioneiros. Eram orações que ajudavam Bonhoeffer e os vizinhos de cela a encontrarem alento e conforto num tempo de escuridão e num lugar de caos.
Antes da guerra, Bonhoeffer tinha o costume de se dedicar à leitura e meditação nas Palavras das Escrituras. Agora, nas profundezas da cela da prisão, esta mesma Palavra lhe sustentava a esperança, a confiança que a angústia e sofrimento presentes não eram maiores do que o amor e graça de Deus.
A vida de Bonhoeffer nos dá um excelente exemplo e testemunho de como é importante conhecer e meditar nas Escrituras. Especialmente conhecer e meditar no livro de Salmos, uma coleção de orações do Antigo Testamento. Antes da Guerra Bonhoeffer publicou um pequeno livro intitulado “Orando com os Salmos”, oferecendo nele comentários de alguns salmos e incentivando a comunidade cristã a fazer uso deste rico tesouro.
De fato, as orações no livro de Salmos muitas vezes colocam em nossa boca as palavras que nos faltam. As orações no livro de Salmos nos ajudam a orar, falar e escutar com Deus, a colocar nossos sentimentos e pensamentos diante de Deus. Os Salmos representam uma grande variedade de situações e sentimentos, nos ensinando palavras de louvor, palavras de gratidão e confiança – ou nos carregando em momentos de angústia e sofrimento, como é o caso do Salmo 130.
“Das profundezas clamo a ti ... Escuta, Senhor, a minha voz; estejam alertas os teus ouvidos às minhas súplicas” (v 1,2). A pessoa que escreveu este salmo, esta oração, não nos diz qual o motivo de sua angústia e sofrimento. Nisto reside, porém, a força e beleza deste salmo. Todos nós, em algum momento da vida, podemos nos identificar com o sofrimento do salmista. Todos nós atravessamos ou vamos atravessar momentos de grande escuridão, como que submersos em águas profundas onde a respiração é difícil e somos sufocados pelas muitas lágrimas que correm no nosso rosto. São circunstâncias em que nos sentimos pessoas frágeis, inseguras em relação ao tempo presente e com medo do tempo futuro.
Contudo, por mais profundos que sejam a angústia e o sofrimento, o salmista reconhece que ali também Deus se faz presente. “Escuta, Senhor, a minha voz”. Este é o grito da fé – o clamor confiante que Deus não é indiferente ao sofrimento, a nosso sofrimento. E de fato, séculos mais tarde, o apóstolo Paulo tem a ousadia de perguntar e afirmar, “quem pode nos separar do amor de Cristo? Serão os sofrimentos, as dificuldades, a perseguição, a fome, a pobreza, o perigo ou a morte? . . . eu tenho a certeza de que nada pode nos separar do amor de Deus”. Ou seja, mesmo nas situações mais angustiantes, o amor e a graça de Deus se fazem presentes.
Não que nós sejamos merecedores desta graça e amor de Deus. O Salmo 130 também coloca diante de nós uma pergunta e afirmação, “Se tu, SENHOR, observares nossas maldades, quem, Senhor, poderá escapar? Mas contigo está o perdão, para que sejas temido” (v 3,4). Estes versículos revelam um mistério, um mistério mais profundo do que angústia e sofrimento humano. Estes versículos apontam para o mistério do Deus disposto a perdoar e restaurar o que existe de errado no mundo – disposto a perdoar e restaurar o que precisa ser consertado em nossas vidas. Mais do que vigiar e punir, mais do que observar e castigar, Deus quer acolher pessoas pecadoras com seu perdão.
Tal atitude de perdão conduz as pessoas a temer a Deus, “contigo está o perdão para que sejas temido”. Ou como nos diz outra tradução, “tu nos perdoas, e por isso nós te tememos”. Nesta frase o verbo “temer” não é usado num sentido negativo de ter medo de Deus. É antes, respeito, reverência diante de Deus, reconhecimento de que diante de Deus não existe espaço para negociar ou exigir de Deus. Deus é Deus e nós somos sua criação. Dependemos da graça e amor de Deus para nos trazer nova vida e esperança. Em sua bondade e misericórdia, Deus quer caminhar com as pessoas neste mundo marcado pela angústia e sofrimento - uma angústia e sofrimento que às vezes é fruto de nossas ações e atitudes, fruto de erros e maldades que cometemos, cujos resultados prejudicam nosso corpo, coração e espírito. Outras vezes, o sofrimento e angústia vem de fora, está além do nosso controle, em situações onde somos vítimas das ações erradas e atitudes maldosas de outras pessoas. Ainda assim, Deus oferece seu perdão para restaurar nossa sorte e o destino de toda pessoa que se volta para Deus. As atitudes e ações de Deus estão além do entendimento humano. Nós não entendemos os caminhos de Deus, mas Deus conheces o caminho certo para nós.
E é com os olhos voltados para Deus que o salmista alimenta sua esperança, “A minha alma anseia pelo Senhor mais do que os guardas anseiam pelo romper da manhã” (v 6). O salmo usa a ilustração do vigia noturno que espera ansioso o nascer do sol, cuja luz dissipa a escuridão da noite. O salmo nos convida, o salmo nos chama a ter nossa esperança firmada em Deus. A espera pode ser longa. Muitas vezes, é preciso exercitar paciência. Muitas vezes, é preciso aguardar com expectativa, contar com a mão de um familiar ou amigo que nos sacode o sono, ouvir uma palavra clara em meio à escuridão que nos desperta e nos mantém pacientes e alertas.
E de fato, neste tempo de quaresma, somos relembrados da mão amiga que nos abraça no meio da noite. Somos relembradas da palavra do amor fiel de Deus que brilha na angústia e sofrimento da cruz. Na cruz, por meio de seu filho, Deus também se faz presente neste mundo. Na Cruz, por meio de seu filho, Deus conhece a angústia e sofrimento humanos. Na cruz, Deus revela seu perdão e graça que são maiores do que tudo aquilo que deforma o nosso relacionamento com Deus e com as pessoas ao nosso redor.
E Deus sabe que sozinhos não temos força para crer ou disposição para confiar. Na sua palavra, porém, podemos alimentar e sustentar a nossa esperança, como nos escreve Paulo, “Se Deus nos deu o seu Filho, será que não nos dará também todas as coisas? . . . Pois foi Cristo Jesus quem morreu, ou melhor, quem foi ressuscitado. Ele está à direita de Deus e ele pede a Deus em favor de nós”. Amém.
P. Me. Alexander R. Busch - IECLB
Maripá – Paraná (Brasil)
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