Estimada comunidade!
Nesta ocasião em que estamos reunidos em culto, neste dia em que no calendário civil se marca o Dia dos Pais, convido a comunidade a juntos meditarmos sobre Abraão. Abraão é um personagem importante na história bíblica, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Ele é inclusive chamado de “pai espiritual”, o “pai da fé”. Quem dá este nome a Abraão são os apóstolos Paulo e Tiago. Em sua carta, Tiago chama Abraão de “pai da fé” (Tg 2.21), e Paulo na carta aos Romanos escreve, “Abraão é o pai espiritual de todos as pessoas que confiam em Deus e são aceitas por Deus” (Rm 4.11). Paulo destaca Abraão como exemplo de pessoa, que, apesar de ter conseguido acumular riquezas, não deposita nelas sua confiança, mas confia em Deus. Conforme testemunho bíblico, Abraão é justamente chamado de “pai da fé”.
Isto não significa diminuir Jesus Cristo. Jesus Cristo é o autor e consumador da fé. A fé nasce através de Cristo Jesus e é por ele sustentada e aperfeiçoada. O homem Abraão não é o centro da nossa fé. Este centro pertence a Cristo Jesus. Abrão é importante como exemplo de homem de fé.
No texto de Gênesis 15, que ouvimos, temos um pequeno recorte da vida de Abraão. Neste momento em sua jornada, Abrão, sua esposa Sara, bem como todos os seus empregados e animais estão longe da sua terra natal. O grupo está na terra que Deus prometeu dar a Abrão e seus descendentes. Surgiram, porém, algumas complicações, nesta nova terra, nesta terra estranha. O capítulo anterior relata o ataque de exércitos inimigos. Abrão envolveu-se no conflito por causa de seu sobrinho Ló, que fora feito prisioneiro de guerra. Abrão estava com medo. O medo de uma represália militar pesava no seu coração.
Foi quando Abrão tem uma visão e Deus lhe fala, “Não tenha medo. Eu o protegerei de todo perigo e lhe darei uma grande recompensa”. Nesta visão Deus promete ser como um escudo para lhe proteger e defender. Mas não era somente o receio de um ataque inimigo que causa angústia em Abrão. Ao ouvir a Palavra do seu SENHOR, Abrão responde, “meu Deus! De que vale a tua recompensa se eu continuo sem filhos?”. O medo e a angústia de Abrão estão relacionados com o futuro. Abrão tinha medo do que o futuro lhe reserva. Sua esposa e ele não tinham sequer um filho de quem pudessem dizer, “este é o nosso descendente e herdeiro”. Um bom tempo já havia se passado desde que o casal, por ordem de Deus, havia partido de sua terra de origem, Ur dos Caldeus, para a nova terra. Partiram com a promessa de que Deus iria lhes dar um filho. Mas, até agora, nenhum descendente lhes havia nascido. O medo do futuro, o medo de não poder contar com descendentes da própria carne, assusta Abrão.
Podemos perceber até mesmo um sentimento de amargura e mágoa em suas palavras, “meu Deus, tu não me deste filhos, e por isso um dos meus empregados, nascido na minha casa, será o meu herdeiro”. Como o casal já contava com uma idade bastante avançada, Abrão lamenta que seu empregado Eliezer de Damasco seria o herdeiro por quem Deus cumpriria sua promessa.
Abraão nos é um exemplo de fé. O “pai da fé” nos ensina que a fé tem seus altos e baixos. Abrão começou sua jornada confiando em Deus, mas agora no meio do caminho sua fé vacila. Diante de medos e preocupações, angústias e aflições, a fé, a nossa fé também vacila. No clima de incertezas e insegurança que estamos vivendo no Brasil, como há de ser o futuro de nossa nação e país? Uma corrupção fora da lei que parece não ter fim, ou o aumento dentro da lei nos salários de juízes e juízas - estamos à mercê das decisões das autoridades de nosso país. E é ilusão acreditar que um novo presidente, quem quer que seja, possa ser o salvador da pátria. Os problemas no Brasil só se resolvem a longo prazo e com a cooperação de muitas pessoas. Confesso que eu tenho medo quanto ao futuro de nosso país, um futuro que afeta a vida de nossos filhos e filhas, netos e netas.
Também a um nível mais próximo, mais pessoal muito de nós temos medos e preocupações relacionadas ao futuro e que pesam em nosso coração. Sejam o pai e a mãe preocupados com a educação, a formação e o investimento na vida de seu filho: estamos conseguindo repassar para ele ou ela os valores da vida, valores que norteiam o relacionamento com Deus e com o próximo? Seja também a pessoa que se depara com um diagnóstico médico- um diagnóstico que muda nossos planos. Seja o medo da violência - esta violência que dia a dia bate na porta da vizinhança e talvez amanhã bata na nossa porta?
O medo é um instinto natural diante de situações onde percebemos que a nossa sobrevivência está sob uma ameaça. Quais são os seus medos?
Abrão, o “pai da fé”, nos ensina a sermos autênticos e sinceros diante de Deus. Nós podemos ser pessoas autênticas e sinceras diante de Deus, compartilhando com Deus nossas frustrações, medos, anseios e lamentações. Podemos se apresentar diante de Deus como pessoas que vivem entre a crença e a descrença, como pessoas que vacilam entre a fé e a desconfiança. Não foi esta também a experiência dos primeiros seguidores e seguidoras de Jesus diante da sua cruz e diante da sua ressurreição?
A promessa de Deus a Abrão, “Não tenha medo. Eu vou proteger você de todo perigo”, vale também para nós. “Não tenha medo”, não significa que não haverá decepções na jornada. “Eu serei seu escudo defensor e protetor” significa que Deus é fiel à sua promessa de caminhar com seus filhos e filhas. Significa que Deus continua sendo Deus, nas mais diferentes circunstâncias. E de fato Deus responde ao lamento de Abrão. Deus responde conduzindo o “pai da fé” para fora da tenda e para olhar para cima, olhar o céu estrelado. “Conte as estrelas, se puder”, diz Deus, “pois bem! Será esse o número de seus descendentes”. O que Deus dá a Abrão naquele momento de dúvida e angústia é um sinal: as estrelas, as inúmeras estrelas que, como um manto, cobrem o céu com seu brilho e sua luz. Lembrando que no mundo antigo, diferente de hoje onde a luminosidade das cidades atrapalha nossa visão do céu, as pessoas enxergavam muitas e incontáveis estrelas. A partir deste sinal Deus reafirma sua promessa de que Abrão será pai de numerosa descendência, patriarca de muitas nações.
Na calada da noite não acontece nada de extraordinário: Deus não envia um exército de anjos para proteger o acampamento, tampouco gera milagrosamente um filho no ventre da esposa de Abrão. Para isto seria necessário que o casal aguardasse mais alguns anos para acolher Isaque, o filho de sua própria carne, o herdeiro da promessa. O que Abraão recebe de Deus naquela noite é um sinal e uma promessa, o sinal do céu estrelado e a promessa de descendentes. É um sinal e promessa, que, entretanto, aliviam o coração pesado de preocupações e medos. Neste momento na jornada Abrão crê no Senhor, confia na sua Palavra e Deus acolhe Abrão.
Apesar das circunstâncias ao seu redor, apesar do ventre ainda estéril de sua esposa, apesar da escuridão da noite, Abrão se arrisca a confiar e reencontrar firmeza na promessa de Deus. A noite escura iluminada pelas estrelas lhe é um sinal de que Deus continua sendo Deus. A fé de Abrão nasce de novo ao ouvir a promessa de Deus. Apesar das circunstâncias na jornada, Deus tem poder para sustentar a luz da esperança em meio à noite escura. Deus tem poder para manter acesa a luz da vida mesmo aos pés da cruz. Deus tem poder para fortalecer a chama da fé mesmo quando nosso coração está tomado de medos e preocupações.
Abraão é exemplo para nós e para ensinar aos nosso filhos e filhas: nesta época de imediatismo, em que as coisas precisam acontecer no “meu tempo”, Abrão nos ensina o valor da paciência, da esperança. Nesta época de individualismo, em que as coisas precisam ser resolvidas do “meu jeito”, Abrão nos ensina o valor da fé e da Palavra de Deus, que norteiam o nosso relacionamento com o próximo.
Como filhos e filhas do “pai da fé”, Deus também nos dá uma promessa e um sinal. Não é nada de extraordinário ou espetacular. Mas é promessa e sinal de Deus. O sinal é a água do batismo, um sinal da aliança e do compromisso de Deus em caminhar com as pessoas que confiam na sua Palavra. A promessa é a palavra de compromisso e fidelidade de Deus em despertar, renovar e alimentar a nossa fé ao longo da jornada. Mesmo que as circunstâncias nos pareçam difíceis, mesmo que o dia de amanhã nos pareça incerto, Deus continua sendo Deus, fiel à sua igreja, comprometido com as pessoas que depositam nele sua fé. Amém.
Pregação de 2018 na Comunidade da IECLB em Carambeí, PR.