Estimada igreja, meus irmãos, minhas irmãs,
Até quando, Senhor? Até quando? Muitas pessoas - quem sabe você mesmo nesta noite – tem se deparado com a solidão. Não me refiro à solidão contemplativa, quando alguém se afasta da convivência com as outras pessoas para fazer uma autoavaliação diante de Deus. Reporto-me à solidão que brota em tempos de rejeição, de crise, de medo ou luto. Esta solidão pode ter um motivo específico: o desemprego, a saída dos filhos de casa, a separação de um casal, a batalha contra o câncer, a morte de alguém na família. Ou a solidão pode ser aquele sentimento vago que inunda o nosso interior: eu não consigo encontrar meu lugar dentro da família, no meu local de trabalho, dentro da comunidade cristã. Sinto-me tão distante de tudo e de todos. Não há ninguém com quem compartilhar as dimensões mais profundas de meu ser.
Até quando, Senhor? Até quando? Em nossa solidão as palavras do salmo 13 soam tão familiares. O salmista é honesto e sincero diante de Deus. Suas palavras são confortantes porque sentimos que nós também podemos ser honestos e sinceros diante de Deus. Não há razão para esconder ou se envergonhar de nossos sentimentos, porque Deus sabe de antemão o que estamos sentindo.
Até quando, Senhor? Até quando esquecerás de mim? Será para sempre? Em profunda solidão e tristeza muitas vezes o sentimento que nos abate é de ter sido esquecido por Deus, como se Deus tivesse ocultado de nós sua face. Isto não se refere ao nosso pensamento, mas está relacionado com nossos sentimentos. Aquela tristeza que inunda nosso ser, que fica palpitando de dia e de noite dentro da alma. De dia ainda existe a possibilidade de nós ocuparmos nosso tempo com trabalho e outras atividades e assim esconder dentro de nós mesmos o sentimento de solidão. De noite, entretanto, isto se torna quase impossível. Deitado na cama, sentimos a tristeza tomar conta de nós. Qualquer pessoa que perdeu um ente querido sabe que é nas primeiras noites que a solidão bate mais forte. Em vão tentamos ocultar o sentimento de solidão. Ouvir uma música suave ou ingerir uma bebida quente ajudam, mas não apagam a saudade. Você pessoalmente já se deparou com situações de profunda solidão e desamparo?
Até quando, Senhor? Até quando os meus inimigos me vencerão? O salmista não nos diz muitos detalhes sobre quem são estes inimigos. Mas o que sabemos é que estes inimigos representam um perigo mortal para o salmista. O salmista teme por sua própria vida, “dá me forças novamente para que eu não morra” (v. 3). Conhecendo a estória de Davi, o autor deste salmo, podemos imaginar que quem ameaçava sua vida era o rei Saul, ou ainda os inimigos Filisteus, ou até mesmo o próprio filho de Davi, Absalão.
Nos dias de hoje, normalmente não nos deparamos com pessoas que tentam tirar a nossa vida. Mas podemos nos perguntar, quem são as pessoas que tentam nos machucar? Quais são as situações que ameaçam o nosso bem-estar? Quem sabe colegas no trabalho que movidos por ciúme e inveja inventam mentiras a teu respeito. Ou ainda as fofocas exageradas que, além de tornarem seus problemas conhecidos entre todos, expandem a estória com detalhes que de fato nunca existiram. Talvez seus inimigos sejam seus próprios medos diante do futuro. Sua insegurança que lhe impede de aceitar aquele novo emprego ou dizer ‘sim’ para um pedido de casamento. Ou talvez seus inimigos sejam as dores do passado, que você insiste em carregar, mesmo sabendo que elas representam um grande peso sobre seus ombros. Até quando, Senhor? Até quando se erguerá contra mim o meu inimigo?
“Eu confio no teu amor. O meu coração ficará alegre, pois tu me salvarás” (v. 5). Eis que, após tantas vezes se perguntar “até quando?” surgem palavras de esperança e vitória. Mas será que esta mudança de tonalidade é possível? Como pode a agonia da pergunta “até quando?” dar lugar para a fé e confiança?
A resposta encontra-se na palavra hebraica ‘chesedh’, que nesta nossa tradução é representada pela palavra ‘amor’. Noutra versão em Português, Almeida Revista e Atualizada, a palavra ‘chesedh’ equivale à palavra ‘graça’. Fato é que o significado da palavra ‘chesedh’ é bastante rico. Ela descreve o amor incondicional e fiel de Deus. Ela se refere à aliança eterna que Deus estabeleceu com seu povo.
Chesedh, portanto, é a resposta apropriada para a pergunta “até quando?”. Pois com certeza o amor incondicional de Deus proclama que Deus não se esquece de seu povo; nem por um momento Deus se esquece de mim, de vocês, das pessoas que nele confiam.
Este amor incondicional se revela ao longo da história em diversos momentos, quando, por exemplo, Israel trilhou o caminho de falsos deuses, dando as costas para o seu Deus Salvador. Deus, entretanto, levantou mensageiros para conduzir seu povo ao caminho da verdadeira fé e salvação. Ou ainda quando Davi, o autor deste e tantos outros salmos, cometeu um grave crime ao providenciar a morte do soldado Urias para desposar a sua esposa Bate-Seba. Suas ações não ficaram livres de consequências. Mas o que podemos e devemos ressaltar é o amor incondicional de Deus que conduziu Davi da maldade para o arrependimento.
Assim o testemunho bíblico almeja despertar em nós a fé, a confiança neste amor incondicional de Deus. Sim, é verdade que em momentos de solidão ainda estaremos nos debatendo com nossos sentimentos e pensamentos. Enquanto dependermos de nossa razão e sentimentos, a angústia se prolongará. Somente quando finalmente reconhecermos que não temos forças próprias suficientes para lidar com a angústia, somente quando nos damos conta que é por um passo de fé em Deus, então estaremos caminhando num novo rumo. A pergunta “até quando?” pode ainda estar ressoando em nosso coração, entretanto, somos conduzidos pela firme confiança de que nada pode superar o amor incondicional de Deus. A aliança de Deus com seu povo é válida para você, para mim, para nós. Podemos confiar mesmo que nossos sentimentos tentem nos convencer do contrário. Confiar no amor incondicional de Deus em nossas vidas já é o primeiro passo para experimentarmos o seu livramento. A angústia da solidão cede espaço para a alegria da salvação, a confiança resoluta em Deus inspira nosso canto de louvor, “porque tens sido bom para mim, cantarei hinos a ti, ó Senhor (v. 6).
Assim como o salmista, e talvez mais ainda do que ele, temos motivo para cantar hinos ao Senhor. A pergunta “até quando” tem a sua resposta em Jesus Cristo. Olhando para Jesus Cristo podemos reconhecer o quanto Deus tem sido fiel com seu povo. Sua palavra é firme e verdadeira. A vitória de Jesus sobre o sofrimento e morte é o sinal de que a angústia e solidão do mundo presente não têm a última palavra. Quem tem a última e melhor palavra é a graça, o chesed de Deus, o seu amor incondicional que brilha nas palavras e presença de Jesus. Amém
Pregado na Igreja Evangélica Reformada em Castrolanda PR